quinta-feira, 27 de outubro de 2011

História trágico-marítima (XLIX)


O lugre-motor “ Pedro Miguel “
1941 - 1943
Empresa de Navegação Império, Lda., Lisboa

Imagem de uma traineira a tentar o desencalhe
do lugre-motor "Pedro Miguel"
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 10 de Novembro de 1943)

Nº Oficial: G-451 - Iic.: C.S.L.J. - Porto de registo: Lisboa
Construtor: Joaquim Pedro de Sousa, Portimão, 1922
ex “Algarve 5º”, J.A. Júdice Fialho, Portimão, 1922-1935
ex “Vagabundus”, José Braz Alves, Faro, 1935-1936
ex “Pescador“ (2), Soc. Figueirense de Pesca, 1936-1940
Reconstruído e motorizado por Joaquim Pedro de Sousa, em Portimão, durante o ano de 1936. Tinha 3 mastros, proa de beque, popa redonda, convés com salto à ré e a carena forrada com cobre. O valor pago pela Soc. Figueirense de Pesca, da Figueira da Foz, na compra do lugre orçou em Esc. 550.000$00.
ex “Pescador”, Mário Silva, Lda., Lisboa, 1940-1941
Arqueação: Tab 348,46 tons - Tal 261,05 tons
Dimensões: Ff 48,24 m - Pp 41,68 m - Bc 9,91 m - Ptl 3,53 m
Propulsão: Volund, 1935 - 1:Sd - 2:Ci - 220 Bhp - 7 m/h
Equipagem: 12 tripulantes

O navio-motor “Pedro Miguel” encalhou na praia do
Furadouro, estando irremediavelmente perdido
----------------------------------------------------
O nevoeiro - terror da navegação marítima - causou mais um naufrágio. Não se perderam vidas - não há famílias de luto a chorar os seus entes queridos, mas a economia nacional foi lesada com a perda de um navio, abatido ao efectivo por ter embatido contra as areias da praia. O sinistro deu-se às primeiras horas da manhã com o navio-motor “Pedro Miguel”, da Companhia de Navegação Império.
De passado aventuroso, este navio tem uma história, simples talvez, mas história que lhe criou o actual período de guerra. As voltas que teve de dar e os sacrifícios e sustos que atormentaram os componentes das suas tripulações, enchem uma pagina de história contemporânea, cuja descrição é inoportuna neste momento. Levado para Gibraltar onde foi vendido em hasta pública, foi adquirido, nessa ocasião, pela firma que lhe trocou o primitivo nome de “Pescador”, pelo de “Pedro Miguel”, que se exibia, agora, no costado, em letras brancas e grandes, ao lado da bandeira verde-rubra e da designação «Portugal» - divisa que pode considerar-se um símbolo.
Comandado pelo capitão da Marinha Mercante sr. Artur Belo de Morais, o “Pedro Miguel” dirigia-se a Leixões com importante carregamento de folha de Flandres, consignado à casa Wall & Cª. De manhã, às oito horas e meia, como fosse muita a cerração, aproximou-se demasiadamente da costa, encalhando a cem metros de terra, na praia do Furadouro, a 5 quilómetros de Ovar.
Correndo perigo de ser desfeito pelas vagas, o “Pedro Miguel” foi abandonado pelo capitão e pelos onze restantes tripulantes, que tomaram lugar em duas baleeiras. Só às dez horas, devido a ter clareado o tempo, foram vistos de um barco, que, dirigindo-se a Leixões, tomou a bordo o seu motorista, afim de, pessoalmente, participar o sinistro às autoridades marítimas e pedir socorro. Entretanto aproximou-se do barco naufragado uma traineira, afim de o procurar safar. Nada conseguiu, devido a ter rebentado a «espia». Logo que foi conhecida a notícia na Capitania de Leixões, saíram para o mar o rebocador “Urano” e “Bragança” - o primeiro comandado pelo piloto da barra Luís Ventura e o segundo pelo mestre David de Sousa. Algumas horas depois encontraram o “Vouga”, que trazia a reboque para o rio Douro, a fragata Aleluia, e, a bordo, os tripulantes do “Pedro Miguel”.
O navio sinistrado - que segundo os técnicos está irremediavelmente perdido - tem casco de madeira. Era accionado por um motor de 220 cavalos e foi construído em 1922 nos estaleiros de Portimão. Mede 41 metros e 36 centímetros de comprimento; 9 metros e 91 de boca e 3 metros e 53 de pontal. Tem capacidade para 332 toneladas e meia brutas e quase 250 toneladas liquidas.
Para o ver adornado, batido pelas vagas, como gigante vencido, acorreram à praia centenas de pessoas.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 10 de Novembro de 1943).

Na praia do Furadouro a rebentação do mar está
a desfazer o casco do lugre-motor “Pedro Miguel”
-------------------------------------------------
Com o tempo confirmou-se a opinião dos técnicos. O navio-motor “Pedro Miguel”, encalhado na praia do Furadouro, próximo de Ovar, está irremediavelmente perdido.
Ontem (10.11.1943) de manhã, o lindo navio de três mastros conservava a mesma posição do dia anterior, mas devido aos estragos provocados pela água que lhe inundou os porões e devido à rebentação do mar, começou a desfazer-se de tarde, dando à costa alguns destroços e parte da carga. Não foi possível ir a bordo qualquer pessoa, estando o “Pedro Miguel” vigiado pela Guarda Fiscal de Aveiro, que tem tomado conta dos salvados.
Nesta data seguem para o Furadouro os representantes das companhias seguradoras do casco e da carga e os directores da Companhia de Navegação Império, Lda., de Lisboa, proprietária do “Pedro Miguel”.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 11 de Novembro de 1943).

Lugre-motor “Pedro Miguel” com carregamento de
folha de Flandres – Encalhado na praia do Furadouro
-----------------------------------------------------
Recebem-se propostas até às 18 horas do próximo dia 16 do corrente, nos escritórios da Companhia de Seguros «Tranquilidade», Rua de Cândido dos Reis, 105, Porto, ou Rua Augusta, 39, Lisboa, para o salvamento do lugre-motor “Pedro Miguel” e seu carregamento de caixas de folha de Flandres, o qual se encontra encalhado na praia do Furadouro. As propostas devem ser para o salvamento do casco e carga, conjuntamente, e para cada um separadamente, e devem ser por uma percentagem sobre os valores salvos e na base «No cure, no pay».
Reserva-se o direito de rejeitar todas ou qualquer das propostas recebidas, não convindo. Porto, 12 de Novembro de 1943
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 12 de Novembro de 1943).
Infelizmente o mar deitou por terra, as melhores intenções.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Companhias Portuguesas - A Gil Conde, Lda.


