quarta-feira, 25 de agosto de 2010

E tudo o fogo levou !...


Labaredas de indignação - Recordando o lugre " Hortense "

No final da tarde do dia 4 de Novembro de 1968, o Exmo. Almirante Henrique Tenreiro, reuniu-se no seu gabinete com diversos dirigentes da Organização Corporativa das Pescas, para dar cumprimento à assinatura da escritura de cedência do lugre bacalhoeiro “Hortense”, facto que ficou a dever-se à atitude tomada pelos herdeiros do Sr. Vasco Bensaúde, que a pedido do Delegado do Governo junto dos Organismos das Pescas, decidiram disponibilizar aquele navio para ser transformado em Museu da Pesca.

O local escolhido para servir de ancoradouro ao lugre, era um espaço no porto de Lisboa, anexo às instalações da recém criada Escola Profissional de Pesca, contando para o efeito com a colaboração da Administração Portuária, no sentido de colocar a embarcação em terra e providenciar o necessário suporte técnico.

O “Hortense” revelava-se uma autentica preciosidade, pela consistência demonstrada ao longo de inúmeras campanhas na pesca do bacalhau, realçadas pela beleza de linhas e pelo exímio trabalho de construção do mestre Manuel Maria Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré.

A intenção de implantar o lugre em terra, deveras merecedora dos maiores elogios, além da função específica – um verdadeiro museu das pescas -, seria também um padrão em homenagem ao esforço duma época, evidenciando degrau a degrau a evolução progressiva dos meios de pesca e uma maior estabilidade para armadores e pescadores, cujo destino os colocou no longínquo mar da Terra Nova e da Gronelândia.

O suposto navio museu, previamente denominado Vasco Bensaúde, acabou por não acompanhar o desejo e a vontade dos intervenientes na referida reunião, pois votado ao desinteresse, continuou amarrado no rio Tejo volvidos dois anos e meio.

A 8 de Maio de 1971, por motivo de grande temporal, o lugre garrou do ancoradouro indo encalhar num baixio lamacento e de pouca profundidade, a cerca de duzentos metros em frente das instalações da Companhia União Fabril. Tão depressa o lugre passou de navio a casco abandonado, que serviu a partir dessa altura, a funcionar como local favorito para os pescadores ali fazerem as suas refeições. Infelizmente um refeitório a curto prazo, pois a 27 de Dezembro do mesmo ano, um qualquer descuido dos ocupantes de ocasião, provocou um incêndio a bordo de dimensões incontroláveis, que levou à fatal destruição do navio.

O "Hortense" a navegar de regresso a Lisboa
Imagem de autor desconhecido

Memória comercial do “ Hortense “

Características do navio conforme matrícula em 1929
Armador : Manuel Maria Bolais Mónica, Gafanha da Nazaré
Nº Oficial : 422-F > Iic.: H.O.R.T. > Registo : Aveiro, 1929
Cttor.: Manuel Maria Bolais Mónica, Gafanha da Nazaré, 1929
Arqueação : Tab 373,68 tons > Tal 284,15 tons > Porte 906 tons
Cpmts.: Ff 51,90 mt > Pp 42,40 mt > Bc 9,93 mt > Pontal 5,16 mt
Máquina : Sem motor auxiliar

Navio adquirido em inícios de 1933 pela Parceria Geral de Pescarias, Lisboa, directamente ao construtor pela quantia de Esc. 350.000$00. Embarcação de 3 mastros, tinha proa de beque e popa redonda, com 1 pavimento. A carena encontrava-se forrada com cobre e tinha montado um motor de 9 cilindros para virar o cabrestante.

