terça-feira, 5 de novembro de 2013

História trágico-marítima (XXXIX)


O encalhe do vapor " Rio Douro ", na barra do Porto

Entrou ante-ontem a barra e acha-se fundeado defronte da alfândega, o novo vapor “Rio Douro”, ultimamente adquirido pela companhia Thétis. O referido barco reúne as qualidades essenciais de boa marcha e elegância, tendo capacidade superior a 1.000 toneladas. Destina-se à navegação entre o rio Douro e os portos de Lisboa, Havre e Antuérpia. A aquisição deste novo vapor foi importante para a companhia, pois habilita-a a dar maior desenvolvimento às suas operações.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 2 de Março de 1875)


Identificação do navio Vapor “ Rio Douro”
1875 - 1884
Armador: Comp. Portuguesa de Transportes Marítimos “Thétis”

Nº Oficial: N/ tem - Iic.: H.F.C.L. - Porto de registo: Porto
Consttor: J. Brown & Simpson & Co., Dundee, Escócia, 08.1871
ex “Ravensdowne”, Newcomb & Thomson, Londres, 1871-1875
Arqueação: Tab 699,00 tons - Tal 450,00 tons
Dimensões: Pp 57,30 mts - Boca 8,17 mts - Pontal 4,51 mts
Propulsão: J. Brown & Simpson & Co. - 1:Cp - 80 Nhp
dp “Saint Jacques”, G. Leroy & Cie., Le Havre, 1884-1886
dp “Saint Jacques”, Soc. Navale de l’Ouest, Havre, 1886-1888
dp “Saint Jacques”, Naveg. a Vapeur, Marselha, 1888-1889
Naufragou por encalhe no Cabo Couronne, em viagem de S/fax para Sete, com carga de fosfatos em 17 de Novembro de 1889. Foi depois desencalhado e mandado demolir.

Sinistro marítimo
Ontem, depois do meio-dia, quando o vapor “Rio Douro” vinha a entrar a barra, desgovernou e encalhou na restinga do Cabedelo. Acorreram logo em socorro do navio o barco salva-vidas e os rebocadores “Veloz” e “Victória”, chegando este último a lançar uma amarreta ao “Rio Douro”, porém, com o impulso dado pelo rebocador essa amarreta rebentou, sem conseguir, infelizmente, safar o vapor encalhado. O “Veloz” ainda se aproximou, mas não chegou a lançar qualquer amarreta, devido ao mau êxito que a primeira tentativa tivera.
A tripulação abandonou em seguida o “Rio Douro” e veio para terra no barco salva-vidas. Pouco depois atracava uma catraia ao vapor para transportar a bagagem dos tripulantes.
Havia esperança de safar o navio na maré da noite, se os rebocadores conseguissem desenvolver o esforço suficiente. O vapor “Rio Douro” é propriedade da Companhia Thétis; vinha de Antuérpia, com 7 dias de viagem e trazia um carregamento de fazendas consignado àquela companhia.
(In jornal “Comércio do Porto”, segunda, 22 de Janeiro de 1883)