Domingos António Gil Conde, Lda.
Rua de S. Francisco, 25, Porto

A empresa Gil Conde que durante muitos anos esteve associada ao agenciamento de embarcações, tanto no rio Douro como em Leixões, foi igualmente proprietária de navios, que operaram na cabotagem nacional e internacional. Revelou-se igualmente importante no serviço de abastecimento de bacalhau ao país, carregado directamente a partir dos portos dos principais países exportadores. O "Portucale" a que agora nos reportamos foi um dos seus principais navios.

Pelo interesse demonstrado por alguns seguidores do blog, que perderam familiares no naufrágio, decidi acrescentar ao texto inicial e respectivos comentários, o teor das notícias publicadas na época, colaborando na divulgação dos elementos relacionados com o naufrágio, para seu conhecimento e analise dos factos.

O navio-motor “ Portucale”
1944-1947

O n.m."Portucale" no rio Douro - Cais do Bicalho
foto J. Gouveia Marques - colecção de Francisco Cabral

Nº Oficial: G-465 – Iic.: C.S.S.A. – Porto de registo: Lisboa
Cttor.: Peter (Petrovski) Werft A.G., Reval, Alemanha, 1922
Reconstruído e transformado para n/m em Portugal, 1944
Arqueação: Tab 591,81 tons - Tal 471,24 tons
Dim.: Ff 57,60 mts - Pp 51,36 mts - Bc 8,80 mts - Ptl 3,71 mts
Prop.: Gebr. Körting A.G., Hannover - 1:Di - 300 Bhp - 12,5 m/h
Equipagem: 15 tripulantes

ex lugre-escuna “Virumaa” – Tallin Shipping Ltd., 1922-1940
Reg.: Tallin, Estónia > Nº Of. 615 > Iic.: E.S.F.O.
Tonelagens: Tab 604,00 to > Tal 483,00 to
Cpmts.: Pp 50,78 mt > Boca 8,75 mt > Pontal 3,69 mt
Vendido, alterou o nome para “Les Gemeaux”

ex lugre escuna “Les Gemeaux” – R.& J. Fromal & Co., 1940-1944

Naufragou ao largo do Cabo de S. Vicente, em 13.05.1947

Comentários prévios no blog:

Rui Amaro disse...
Reimar
A foto mostra o Portucale atracado à prancha dos armazéns da Comissão Reguladora do Comércio de Bacalhau, mais conhecido por Frigorífico do Bacalhau, Lugar do Bicalho, Massarelos, Porto, na descarga do "Fiel Amigo", carregado em vários portos costeiros da Terra Nova ou Groenlândia. Esses armazéns, que estavam instalados num bonito edifício, tinha na sua frontaria motivos esculturais representativos da dura "Faina Maior" daqueles Heróis do mar, que foram os Capitães, Pilotos, Maquinistas e Pescadores, etc. Felizmente o edifício está a ser recuperado para habitação e comércio, tendo os referidas esculturas sido preservadas.
Um abraço
Rui Amaro
5 de Abril de 2008 05:10

Abilio disse...
Gostei de ver a notícia sobre a Empresa que o meu avô Domingos António Gil Conde fundou. Desde criança ouvi sempre falar nos navios da Companhia e na actividade bacalhoeira.
Maria da Luz Gil Conde Tavares Cardoso
26 de Março de 2010 08:03

luis.castrolima disse...
Tenho dois jornais da época a noticiarem o naufrágio, identificando todos os tripulantes. Foi a minha avó que mos deixou. Um desses tripulantes, José Madeira, de 22 anos, era meu tio-avô e faleceu neste naufrágio sem que alguma vez tenha sido recuperado o corpo.
20 de Abril de 2011 15:51

... disse...
Caro Luís Castro Lima
Fico lhe muito agradecido se me pode ver se entre os nomes dos tripulantes que faleceram no naufrágio do Portucale constam pelo menos dois com o apelido COUTEIRO. Agradeço que me contacte para o meu email:
origens.genealogia@gmail.com
Fernando Lourenço
16 de Maio de 2011 14:30

O naufrágio

Ter-se-ia afundado um vapor, da praça do Porto,
cujo capitão lançou, ontem, um S.O.S.
-------------------------
Partiu, ante-ontem (12.05.1947), do Tejo, com destino às ilhas de S. Miguel e de Santa Maria, o vapor “Portucale”, da praça do Porto, propriedade do sr. Domingos António Gil Conde, cujos tripulantes, na sua maior parte, são naturais de Ílhavo. Ontem, pelas 15 horas, o capitão daquele barco, sr. José Simões Bixirão, lançou um S.O.S., dizendo que o “Portucale”, que deslocava 292 toneladas, estava a afundar-se a 40 milhas de Cascais. Por determinação das autoridades marítimas, seguiram para o local indicado o barco de guerra “João de Lisboa” e dois hidro-aviões da base do Bom Sucesso, que exploraram uma grande área, não encontrando nada em virtude do mar estar muito encapelado.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 14 de Maio de 1947)