Características do navio conforme matrícula em 1933
Armador : Parceria Geral de Pescarias, Lisboa
Nº Oficial : 422-F > Iic.: H.O.R.T. > Registo : Lisboa, 1933
Cttor.: Manuel Maria Bolais Mónica, Gafanha da Nazaré, 1929
Arqueação : Tab 373,68 to > Tal 284,15 to > Porte 6.803 quintais
Cpmts.: Ff 51,90 mt > Pp 42,40 mt > Bc 9,93 mt > Pontal 5,16 mt
Máquina : Sem motor auxiliar
Equipagem : 45 tripulantes

Características do navio conforme matrícula em 1934
Nº Oficial : 478-F > Iic.: C.S.G.Q. > Registo : Lisboa, 1934
Arqueação : Tab 373,68 to > Tal 251,58 to > Porte 6.803 quintais
Cpmts.: Ff 51,90 mt > Pp 43,88 mt > Bc 9,93 mt > Pontal 5,16 mt
Máquina : Sulzer, Suíça, 1934 > 1:Di > 4:Ci > 200 Bhp > 6 m/h
Equipagem : 45 tripulantes

Em 1941 o lugre teve autorização para ser colocado no serviço de cabotagem internacional, contudo privado de navegar no Mediterrâneo e sujeito à obrigação de estar presente no porto de Lisboa até 15 de Fevereiro de 1942, devido ao crescendo de operações militares, por força da guerra em curso. Em 1964 passa ao registo de tráfego local, período em que lhe era antecipada a venda ou a correspondente demolição.

4 comentários:

marmol disse...

Que pena !
E assim se foram perdendo as velhas glórias da faina do bacalhau.
Ainda bem que ultimamente se tem restaurado e mantido algumas, caso do Creoula, Santa Maria Manuela e Gil Eannes, mas faltam os navios de madeira,as escunas,lugres e mais recentemente os navios a motor de que o Novos Mares, último navio da pesca linha, era um exemplar a preservar.

Tiago Neves disse...

É sempre com grande gosto que aqui venho, e a cada novo post, ler pedaços da nossa História e da nossa Cultura.

Como é meu hábito, sempre que posso tento ajudar, e por acaso encontrei por aqui uma fotografia, (não sei se já possui) deste lugre, o "Hortense". Julgo que esta fotografia pertence a um CD que o Museu Marítimo de Ílhavo produziu há algum tempo, mas não tenho a certeza absoluta.

Então aqui fica o link para a foto:

http://lh4.ggpht.com/_ZU1hRCrUFlM/THksq3e_8YI/AAAAAAAAGLA/wavK5EgWhIs/Lugre%20Hortense%20MMI.jpg

Tentei dar-lhe uma melhor imagem, visto que se encontrava pouco contrastada, e com falta de nitidez.

Espero que goste!

Continue o bom trabalho.

Cumprimentos,
Tiago Neves
www.roda-do-leme.com

reimar disse...

Caros amigos,

Obrigado a ambos pelos comentários.
Realmente, resta-nos um eterno direito de indignação, que por força das circunstâncias devo estender ao "Novos Mares". Espero se venha a confirmar a transferência de submarinos da classe Albacora, para pólos de grande interesse turistico, como é o caso de Viana. Aguardemos...
Um grande abraço,
Reinaldo Delgado

fangueiro.antonio disse...

Boas.

Já não é a 1.ª vez que leio sobre o triste fim do "Hortense" e é de partir o coração ver como um navio que hoje poderíamos estar a admirar acabou como acabou. Não há dúvida que a Faina Maior estará para sempre bem lembrada pelos navios em aço que resistiram, mas e os de madeira... . Sobrou (felizmente) o nosso "Gazela", mas em Portugal nada temos daqueles lindíssimos veleiros em madeira. Quanto ao "Novos Mares", de novo se me parte o coração pois foi nele que o meu pai fez as suas 8 viagens, última em 1974 e era um navio a preservar.
Acredite que sonho um dia em ver a notícia de que se vai construír uma réplica completa de um desses bacalhoeiros em madeira. Fazêmo-la em Vila do Conde sem problema nenhum!
Obrigado também ao Tiago pelo link da belíssima foto do "Hortense".

Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt