sexta-feira, 12 de março de 2010

"Gazella", Gazelinha e Gazelão (1)


Construído em Portugal, talvez sim, ou talvez não !…

O "Gazela Primeiro" em 1939 - desenho de Alan B. Chesley
Leeward Publications Inc., U.S.A., 1978

Tenho vindo a investigar a história deste lugre-patacho, achando-me novamente limitado por não encontrar os livros que me ajudariam a completar este fantástico puzzle! A informação em falta diz respeito aos anos de 1860 a 1870, indisponíveis no país, mas passíveis de serem encontrados através dos registos Ingleses do Lloyds ou outros e ainda nos registos Franceses do Bureau Veritas, que não desisti de procurar. Para apurar a realidade dos factos, baseio-me no comentário de pessoas perfeitamente habilitadas a tratar o assunto, pelo seu elevado mérito e reconhecida competência, como segue:
1º - Citação
Alguns autores definem o ano de 1866, o que se torna muito pouco provável, porque os navios que referem como tendo ido à pesca do bacalhau não existiam nesse ano. Em 1872, a casa Bensaúde & Cª., com sede no Faial, mandou à pesca dois navios: a escuna “Creoula” e o patacho “Gaselle”. A casa Bensaúde & Cª, em 1891, fundou a Parceria Geral de Pescarias. As condições climatéricas nas Ilhas não eram as melhores para a secagem do bacalhau e por isso as instalações da Empresa transferiram-se para a Azinheira Velha, no rio Coina, perto do Barreiro. ( Do blog «Nós e o mar» do distinto amigo Sr. Capitão João David Marques)
Fim de citação
Perdoe-me o amigo por ter notado pequenas imprecisões, que a seguir explico:
- Não consigo encontrar prova que o patacho “Gaselle” tenha navegado com destino aos bancos em 1872, por não ter encontrado a Lista dos Navios Portugueses desse ano, como também não achei as mesmas listas referentes aos anos de 1873 e 1874. Fica a certeza que o navio está matriculado a partir do ano de 1875, pelo que existe a remota probabilidade do patacho ter estado presente nas campanhas ao bacalhau, desde então. Quanto à escuna “Creoula”, como só aparece registada em 1880, elimina a possibilidade de utilização anterior.
- Da mesma forma, não me parece lógico que a compra de ambos os navios visasse, inicialmente, a sua utilização na pesca. Como também não me parece viável que os responsáveis da casa Bensaúde tivessem esperado 16 anos (1875-1891) para mudar de instalações para o Barreiro, devido às condições adversas de clima na ilha do Faial. Por esse motivo, julgo que os navios foram comprados com o intuito de operar na cabotagem entre as ilhas e o continente. A pesca terá acontecido anos depois, quando o governo do Reino decidiu aliviar os armadores e pescadores da pressão comercial que lhes era imposta pelos Ingleses, que à época ganhavam fortunas com o peixe exportado (trezentos e quarenta e nove mil e quinhentos quintais, em 1816), como a elevada carga fiscal a que estavam sujeitos (33,5 réis por quilo em 1885 e 6,6% ad valorem e adicionais, em 1886, ao abrigo da portaria de 14 de Abril), ano em que os governantes decidiram deixar de considerar o pescado nacional como produto importado.
2º - Citação
Vários autores defendem que o “Gazela Primeiro” foi construído em Cacilhas, em 1883. No Museu Marítimo de Ílhavo, após consulta de um dos seus diários, verificamos que, no ano de 1876, sete anos antes, já o navio era propriedade da Bensaúde & Cª. Em nossa opinião, também alicerçada noutra documentação, a construção do navio terá sido levada a cabo em Inglaterra, alguns anos antes e a sua aquisição, por parte do armador português, deu-se possivelmente, aquando do regresso aos bancos dos navios portugueses, em 1866. Os indícios relativos à sua construção em Cacilhas, nos estaleiros de J.A. Sampaio, não terão passado de uma reconstrução efectuada, aproveitando parte do navio existente, por forma a ultrapassar a proibição de construir navios novos. Uma vez que a concessão de alvarás para a construção de navios se manteve suspensa, em 1900 terá sido utilizada uma parte da quilha do antigo navio na construção de um novo, nos estaleiros de J.M. Mendes em Setúbal, de que resultou o navio que ainda hoje navega nos Estados Unidos. A prova de que se construiu um navio novo é a alteração profunda das suas principais características e dimensões. (Lugres do Gelo, Cisnes dos Oceanos, texto do Exmo. Sr. Capitão de Fragata António Manuel Gonçalves, na Revista da Armada, Fevereiro de 2005).
Fim de citação
Também neste excelente trabalho, descortino algumas imprecisões, como segue:
- Conforme citado previamente o navio surge no registo nacional em 1875. Ao mesmo tempo, torna-se subjectivo admitir que possa ter sido construído em Inglaterra, ostentando um nome tipicamente Francês. A minha opção, neste caso, recai na eventualidade do navio ter sido construído algures em França. Quanto ao outro navio já referido, a escuna “Creoula”, não temos dúvidas que foi inicialmente chamado “Hydrantha” e construído em Brixham, na Inglaterra, em 1862. Esta informação é importante, porque sugere que o “Gaselle” pode igualmente ter sido construído neste período, colocando-o entre os três mais antigos veleiros do mundo, ainda a navegar.
- Quanto ao regresso à pesca nos bancos, pelos pesqueiros portugueses no século XIX, existe alguma informação que dá conta da existência da Companhia de Pescarias Lisbonense, entre outros armadores, com origem estimada em 1835 e, posteriormente, liquidada ruinosamente em 1857, apesar dos bons resultados obtidos nas campanhas ao bacalhau em 1840 e 1841. Neste caso, nota-se o desconhecimento desta empresa e dos 19 navios, supostamente armados em Lisboa e no Algarve, que compunham a frota nacional a pescar na Terra Nova, em 1848. Estamos em crer, que este ressurgimento ganhou raízes, em consequência das considerações postas em livro, pelo Cônsul Português nos Estados Unidos, o diplomata Jacob Frederico Torlade Pereira de Azambuja, em 1829, pelo interesse que esta actividade teria na economia nacional, entrando em concorrência directa com as frotas pesqueiras dos Estados Unidos, França, Espanha e Inglaterra.

Bibliografia
Listas dos Navios Portugueses, 1870/1871 e 1875/1880
Figueiredo, A. Mesquita, A Pesca do Bacalhau, Ilust. Port., 1913
Moutinho, Mário, História da Pesca do Bacalhau, 1985

Continua…

1 comentário:

Tiago Neves disse...

Excelente leitura! É bom ver que a pesquisa pela nossa história continua, e que os "factos" são contestados e postos à prova, revelando-se em alguns casos incorrectos.

Possuo um pequeno livro que refere que o Gazela I foi construído em 1883, mas não entra em mais pormenores.

Vou estar atento ao desenrolar desta história!

Cumprimentos,
Tiago Neves.
www.roda-do-leme.com