O “Portucale” afundou-se com toda a sua tripulação?
-------------------------
Não obstante todos os esforços das autoridades marítimas para obter informações sobre o navio-motor “Portucale”, continua a ignorar-se a sorte do barco e da sua tripulação.
Conforme noticiado, foi na manhã de ante-ontem que as estações radio-telegráficas da Marinha e da Marconi receberam um dramático S.O.S. de bordo do navio-motor “Portucale”, a pedir urgentíssimo auxílio, pois que o barco estava prestes a afundar-se. O Ministério da Marinha ordenou, imediatamente ao aviso “João de Lisboa”, que andava em experiência de máquinas, nas proximidades de Sesimbra, que tomasse o rumo indicado pelo capitão do barco em perigo. Para auxiliar as pesquisas, saiu um hidro-avião da base do Bom Sucesso, que regressou ao Tejo, bem como o “João de Lisboa”, sem terem encontrado vestígios do navio ou da sua tripulação.
O “Portucale”, propriedade de Domingos António Gil Conde, do Porto, estava fretado à Empresa Insulana de Navegação para transporte de mercadorias entre a metrópole e as ilhas adjacentes. O navio saiu segunda-feira do Tejo, com adubos e milho para os Açores. A tripulação era constituída por quinze homens, incluindo o capitão António Simões Bixirão, natural de Ílhavo. As autoridades da Marinha prosseguiram, durante a madrugada e parte do dia de hoje, a interrogar a navegação que passa no local onde desapareceu o “Portucale”.
A Empresa Insulana de Navegação e a firma Bagão, Nunes & Machado, não receberam, até ao meio da tarde de ontem, qualquer informação sobre a sorte dos tripulantes do navio que desapareceu no oceano, depois de ter lançado o S.O.S., em que o respectivo capitão, sr. António Simões Bixirão, dizia, angustiosamente: «Estou a afundar-me».
Presume-se que a causa do desastre tenha sido avaria no motor, que já há tempo se tinha desarranjado, obrigando um barco a ir em socorro do “Portucale”, que se julgava correr, então, grave perigo. Com o motor avariado, o “Portucale” ter-se-ia atravessado à vaga e, como fosse muito carregado, um ou mais golpes de mar sobre as escotilhas mal fechadas, terão provocado o rápido afundamento do navio.
Quanto à tripulação, resta uma leve esperança: a de haver sido recolhida por algum navio. Todavia, é de admitir também a perda daquelas quinze vidas, pois que a pequena baleeira de bordo não devia ter resistência suficiente para aguentar um mar que os navios de maior calado dificilmente suportam.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 15 de Maio de 1947)

Continua a ignorar-se a sorte do navio-motor “Portucale”
-------------------------
Nada se sabe ainda da sorte do navio-motor “Portucale” que, segundo tudo faz supor, se perdeu no Atlântico, devido ao temporal. Admite-se a hipótese do mar ter impelido vários bidões que iam sobre o convés, os quais teriam arrombado a braçola da escotilha do porão, ocasionando o alagamento do navio, se este embarcasse alguns «mares» sucessivos. A hipótese de avaria no motor e do barco atravessado à vaga estaria assim posta de parte.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 16 de Maio de 1947)


Nem todos se perderam nesse lance trágico do navio-motor “Portucale”, cujo capitão, no passado dia 13, lançou angustioso S.O.S., quando se encontrava na posição 38º e 40’ Norte e 10º Oeste, entre Lisboa e os Açores. Três dos tripulantes - António Belo de Carvalho, Luciano da Encarnação Rola e Uriel Gonçalves Leite - foram recolhidos, depois de terem andado dezassete horas numa baleeira, pelo veleiro espanhol “Nuevo Ortiguera”, que os transportou para Sevilha. A notícia do salvamento, divulgada de manhã, provocou viva emoção, tendo os agentes na capital da firma armadora pedido, logo, para o consul de Portugal naquela cidade espanhola mais informações sobre o caso, as quais não tardaram. Ciente da inquietação que havia, não só entre as famílias dos náufragos mas, também, nas pessoas que com eles convivem, o sr dr. António de Certima detalhou a primeira informação, que lhe foi pedida pelo telefone.

Os náufragos foram tratados com o maior carinho
Na tarde de quinta-feira – disse o representante de Portugal em Sevilha - ter sido avisado que, a bordo dum veleiro que subia o Guadalquivir, vinham três tripulantes dum barco português que havia naufragado. Tomei, desde logo, as providências necessárias, para que fossem prestados socorros, visto terem-me dito que os náufragos careciam deles. De facto, por volta das 17 horas chegou a Sevilha o veleiro “Nuevo Ortiguera”, da praça da Corunha, que transportava: António Baptista Belo Carvalho, da rua dos Birbantes, nº 37-1º D. e Luciano da Encarnação Reis, da rua Augusto Rosa, nº 7-4º D., respectivamente piloto e radio-telegrafista do navio-motor “Portucale”, ambos de Lisboa e, ainda, o marinheiro Uriel Gonçalves Leite, de Ílhavo. Com excepção do segundo, que foi transportado para a clinica «La Salud», por se julgar que tenha a coluna vertebral fracturada, devido a ter ficado entalado entre o vapor e a baleeira, quando descia daquele, os outros estão bem. Todos afirmam que foram recolhidos e tratados com o maior carinho pelos tripulantes do barco espanhol, que, na ocasião do salvamento, lhes forneceram refeições que os reconfortaram e, ainda, roupas.

Como se deu o afundamento do “Portucale”
Entretanto, novas informações chegavam sobre o afundamento, motivado, segundo os três sobreviventes, por tremendo temporal. As águas, tendo invadido, por volta das duas horas da madrugada, o convés e o porão, impeliram contra o tombadilho, arrombando alguns bidões de óleo, que faziam parte da carga. Depois disso, o barco afundou-se em poucos angustiantes minutos…
Os três náufragos, que andaram, depois, dezassete horas sobre as ondas, supõe que os restantes homens tenham morrido. A bordo - informaram - havia apenas duas baleeiras. Nesta em que se salvaram, tinham tomado lugar mais dois tripulantes, que se afogaram, depois dum deles ter enlouquecido. Quanto à outra baleeira, espatifou-se contra o costado do “Portucale”. A violência do mar e o frio a todos aterrou. De longe, avistaram o aviso “João de Lisboa” bem como um navio inglês e aparelhos da nossa aviação, mas nem aqueles nem estes os distinguiram, tão altas eram as ondas. O piloto e o marinheiro, que também foram socorridos numa clinica, devem regressar nesta data, a Lisboa, em viagem por Vila Real de Santo António.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 17 de Maio de 1947)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Sobre a barra do rio Douro!


