domingo, 20 de janeiro de 2019

Na era dos gigantes!


O maior navio de passageiros do mundo

O “Normandie” (1)
A nova unidade mercante tem 79.000 toneladas, 313 metros de comprimento e 36 metros de largura. As hélices pesam 23 toneladas. As ancoras, que medem 5 metros, pesam 17 toneladas.
A sala de jantar, de 100 metros, está decorada por grandes artistas, como Lalique. Além desta, há o salão de banquetes e salas de jantar particulares, onde os passageiros poderão isolar-se.
São em número de quatro os ascensores que conduzem à ponte superior, à sala de fumo, ao salão e à sala de espectáculos. Para segurança dos passageiros, os compartimentos estanques são em número de onze, nada menos, e o casco é duplo.
Todos os materiais utilizados são incombustíveis, e as madeiras, aliás empregadas em quantidade insignificante, estão impregnadas duma substância especialmente preparada garantindo a incombustibilidade.


A primeira viagem
Paris, 8 - O vapor “Normandie” largará do Havre em 29 deste mês para a sua primeira viagem a Nova York. A bordo seguirá William Bertrand, ministro da marinha mercante a quem os Estados Unidos preparam o melhor acolhimento.
William Bertrand demorar-se-á cinco dias em Nova York e Washington e será recebido na Casa Branca por Roosevelt.
O ministro regressará a França no mesmo “Normandie”, que deve ligar Nova York ao Havre em cinco dias.

Horas de ansiedade passadas em Paris pela demora de
notícias do resultado de experiências do “Normandie”
O que é o gigante do mar – De Lisboa à América em 100 horas (2)
Paris, 12 de Maio – Paris, passou, ontem, horas intensas e febris. É que desde a véspera que corria que o “Normandie”, super-rápido, super luxuoso paquete destinado a bater todos os recordes, não tinha atingido a velocidade desejada, a sua construção deixava muito a desejar, e esse gigante do mar, imagem sublime do génio francês não estava à altura das circunstâncias.
Nas experiências, a que assistiram os engenheiros franceses, que de longe ou perto tinham colaborado na sua construção, o “Normandie” tinha atingido umas escassas 24 milhas, quando se tinham previsto 31. Era o fiasco, era o descredito da construção naval francesa.
Há três dias que se esperavam notícias de bordo do gigante do mar, mas as notas oficiosas da Companhia eram vagas e os comunicados do ministério da marinha mercante informavam de tudo menos da velocidade desejada. Já se dizia mesmo que para aquilo não era necessário tanto barulho, e que o “Normandie” não poderia jamais bater os recordes do “Rex” e do “Bremen”.
À noite foram aparecendo nos jornais uma nota do comandante dizendo que o navio havia atingido 31 milhas e meia e que tinha ainda propulsão de reserva para essa velocidade ser ultrapassada. Foi uma alegria para Paris, para a França inteira. Espera-se que com essa velocidade o “Normandie” chegue à América, como estava previsto, em 100 horas, ou sejam quatro dias e quatro horas, ultrapassando o recorde do “Bremen” que foi de quatro dias e meio.
Para se dar uma ideia do que é o novo gigante basta dizer que tendo 79.000 toneladas brutas é quase três vezes maior que o “Cap Arcona”, de 27.500 toneladas, o qual é já de si uma montanha de ferro.
O “Normandie” tem 900 lugares de 1ª classe, 650 de 2ª, a que chamam classe turística e 500 de terceira, tudo isto em camarotes amplos, como até agora não foram vistos. Todos esses lugares estão tomados para a primeira viagem. Uma nota curiosa aponta para a queda do dólar, pelos quais se regulam as passagens para a América do Norte, os preços no “Normandie” são hoje, em relação ao franco, metade do que eram no “Ile de France” da mesma Companhia, em 1929.

Imagem do navio "Normandie" emitido pela empresa armadora
Bilhete postal da minha colecção

