quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Histórias do Portugal Marítimo (I)


O abandono do lugre “Fernanda”

A participação de abandono de lugre chegou a Lisboa, por telegrama recebido no Ministério da Marinha, no dia 2 de Dezembro de 1933, enviado pelo capitão do navio “Ange Schiaffino”, com a indicação de ter recebido a bordo a equipagem deste lugre e que seriam desembarcados em Lisboa ou em Algiers, como penso ter sido o caso, devido às adversas condições de tempo e mar encontrados durante a viagem.

O nm “Ange Schiaffino” (2)
1929-1940
Nacionalidade Francesa

Armador: Soc. Algérienne de Navegation pour l’Afrique du Nord, Algiers, (porto da cidade do mesmo nome, na Argélia sob colonização Francesa).
Operador: Charles Schiaffino & Co., Algiers, Argélia
Cttor.: Howaldtswerke A.G., Kiel, Alemanha, 1929
Arqueação: Tab 3.236,00 tons > Tal 1.917,00 tons
Dimensões: Pp 100,77 mts > Boca 14,66 mts > Pontal 7,22 mts
Máquina: Howaldtswerke, 1929 > 1:Te > 6:Ci > 227 Nhp > 10 m/h

Como se percebe pela mensagem supra, é participado oficialmente que os tripulantes foram resgatados do lugre abandonado. Por qualquer razão, que ignoramos, é omitido o motivo do abandono, que à priori sugere ter sido motivado por más condições climatéricas.

O lugre “Fernanda”
1931-1935

Foto do lugre "Santa Madalena" ex "Fernanda"
Imagem de autor desconhecido

Armador: João Alves Cerqueira, Viana do Castelo
Nº Oficial: 64 > Iic.: H.F.E.R. > Registo: Capit. Viana do Castelo
Construtor: Estaleiro Fr. Cerzon, Noya (Galiza), Espanha, 1918
ex “Galicia”, D.M. Linares, Villagarcia de Arosa, Esp. 1918-1919
ex “Fernanda”, Soc. Vianense de Cabotagem, Viana, 1919-1925
ex “Fernanda”, Bernardo Pinto Abrunhosa, Viana, 1925-1927
ex “Fernanda”, Herd. Bernardo P. Abrunhosa, Viana, 1927-1931

Por motivo de falecimento do proprietário anterior, o lugre passou à posse dos seus herdeiros, que supostamente o mantiveram sob fretamento ou operação do armador João Alves Cerqueira. Em Abril de 1931, foi concretizado o negócio de venda ao operador em exercício, pela importância de Esc. 3.000$00, a que se seguiu a respectiva matricula, ainda para o tráfego de pequena cabotagem, que teve lugar na Capitania de Viana a 18 de Maio do mesmo ano.

Arqueação: Tab 146,95 tons > Tal 125,93 tons
Dimensões: Pp 28,62 mts > Boca 7,50 mts > Pontal 3,11 mts
Máquina: Não tinha motor auxiliar
Equipagem: 7 tripulantes

Está ainda por esclarecer a data do naufrágio do lugre nas Berlengas, que certamente aconteceu entre 1948 ou 1949, por motivo de denso nevoeiro.
Como explico no post relativo a este mesmo lugre, com data de 10 de Junho deste ano, o navio sob o comando do capitão Bazílio Vieira de Carvalho, já tinha enfrentado fortes temporais, pelo que obrigatoriamente se reconhece a capacidade de resistência da embarcação e experiência da sua tripulação.

Todavia, no mesmo dia em que é participado o abandono do lugre, surge publicada em Espanha, no jornal “Faro de Vigo”, a seguinte notícia:

Deu entrada no porto de Vigo o lugre Português “Fernanda”, a reboque do vapor “Signe”, que o encontrou abandonado a cerca de 40 milhas a Sudoeste do Cabo Salliero.

Imagem do Cabo Salliero (Google Earth)

O nm “Signe”
1919-1939
Nacionalidade: Dinamarquesa

Armador: Dampskibsselskabet Torm, Copenhaga, Dinamarca
Operador: A. Schmiegelow & A. Kampen, Cphga., Dinamarca
Cttor.: A/S Kjoebnhavns Flydedok & Skibsverft, Cphga., 1919
Arqueação: Tab 1.191,00 tons > Tal 696,00 tons
Dimensões: Pp 71,75 mts > Boca 11,34 mts > Pontal 4,18 mts
Máquina: Kjoebnhavns, 1919 > 1:Te > 3:Ci > 83 Nhp > 10 m/h

À chegada a Vigo o capitão do navio Dinamarquês declarou, que o lugre como não levava faróis, o seu navio esteve a ponto de colidir com ele. De bordo do vapor foram efectuadas diferentes chamadas, não havendo do veleiro qualquer resposta. Depois decidiu enviar a bordo um oficial e três marinheiros, armados com revolvers e munidos de lanternas num bote, nada encontrando a não ser três latas de sardinhas.
Visto o lugre “Fernanda” não oferecer perigo de afundar-se, decidiu rebocá-lo para Vigo. Acrescentou que a operação foi difícil devido à agitação do mar, tendo rebentado as amarras por três vezes. Por sua ordem mandou hastear no lugre a bandeira da sua nacionalidade, visitando em porto o cônsul do seu país, a quem deu conta do sucedido e solicitando autorização para manter o navio em porto sob sustadia.

Em Viana do Castelo o caso foi tema de todas as conversas, visto que o barco estava bem apetrechado, havendo outros em muito piores condições e mesmo assim arribando a Vigo, quando e se necessário. Seria por falta de mantimentos a causa do abandono? Seria o temporal que fazia na ocasião de ser avistado pelo vapor que recebeu a tripulação? Estas e outras perguntas, ficaram sem resposta até ao regresso da tripulação. Respostas essas que desconhecemos, não estando por isso habilitados a decifrar este enigma.
Será que a resposta existe?

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