Males de ontem, males de sempre!…

Chegou a barra do Douro a tais condições de navegabilidade, que pode afirmar-se, que é esta, hoje, a questão magna para a praça do Porto.
O porto de Leixões tem assegurada a sua conclusão, pelo modo decidido como o governo dotou as obras e estabeleceu a respectiva administração. Está, pois, permitida a chamada grande navegação, especialmente a dos transatlânticos, para o nosso porto. Resta, apenas, assegurar a chamada pequena navegação, que não pode dispensar-se, porque ela tem uma função especial no comércio marítimo. Essa navegação faz-se principalmente para o rio Douro. Para isso, é indispensável, porém, que a barra do Douro seja praticável e é isso, precisamente, o que não sucede.
Há dias, a barra chegou a não poder permitir a entrada senão de navios de arqueação mínima e, ainda assim, com grave risco. Não tem sido poucos os navios que encalharam, os que bateram nas pedras – tudo isso com grave prejuízo para o comércio da nossa praça. Efectivamente, em face do que se passa, as Companhias de seguros elevam os prémios. As companhias de navegação não se limitam a agravar os fretes: algumas tem chegado a resolver não frequentar o nosso porto, porque não querem estar sujeitas aos prejuízos e transtornos resultantes da perda ou avarias graves das suas embarcações.
Vai, pois, um clamor geral contra as condições desfavoráveis em que está a barra do Douro, em manifesto descrédito para o nosso porto. Esse clamor tem chegado aos poderes públicos. Cabe-lhes, portanto, adoptar providencias enérgicas e imediatas, antes que a situação se agrave, novos desastres se produzam e os prejuízos aumentem.
Estamos profundamente convencidos de que, se se fizer um inquérito rigoroso às condições de navegabilidade da barra do Douro, se chegará a averiguações mais horríveis do que aquelas que podem tirar-se das nossas palavras. O jornal julga cumprir um dever de patriotismo defendendo a causa de que nos ocupamos. Não é, porém, apenas um dever de patriotismo, em atenção aos interesses prejudicados e ao bom nome do país e da praça do Porto. É também um dever de humanidade; porque, enquanto a barra do Douro estiver nas condições em que se encontra, pode considerar-se um sorvedoiro de vidas e de bens.
Perante estas considerações não há que hesitar: as responsabilidades do presente estado de coisas é de um peso incomensurável. Mãos à obra, pois! O Porto saberá ser grato a quem o liberte de uma situação que tanto o vexa, tanto o deprime, tanto o prejudica.

Artigo de opinião sobre as condições da barra do rio Douro, assinados por Bento Carqueja, distinto director e jornalista do jornal o “Comércio do Porto”, em 3 de Fevereiro de 1934.

O texto sendo perfeitamente compreensível pela preocupação de ser conseguida uma notória melhoria nas condições da barra do Douro, tem todo o cabimento por fazer justiça à noticia do dia, recordando um dos piores sinistros no local, como segue:

O naufrágio do vapor alemão “ Deister “
Sufrágios
Passando amanhã o 5º aniversário do naufrágio do vapor alemão “Deister”, à entrada da barra e em que pereceram 24 tripulantes, além do piloto da barra Jacinto José Pinto, a Corporação dos Pilotos da barra do Douro e porto de Leixões, querendo perpetuar a memória do seu desditoso colega e dos restantes tripulantes, manda rezar amanhã, pelas 9 horas da manhã, na capelinha de Nossa Senhora da Lapa, na Foz do Douro, uma missa, por alma daqueles desventurados. É celebrante o rev. Tomaz da Luz.
A mesma corporação convida as agremiações locais e marítimas e pessoas que desejem assistir a comparecerem a este piedoso acto.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 2 de Fevereiro de 1934)

E ainda…

Relembrando
Faz hoje cinco anos que a cidade viveu algumas horas trágicas com a catástrofe do “Deister”, que vitimou o piloto Jacinto José Pinto e 24 tripulantes alemães. A corporação dos pilotos da barra e porto de Leixões em memória do trágico acontecimento manda rezar hoje uma missa na capelinha de Nossa senhora da Lapa, por alma dos náufragos.
Se a recordação desta tragédia é pungente, o facto da necessidade urgente das obras da barra chama-nos ainda mais a atenção visto que o Porto merece uma barra compatível com o grande trafego comercial da segunda cidade do país.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 3 de Fevereiro de 1934)

Acontecimento anual, a evocação da efeméride repetiu-se ainda durante as décadas seguintes:

(In jornal “O Comércio do Porto”, de 2 de Fevereiro de 1941)

Até que um dia, não mais se lembraram dos colegas e amigos!
Sempre actual, sempre presente, as palavras de Raul Brandão assumem o retrato da vida rude e cruel, dos que por lá passaram e dos que por lá ficaram. “Os meus mortos estão cada vez mais vivos”, disse... (In “Os pescadores”, Junho de 1921, p.12).

domingo, 23 de outubro de 2011

Navios Portugueses


O vapor “ João Diogo “ (2)
1963 - 1977
Sofamar - Soc. de Fainas de Mar e Rio, Sarl., Lisboa

Numa primeira fase devo confessar, que não me tinha ocorrido a possibilidade da existência de um segundo navio a navegar com o nome "João Diogo", que por motivos óbvios substituiu o primeiro, perdido no encalhe em Peniche, conforme a informação publicada recentemente no blog. Logicamente que a “gafe” dessa omissão foi-me de imediato comunicada e devidamente corroborada por imagens, pelo que não me restou alternativa senão preparar o respectivo aditamento, para complementar a necessária correcção. Eis portanto a história de um navio, cuja matricula no país em nome da Sociedade Geral, está certamente presente na nossa memória colectiva.

O vapor "João Diogo" ancorado em Leixões
Imagem Fotomar, Matosinhos

Nº Oficial: I-351 - Iic.: C.S.H.H. - Porto de Registo: Lisboa
= Características do registo em 1963 =
Construtor: Schiffswerft und Maschinenfabrik vorm. Janssen & Schmilinsky A.G., Hamburgo, Dezembro de 1921
Arqueação: Tab 892,91 to. - Tal 855,73 to. - Pm 1.500 to.
Dim.: Ff 67,76 mt - Pp 64,32 mt - Bc 9,73 mt - Ptl 3,97 mt
Propulsão: Gall & Seitz - 1:Te - 3:Ci - 101 Nhp - 7,5 m/h
Equipagem: 22 tripulantes

ex “Minna”, H. Schuldt GmbH Co. KG., Hamburgo, 1921-1921

ex “Argus”, Voege & Daecker, Flensburg, 1921-1928
= Características do registo efectuado em 1922 =
Nº Oficial: -?- - Iic.: L.N.Q.K. - Porto de registo: Flensburg
Arqueação: Tab 964,00 tons - Tal 701,00 tons
Dimensões: Pp 64,01 mt - Boca 9,75 mt - Ptl 4,05 mt

ex “José Manuel”, Sociedade Geral, Lisboa, 1928-1929
= Características do registo efectuado em 1928 =
Arqueação: Tab 926,20 tons - Tal 535,54 tons
Dim.: Ff 67,76 mt - Pp 64,32 mt - Bc 9,73 mt - Ptl 3,97 mt
Equipagem: 17 tripulantes

ex “Zé Manel”, Sociedade Geral, Lisboa, 1929-1963
= Características do registo efectuado a 21.01.1929 =
Nº Oficial: 390-F - Iic.: H.Z.M.L. - Porto de registo: Lisboa
Arqueação: Tab 926,20 tons - Tal 535,54 tons
Dim.: Ff 67,76 mt - Pp 64,32 mt - Bc 9,73 mt - Ptl 3,97 mt
Equipagem: 17 tripulantes