O “Normandie” da Campanhia Geral Transatlântica (3)
O “Normandie” representa a réplica francesa ao paquete “Queen Mary”, tendo o início de construção ocorrido cinco meses depois do navio inglês, que viu terminada a sua construção um ano antes. Quanto ao “Normandie” a construção foi lenta, muito embora nunca tenha sido interrompida. A ajuda financeira por parte do governo francês revelou-se fundamental, e foi muito considerável, levando a imprensa francesa a baptizar o navio de “divida flutuante”.
O comprimento dos navios “Normandie” e “Queen Mary” foi no mínimo considerado consistente com as velocidades que se pretendiam para a travessia do Atlântico, pelo que nesse aspecto eram semelhantes. O “Queen Mary” inicialmente arqueava uma tonelagem bruta superior, porém, com o aumento de espaços adicionais o “Normandie” viria a superiorizar-se, aumentando a arqueação para 83.400 toneladas.
Qualquer opinião sobre qual dos navios era mais rápido do que o outro, ignora as condicionantes e incertezas de conseguir bater tempos recorde nas travessias. Os rivais, por isso, não podiam ter estado mais nivelados. Contudo, para que conste, as semelhanças resumem-se apenas a estes aspectos.
Analisando ambas as construções, o “Queen Mary” era evolucionário, resultando naturalmente da aprendizagem com a construção dos paquetes ingleses que o precederam. O “Normandie” era revolucionário, com o casco afilado e por conseguinte levado ao limite e principalmente em função da introdução de maquinaria auxiliar. A utilização do sistema de propulsão turbo-eléctrico, então limitado aos navios de até 22.500 toneladas, havia de proporcionar resultados significativos. Uma outra grande diferença consistia na divisão de alojamentos, com lógicos benefícios para os passageiros de 1ª classe.


A quilha do “Normandie” foi deitada em 26 de Janeiro de 1931 e o bota abaixo teve lugar em 29 de Outubro de 1932. Durante as provas de mar foi possível assegurar com alguma regularidade 31 milhas de velocidade, mas melhor ainda, navegando a 29 milhas mantinha um consumo idêntico ao paquete “Ile de France”, com este a navegar a 23 e meia milhas por hora. A popa era elíptica, enquanto a do “Queen Mary” era do tipo cruzador. As chaminés eram relativamente baixas e largas, em forma de pera, sendo que a terceira não tinha qualquer utilização. Outra das vantagens garantidas com a construção, foram os sistemas à prova de fogo, pelas anteparas e no convés, portanto, em caso de incêndio a bordo este seria imediatamente localizado.
O “Normandie” serviu para substituir o paquete “France” de 1912, e tinha estabelecido o início das viagens tanto de Paris como de Ile de France. Todavia, a viagem inaugural começou no Havre em 29 de Maio de 1935, batendo logo o recorde de tempo da viagem do paquete “Bremen”, da Norddeutscher Lloyd, tanto mais que o comportamento do navio quando a navegar com mau tempo provou ser excelente.
Os compreensíveis problemas causados pelo balanço, inevitáveis para qualquer navio, levaram ao corte temporário dum alternador turbo, todavia o navio continuou sempre a utilizar as suas quatro hélices. Nas seis primeiras viagens redondas a velocidade média conseguida foi de 28,3 milhas, que melhorou nas dezoito seguintes, durante o ano de 1937, com uma média na ordem das 28,7 milhas por hora.
Inicialmente o “Normandie” esteve para ser baptizado com o nome “Bretagne”, com 350 metros de comprimento e 42 metros de boca, mas a construção acabou retardada porque o local na carreira com as necessárias dimensões no estaleiro de St. Nazaire estava ocupado, estando a ser utilizado na construção dum navio porta-aviões.
Quando rebentou a guerra de 1939-1945 o navio estava no porto de Nova York, onde se manteve atracado ao cais dos navios de passageiros, depois da partida do paquete “Queen Mary”, saído com destino a Sydney. Em 12 de Dezembro de 1941, o “Normandie” foi requisitado pelo governo dos Estados Unidos, ficando sujeito à conversão para o transporte de tropas, com o nome “Lafayette”. Foram realizadas uma multiplicidade de adaptações a bordo para acomodar cerca de 12.000 militares.
No sentido de acolher a bordo esse largo número de tropas, foram colocados a bordo no convés inferior um equivalente número de colchões, e em 9 de Fevereiro de 1942, faíscas de uma lâmpada florescente provocaram um incêndio de grandes dimensões, que logo se estendeu ao longo de todo o convés. Porque nos Estados Unidos não havia os planos de construção do navio, foram atiradas para bordo muitas toneladas de água, que parcialmente congelava em razão do frio sentido nesse dia, até que ultrapassada a linha limite de estabilidade, o paquete aderna e afunda-se no local de atracação.
O levantamento do casco em Setembro de 1943 foi considerado um triunfo pelo sucesso do trabalho realizado, porém a continuação da recuperação do navio, novos materiais, incluindo a avultada quantia necessária para recuperar o paquete, provou não se justificar. Por esse motivo, o casco viria a ser vendido para demolir três anos depois.

Noticias publicadas no jornal “Comércio do Porto”, em:
(1) Quinta-feira, 9 de Maio; e (2) sexta-feira, 17 de Maio de 1935
Bibliografia
Gibbs, Commander C.R. Vernon, The Western Ocean Passenger Lines and Liners, 1934-1969, Brown, Son & Ferguson, Ltd., Glasgow, 1970

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