= Características do registo efectuado em 1934 =
Nº Oficial: 390-F - Iic.: C.S.B.V. - Porto de registo: Lisboa
Arqueação: Tab 926,20 tons - Tal 535,54 tons
Dim.: Ff 67,76 mt - Pp 64,32 mt - Bc 9,73 mt - Ptl 3,97 mt
Equipagem: 17 tripulantes

Batelão “João Diogo “ (último registo)
1977-1987
Granomar - Comp. Portuguesa de Navios, Sarl., Lisboa

O batelão "João Diogo", em Lisboa prestes a ser demolido
Imagem da colecção de Nuno Bartolomeu

Nº Oficial: I-351 - Iic.: C.S.H.H. - Porto de Registo: Lisboa
= Características do registo em 1977 =
Arqueação: Tab 892,91 to. - Tal 855,73 to. - Pm 1.500 to.
Dim.: Ff 67,76 mt - Pp 64,32 mt - Bc 9,73 mt - Ptl 3,97 mt

Vendido para demolir no Seixal, durante o ano de 1987.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

História trágico-marítima (XLVIII)


Naufrágios em Viana do Castelo
(Idade média)

Navio mercante espanhol da carreira das Índias
Desenho de Robert Jackson
Imagem sem correspondência ao texto

Como mencionei previamente ao referir-me a Viana do Castelo e à importância do seu porto de mar, conferi recentemente a Lista de naufrágios de navios espanhóis da carreira das Índias, na costa portuguesa, tendo encontrado 3 registos abaixo discriminados.

Nau “Nuestra Señora de la Concepcion”
Naufragou dentro do porto de Viana, a 25 de Novembro de 1616, na viagem de regresso das Índias (local não especificado).
Nau “El Buen Jesus”
Naufragou em 1634 (data não especificada), no regresso duma viagem a Porto Rico.
Um patacho (nome não especificado),
que pertenceu a José Abadia, naufragou a 22 de Fevereiro de 1734, próximo do porto.

Os apontamentos utilizados na pesquisa, foram encontrados na lista acima mencionada, tendo como fonte documental o Arquivo Histórico da Câmara de Comércio, o Arquivo Geral das Índias e o Arquivo de Protocolos, todos com sede em Sevilha e ainda o Arquivo Geral de Simancas.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

História trágico-marítima (XLVII)


O vapor “ João Diogo “
1961 - 1963
Sofamar- Soc. de Fainas de Mar e Rio, Sarl., Lisboa

O vapor "João Diogo" encalhado nas Berlengas

Nº Oficial: I-351 - Iic.: C.S.H.H. - Porto de registo: Lisboa
Construtor: J.C. Tecklenborg A.G., Gestemund, 1905
ex “Pluto”, Dampschiffs Ges. “Neptun“, Bremen, 1905-1916
ex “Sado“, Marinha de Guerra Portuguesa, 1916-1918
ex “Sado”, Exército Português/ T.M.E., Lisboa, 1918-1919
ex “Sado”, Transp. Marit. do Estado, Lisboa, 1919-1924
ex “Sado”, Soc. de Navegação, Lda., Lisboa, 1924-1927
ex “Alferrarede”, Sociedade Geral, Lisboa, 1927-1961
Arqueação: Tab 892,91 tons - Tal 855,73 tons
Dimensões: Pp 64,32 mts - Boca 9,73 mts - Pontal 3,97 mts
Propulsão: Tecklenborg, 1905 - 1:Te - 3:Ci - 116 Nhp - 9 m/h
Equipagem: 18 tripulantes

O naufrágio
Peniche, 8 - Cerca das 4 horas, o navio de carga “João Diogo” (antigo “Alferrarede”), pertencente à Sociedade Fainas de Mar e Rio, com 18 homens de tripulação, quando em viagem de Leixões para Lisboa, com minério de ferro, sob o comando do sr. Francisco Augusto Duarte, devido à forte neblina foi embater nos rochedos da Papoa, na costa norte desta península, ficando imobilizado e metendo água no porão da carga. Devido à agitação do mar e por desconhecimento da situação em que se encontrava o barco, a tripulação, depois de haver feito sinais para terra, que não foram vistos, passou para as baleeiras, fazendo-se ao mar. Apareceu, então, a traineira registada em Peniche “Praia Formosa”, que andava na faina da pesca, conduzindo a reboque as baleeiras para o seu porto de matricula.
O barco encontrava-se, soube-se depois, em situação difícil, podendo desde logo considerar-se perdido. Mais tarde, como o estado do mar permitisse uma operação de salvamento, o sr Comandante Andrade e Silva capitão do porto de Peniche, determinou a presença de uma equipa de mergulhadores, para uma meticulosa inspecção ao fundo do navio, na zona perfurada pelas rochas. O próprio capitão do porto, acompanhado dos srs. capitão Araújo, da Marinha Mercante e George Scheder Bieschin, gerente da empresa armadora, que, entretanto haviam chegado da capital, assistiram a essa demorada inspecção, apurando-se a impossibilidade de salvar o barco. De tarde, como o mar embravecesse, o casco começou a ser fustigado com maior violência, pelo que por volta das 14 horas, abria-se uma brecha no costado, de alto a baixo, por onde a carga começou a sair, a cada vez que o navio era sacudido por vagas alterosas. Apesar da chuva, na orla marítima e nos pontos altos de onde se podia avistar-se o navio, reuniu-se grande número de curiosos.
O antigo “Alferrarede”, cargueiro alemão lançado à água em 1905 e que pertenceu à Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, que há tempo o vendeu aos seus actuais armadores, era uma unidade de 1.452 toneladas, cujo porte bruto atingia 2.118 toneladas. Media 74 metros de comprimento e a sua máquina, original, desde quando o navio foi lançado ao mar, em 1905, tinha uma potência de 700 cavalos. Deve ser um dos mais velhos barcos mercantes portugueses, com quase sessenta anos de serviço, tendo navegado sob a bandeira alemã com o nome “Pluto”. O navio e a carga estão no seguro e procedia de Leixões. A carga era composta por um lote de minério das minas de ferro de Moncorvo, estando prevista a sua descarga em Lisboa, com destino à Siderurgia Nacional.
(In jornal “O Século”, de 9 de Novembro de 1963)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

História trágico-marítima (XLV)


O lugre-escuna “ Santa Maria “ (2)
1914 - 1917
Parceria de Pescarias de Viana, Viana do Castelo

Imagem sem correspondência ao texto

Nº Oficial: 57 - Iic.: H.D.N.P. - Porto de registo: Viana
Construtor: John Hutt, Liverpool, Nova Escócia, 1902
ex “Albani”, -?-, Liverpool, Nova Escócia, 1909-1914
Arqueação: Tab 204,00 tons - Tal 190,00 tons
Dimensões: Pp 33,80 mts - Boca 7,63 mts - Pontal 3,40 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 10 tripulantes (mais 26 pescadores)
Capitães embarcados: Manuel Mendes (1914 e 1915)

O naufrágio
Peniche, 11 - Chegaram a este porto os escaleres conduzindo 10 tripulantes do lugre-escuna “Santa Maria”, de Viana do Castelo, que vinha do Porto, com um carregamento de carvão destinado a Lisboa, quando foi torpedeado por um submarino alemão a 6 milhas ao sul das Berlengas. Antes do torpedeamento, os alemães apoderaram-se dos viveres.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 13 de Junho de 1917)

Em aditamento ao texto anterior, verifico uma curiosa trapalhada em relação aos dois lugres de Viana do Castelo, com o nome “Santa Maria”, instalando-se a confusão, por força da existência de duas versões distintas, pela repetição do mesmo nome em navios diferentes. Por um lado, em parte da documentação disponível, as características acima mencionadas deviam pertencer ao primeiro “Santa Maria”. No entanto, tanto oficialmente como em conformidade com o relatório do cap. Kurt Albrecht, que se encontrava a bordo do submarino alemão UC-53, no período de 5 de Abril de 1917 a 5 de Fevereiro de 1918, o mesmo atesta claramente ter sido este o lugre vitimado pelo ataque. Nesse mesmo relatório faz constar, que o lugre foi afundado a 10 de Junho de 1917, na posição 39º11’N 09º35’W, confirmando o local a 6 milhas náuticas a sul das Berlengas, quando o navio transportava um carregamento de carvão, com destino à colónia portuguesa da Guiné.
Porque o capitão do submarino alemão teve forçosamente acesso aos documentos oficiais do navio e ao manifesto da carga (e aparentemente dos viveres), parto do pressuposto que sabia exactamente qual foi o navio afundado, pelo que agora sou favorável a considerar este como o segundo “Santa Maria”, até prova em contrário.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

História trágico-marítima (XLIV)


A chalupa construída em madeira - “ Rasoilo & Cª. “
1899 - 1914
Armador: Bernardo Razoilo, Manoel F. Batata e outros, Aveiro

Nº Oficial: n/s > Iic.: H.J.R.P. > Registo : Cap. de Aveiro
Construtor: Não identificado, Vila do Conde, 1886
ex “Neves”, Proprietário desconhecido, 1886-??
ex “Rasoulo & Cª.”, Manoel F. Batata, F. Foz, 18??-1899
Arqueação: Tab 87,82 tons - Tal 83,42 tons
Dimensões: Desconhecidas
Propulsão: À vela, sem motor auxiliar
Equipagem: 6 tripulantes
Mestres embarcados: Manoel António Caravela (1913 e 1914)

Viana do Castelo, 15 - Em relação ao sinistro da chalupa “Rasoilo”, ainda não foram recebidas, até agora, noticias do destino da sua tripulação. Um marinheiro do vapor “Valhal”, a receber carga no porto, foi ontem a Guardia, de visita à família, trouxe a notícia de que ao norte do portinho daquela vila galega, fora avistado um navio desarvorado, tendo só um mastro. Como não fazia sinais para terra, suspeitou-se logo que não tinha ninguém a bordo e, portanto, foi dado conhecimento para Vigo, de onde saiu um rebocador, que levou o referido navio para aquele porto. Foi então que dali telegrafaram, dizendo que a referida embarcação era a chalupa “Rasoilo”, completamente rasa e sem ninguém a bordo. Continua a ansiedade e a esperança da sua tripulação ter sido recolhida por qualquer embarcação.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 16 de Novembro de 1913)

Embarcação abandonada
Acerca da chalupa “Rasoilo & Cª.”, referida no texto anterior, foi entretanto recebida a seguinte informação de La Guardia, com data de 14 do corrente, como segue:

Ontem pairou em frente da praia e bastante ao largo, uma embarcação desarvorada. Pelo rumo do vento, era suposto ser portuguesa – vinha corrida do sul. Foi imediatamente dado conhecimento ao cônsul, para serem tomadas providencias, mas, enquanto estas se discutiam, surgiu a ideia a um grupo de pilotos de solicitarem a saída do pequeno vapor de reboque da casa Candeira, o qual está sempre fundeado no rio Minho. Em virtude disso, não houve necessidade de contacto posterior, a lembrar da conveniência da vinda do “Tritão”, visto não constar que em Viana haja reboque para o mesmo fim. O mesmo mereceu a concordância do cônsul, que não chegou a pedir socorros a Vigo, pois a breve espaço de tempo foi vista a eficácia dos trabalhos de salvamento realizado pelo reboque “Candeira”, que conduziu a embarcação para Vigo.
Por telegrama dali recebido, sabe-se tratar-se da chalupa “Rasoilo & Cª.”, da praça do Porto, com carga de sal e diversas mercadorias. Estava completamente abandonada, ignorando-se ainda a sorte da tripulação, que tem sido procurada com afã pelos pescadores da costa.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 16 de Novembro de 1913)

Na madrugada de ontem entrou no porto de Vigo, o rebocador a vapor “Maria”, dos srs. Candeira Irmãos, de Campossancos, com uma chalupa portuguesa a reboque. Era a chalupa “Rasoilo & Cª.”, que ante-ontem tinha sido vista à mercê das ondas, em frente de La Guardia e que o referido rebocador tinha ido buscar. Era meio-dia quando um pratico do porto de La Guardia a viu e o comunicou ao ajudante de marinha. Este oficial solicitou o concurso do “Maria”, que os seus proprietários cederam imediatamente e, como o vapor não tinha dotação bastante para o reboque, embarcaram nele dois práticos e um marinheiro. Saiu o “Maria” em busca da referida embarcação à vela, que impedida pelo temporal ia dar à costa, sendo possível a meio da tarde estabelecer-se o reboque. A chalupa estava abandonada e com bastantes avarias.
O temporal tinha-lhe partido o mastro da mezena, rente à coberta. A cozinha, que estava situada ao pé do referido mastro, havia sido destruída por um golpe de mar e o fogão rolava pelo convés. Também estava desmontada a roda de leme. Logo à primeira vista se notava que a tripulação da chalupa, tinha lutado muito com o temporal. Para poder sustentar-se, depois de partido o mastro da mezena, foi improvisado um aparelho, estendendo uma vela desde o topo do mastro de popa, até à proa. O escaler via-se fortemente amarrado sobre o porão do centro.
Estabelecido o reboque, o “Maria” empreendeu a marcha em direcção a Vigo, já que o estado do mar não lhe permitia entrar em La Guardia, tendo por esse motivo só chegado a Vigo de madrugada. Pela manhã, o mestre do rebocador deu conhecimento de achado ao comandante de marinha, sr. Conde de Villar de Fontes, o qual ordenou que se procedessem às necessárias investigações.
Pela tarde, foi a bordo da chalupa o juiz de marinha sr. Carrero, com o secretário sr. Fernandez. Da busca efectuada a bordo, resultou serem encontradas numerosas cartas e outros documentos, pelos quais se deduz que o arrais da “Rasoilo & Cª.” se chamava Manuel António Caravela e era de Viana do Castelo. Achou-se também a bordo alguma roupa velha da tripulação. Não foi, porém, encontrado nem o rol de bordo, nem qualquer outra coisa de importância, não tendo ficado dúvidas que a embarcação foi abandonada pela sua tripulação e que esta, ao deixar a chalupa, levou somente o que podia ter algum valor.
A carga transportada pela “Rasoilo & Cª.”, consistia em sal, caixas de velas, barris vazios e duas quartolas, que parecem ser de azeite. A julgar pelo estado de conservação da chalupa, esta deve ter sido construída há uns vinte cinco anos. Também se deduzia das cartas encontradas a bordo, que a chalupa se dedicava à cabotagem entre Viana e portos do sul de Portugal.
Parece que o capitão do patacho “Soares”, também português, que durante os últimos temporais entrou em Vigo com o velame destruído, recebeu uma carta dos armadores da “Rasoilo & Cª.”, dizendo-lhe que esta havia sido abandonada e que se aparecesse pelas costas galegas lhe desse conhecimento. Nesta data será chamado o capitão do “Soares”, ao julgado de marinha, para prestar declarações.
A “Rasoilo & Cª.” é uma embarcação de 83 toneladas e, desde os últimos dias de Outubro, que deram início ao regímen tempestuoso, é o quarto navio de vela que entra avariado no porto de Vigo.
(In jornal “Faro de Vigo”, de 15 de Novembro de 1913)

Tripulação salva
Londres, 17 - Chegou ontem a Newport o vapor inglês “Scamby”, conduzindo a tripulação da chalupa portuguesa “Rasoilo & Cª.”, salva no mar ao largo da costa portuguesa. Os náufragos ficaram entregues ao cônsul português em Newport.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 18 de Novembro de 1913)

Como seria de prever, as negociações para recuperar a chalupa devem ter levado um considerável período de tempo, até ao seu regresso definitivo a Viana do Castelo. E, ao que tudo indica estaria em tais condições, muito próximo do inavegável, que levou à sua venda, nos moldes que o anúncio publicita:

(In jornal “O Comércio do Porto”, de 17 de Julho de 1914)

Apesar de tudo a venda foi consumada em 1914, a proprietários que não foi possível identificar. Desde este ano, eventualmente já desmastreada, veio para o Porto, ficando matriculada na Capitania do Douro, como fragata de carga. Depois deste último registo, lamentavelmente perde-se-lhe o rasto.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A pesca do bacalhau em Viana do Castelo


Os primeiros passos!…

Diz-nos a história, que a praça de Viana do Castelo é uma das mais antigas e com maiores tradições na pesca do bacalhau, tendo inclusive os seus marinheiros formado colónia na Terra Nova, desde o período quinhentista das navegações para norte, ou mesmo ainda em período anterior, na idade média, motivo que alicerça a nossa firme convicção, de que na cidade deve ter existido um polo marítimo de grande relevo.
Essa história sugere ter tido em paralelo uma praça forte na armação comercial, com enorme fluxo nas ligações entre o norte e o sul, mas também uma extraordinária representatividade de séculos, na ligação com os países da América do Sul, com principal incidência no Brasil.
Todavia, reportando-nos ao início do século XX, que felizmente está melhor documentado, a praça de Viana viveu dias austeros, com um pequeno grupo de armadores, a operar pequenas embarcações (iates e chalupas), quase todas vocacionadas para servir no tráfego de pequena cabotagem.

A escuna "Creoula" em Lisboa
Imagem de autor desconhecido

Ao contrário do que se possa imaginar, o primeiro armador nacional, com intenção de experimentar a descarga e secagem do peixe na margem sul do rio Lima, foi a empresa Bensaúde & Cª, já com sede em Lisboa, que seguindo o exemplo da Atlântica- Companhia Portuguesa de Pesca, ao desviar a sua frota de Lisboa para a Figueira da Foz, decidiu mandar a Viana do Castelo a escuna “Creoula”, para em fase experimental ali descarregar 25 toneladas de pescado. Mas a viagem não correu lá muito bem, como a seguir nos é dado constatar:

A chalupa “Creoula”, na ocasião que seguia de Lisboa para Viana do Castelo, pelas 10 horas da noite do dia 30 do mês findo (Outubro de 1913), apanhou forte temporal a oito milhas a oeste da barra de Vila do Conde, tendo perdido nesse período um dos seus tripulantes. Foi o marinheiro Manoel Rodrigues Bartholo, de 21 anos, natural de Ílhavo.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 7 de Novembro de 1913).

Como se pode verificar, para que fosse possível reactivar localmente a secagem de bacalhau, o início da promissora actividade tinha começado mal. Mesmo assim a aposta em experimentar as condições em Viana do Castelo foi mantida, sendo dado continuação ao projecto, nestes termos:

A escuna “Creoula”, pertencente à frota de pesca do bacalhau da firma Bensaúde & Cª., de Lisboa, que entrou no porto há dias, principiou a fazer a descarga do bacalhau pescado na Terra Nova, para ser seco nos terrenos da margem esquerda do Lima, sendo este o primeiro navio que aqui chegou, para experiência. Até ao momento tem sido descarregados de bordo parte dos 25 mil quilos de peixe, que, está afiançado, se o resultado for satisfatório os srs. Bensaúde & Cª., mandarão de futuro parte dos seus navios a Viana, montando na cidade escritórios e estufas, para uma larga secagem do seu bacalhau, empregando nesse serviço pessoal da terra.
..................................
A Sociedade de Pesca Vianense, aqui organizada para mandar navios aos bancos da Terra Nova, à pesca do bacalhau, já adquiriu três magníficos barcos, para o fim a que são destinados.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 9 de Novembro de 1913).

Em função daquilo que julgo saber, a aposta terá fracassado e os bacalhoeiros da frota da Bensaúde & Cª., que entretanto alterou a designação comercial para Parceria Geral de Pescarias, não regressaram a Viana. É muito provável, que um importante centro para escoamento de peixe seco estava próximo, no norte de Espanha, mas somos obrigados a admitir, que o fracasso da eventual exploração ultrapassasse os custos previamente calculados.

Quanto à Sociedade de Pesca Vianense, uma meia verdade, não é uma verdade, mas também não é uma mentira, porque no ano de 1913 não devia existir outra, senão a vontade de armar dois navios, aptos para seguir para a pesca do bacalhau. A realidade aponta no sentido de haver negociações, para a compra de dois navios e não três, que vieram a ser adquiridos pela empresa, já no decorrer de 1914, data que marca o regresso de Viana no século XX, à pesca nos grandes bancos.
Para o efeito a nova sociedade comprou em Baltimore, Estados Unidos, o lugre “Venus”, que viria a ser matriculado com o nome “Santa Luzia” e do mesmo modo adquiriu em Liverpool, pequeno porto na Nova Escócia, Canadá, um outro lugre de nome “Albani”, que se encontrava a navegar com pavilhão Inglês, ficando registado com o nome “Santa Maria”. Perseguida pelo azar, a sociedade perde o navio, quando a 28 de Fevereiro de 1914, por motivo de escassez de vento e agitação do mar, na sua primeira viagem, o lugre naufraga à entrada da barra de Viana. Por esse motivo a empresa vê-se na necessidade de comprar um segundo navio, desta feita em Faversham, Inglaterra, onde estava matriculado com o nome “Fyn”. Também este lugre foi rebaptizado com o nome “Santa Maria”, tendo participado nas campanhas de 1914 a 1916 e mais não pode pescar, por ter sido afundado por um submarino alemão, por altura das Berlengas a 10 de Junho de 1917, durante uma viagem de comércio.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

História trágico-marítima (XLIII)


O cruzador “ Adamastor “
1897 - 1934
Marinha de Guerra Portuguesa

É normal nos meus escritos, não falar muito sobre os encalhes dos navios da Armada, porque pouco se sabe e porque não é desejável que se saiba, pelo menos mais do que se pode considerar absolutamente necessário. Só recordo alguns sinistros, ou incidentes, porque a notícia ficou para sempre registada nos jornais e porque, como neste caso, estão já decorridos cerca de 100 anos.
Como o acidente teve lugar durante o ano de 1913, durante a viagem entre Macau e Hong-Kong, no regresso de mais uma honrosa comissão, naquela que durante muitos anos foi a nossa pérola do oriente, imagino que a notícia tenha ficado refém no respectivo ministério, até porque o cruzador foi desencalhado e por conseguinte capacitado a concluir a viagem até Lisboa.
Quem quiser e estiver interessado, para complementar esta informação, recomendo uma visita à wikipédia e à notícia publicada online, na revista da Armada, sobre a fantástica carreira e utilidade do navio, nos vários palcos onde esteve presente. Para que conste, sobre este navio foram escritas páginas de glória, que muito honraram a marinha portuguesa, até ao seu abate, ocorrido durante o ano de 1934, após completar 41 anos de serviço.

O cruzador "Adamastor" em Lisboa
Postal Ilustrado

Construtor: Fratelli Orlando, Livorno, Itália, 13.07.1896
Deslocamento: Máximo 1.964,00 tons - Standard 1.757,00 tons
Dim.: Ff 79,62 mts - Pp 73,81 mts - Bc 10,73 mt - Ptl 6,50 mts
Propulsão: Ansaldo (?) - 2:Te - 2x4:Ci - 2.000 Nhp - 17,2 m/h
Equipagem: 206 tripulantes
Vendido a F.A. Ramos & Cª., de Lisboa, foi demolido em 1934.

O encalhe do “Adamastor”
Julgamento
-------------
Lisboa, 24 de Janeiro de 1914
Nas salas do conselho de guerra da marinha, realizou-se hoje o julgamento do capitão-tenente sr. Aníbal de Souza Dias, por causa do encalhe do cruzador “Adamastor”, entre Macau e Hong-Kong. Pouco passava do meio-dia quando se constituiu o tribunal, vendo-se nos corredores muitos oficiais superiores da Armada e do Exército e vários amigos do acusado.
Ocupava a presidência o capitão de mar e guerra sr. Alves Loureiro e o júri era composto pelos capitães-tenentes srs. Ayres de Souza, Paiva Amado, Leotte do Rego, Souza e Faro, Júlio Milheiro e Barbosa Bacelar, este último como suplente. Face às explicações prestadas, recebidas com plena compreensão dos motivos apresentados, o capitão-tenente sr Aníbal de Souza Dias, foi absolvido.
In jornal “O Comércio do Porto”, de 25 de Janeiro de 1914)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Divulgação


Aporvela - Forum Jovens e o Mar