Naufrágio do vapor “Rio Douro”
Até ontem à noite continuava na mesma posição o casco do vapor “Rio Douro”, que encalhou ante-ontem próximo do Cabedelo, na ocasião em que ia a entrar a barra do rio.
A fim de aliviar o vapor e salvar ao mesmo tempo alguma carga, aproximaram-se daquele navio 5 barcaças, às 7 horas da noite de ante-ontem, que poderão comportar apenas 10 a 12 toneladas de peso cada uma, tripuladas por quarenta e tantos homens, tendo conseguido retirar do vapor bastantes caixas e fardos e uma pequena parte de ferro (vergalhão).
Às 10 horas da noite atracavam os mesmos barcos à Cantareira, lutando com muitas dificuldades para ali chegar, em consequência da corrente da água. Para o conseguir foi necessário lançar espias para o Cabedelo, e serem as barcaças rebocadas de terra por este modo até um certo ponto, atravessando depois o rio com muito trabalho, para vencer a corrente.
Às 6 horas e meia da manhã de ontem aproximaram-se do vapor mais 4 barcaças iguais aos da véspera, tripulados por igual número de homens, conseguindo novamente salvar mais alguma carga e bem assim vários Cabos, sobresselentes, e mais aprestos pertencentes ao vapor, que se julgaram ser da maior importância. Cerca das 11 horas da manhã regressaram as barcaças à Cantareira, tendo sido empregue o mesmo sistema de sirga, em razão da velocidade da corrente.
A maior parte da carga foi baldeada para uma barca, tendo esta seguido ontem de tarde para a alfândega. Às 7 horas da noite devia ser feita uma terceira viagem a bordo, a fim de aliviar o mais possível o vapor. O serviço, para salvar a carga e o casco foi contratado com os srs. C.J. Schneider, Manuel de Sousa Guerra e João dos Anjos, os quais receberão por este trabalho 15 por cento da importância dos salvados.
Segundo a opinião dos peritos há-de ser muito difícil salvar o vapor, porque a posição que ele ocupa é uma das piores, em consequência de ter muito próximo - à distância de apenas um metro - a pedra denominada “Prolonga”, por um lado, e pelo outro as pedras “Folga manadas”, sendo muito para recear que, ele vá bater em qualquer delas por causa da agitação do mar, partindo-se.
A velocidade da corrente e a braveza do mar tem embaraçado muitíssimo o serviço da descarga, de sorte que esta só pode fazer-se quando a maré começa a subir e num pequeno espaço de tempo. Felizmente que é feita a vapor, e isso é sem dúvida um grande auxílio.
A carga do vapor era na maior parte destinada a Lisboa e consignada ao sr. Henrique Burnay; vinha também bastante para esta cidade, e uma pequena parte, em trânsito para Espanha. Entre a carga com destino a Lisboa vinham 496 carris com o peso de 214 toneladas, destinados ao caminho-de-ferro de Salamanca à fronteira portuguesa, e 225 barris com parafusos para os mesmos, da conta do sr. Burnay.
O serviço por parte da alfândega é dirigido pelo sr. António Guerreiro Valadas; e o da fiscalização externa pelo chefe da 1ª divisão, o sr. Francisco de Magalhães Menezes de Lencastre, os quais têm sido incansáveis no cumprimento dos seus deveres. No Cabedelo e na Foz as margens são vigiadas por guardas a pé e a cavalo.
Ontem de manhã, quando o sr. Schneider estava a bordo do vapor, dirigindo o serviço da descarga, sucedeu-lhe um lamentável desastre. Sendo-lhe necessário descer à câmara, onde havia pouca luz, fê-lo com tal precipitação, que, não reparando que o escotilhão estava aberto, caiu por ele ao porão, ficando bastante contuso no peito e pelo corpo. Logo que chegou a terra consultou um facultativo, o qual ordenou que se recolhesse imediatamente a casa, para lhe ser aplicado o devido tratamento.
O naufrágio do vapor tem chamado à Foz um grande concurso de pessoas. Ontem, especialmente, como era dia santificado, foi extraordinária a concorrência, vendo-se constantemente o paredão do Passeio Alegre apinhado de curiosos. As companhias de carros americanos não tiveram mãos a medir, sendo necessário aumentar o número de trens para dar lugar a todos os passageiros. No areal do Cabedelo viam-se também muitas pessoas.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 23 de Janeiro de 1883)

O naufrágio do vapor “Rio Douro”
Está finalmente salvo, e já se acha ancorado no quadro da alfândega, o vapor “Rio Douro”, pertencente à Companhia Thétis. Os peritos reputam a salvação do vapor como único exemplo, e mais devida ao acaso, do que aos esforços sobre-humanos que se empregaram para o salvar.
Como foi dito anteriormente, os trabalhadores ocupados na faina da descarga deviam aproximar-se do vapor, para esse fim, e pela terceira vez, ante-ontem, às 7 horas da noite, por ser esta a melhor hora que a maré oferecia. Infelizmente, porém, não o puderam fazer em consequência do muito vento e da grande agitação do mar, cujas vagas cada vez mais se encapelavam.
Resolveram, pois, esperar pelo dia de ontem, mas às 7 horas da manhã o mar continuava bastante bravo, e resolveu-se por isso que, em lugar de cinco barcaças, fosse apenas uma, tripulado por mais gente, o qual ia largando um cabo que ficaria preso a terra, e no cabo dessa barcaça conseguir aproximar-se do vapor, faria de bordo um sinal, para os outros se aproximarem então com o auxílio do cabo que a já referida barcaça teria lançado.
Assim foi executado, mas por mais de uma vez os tripulantes viram a morte diante dos olhos, e só com muita dificuldade puderam atracar ao vapor. Chegados ali fizeram o respectivo sinal para a Cantareira, partindo então as restantes quatro barcaças, com o auxílio do cabo atrás referido.
Chegados a bordo deram início à descarga para uma das barcaças, mas pouco depois reconheceram que a muita agitação do mar durante a noite tinha feito correr o vapor um pouco a N.E. (leia-se noroeste) e que o leito de areia onde ele assentava tinha alargado muito, em consequência das oscilações do casco motivadas pelo ímpeto do mar. Resolveram, pois, largar uma barcaça com um ancorote ao qual ia segura uma espia, a fim de ver se, com o auxílio do aparelho a vapor, o navio corria à ré. Assim fizeram e com tanta felicidade que pouco depois o casco do vapor abandonava o banco de areia onde tinha encalhado e seguia em direcção ao mar; a sua carreira, porém, ia-se tornando bastante impetuosa por causa da corrente, ao que se obstou cortando a espia, e dando a proa do vapor à barra. Ao mesmo tempo deram também toda a força à máquina para obrigar o navio a demandar o canal.
Na mesma ocasião partia da Cantareira uma catraia com o respectivo piloto de número, e o vapor estava felizmente salvo, entrando no rio às 10 horas e vinte minutos da manhã, seguindo até ao quadro da alfandega, onde, conforme atrás referimos, ancorou.
Segundo consta, quando os trabalhadores foram para bordo, havia ideia de lançar ao mar alguma carga, caso se não pudesse realizar a baldeação para as barcaças; como se constata não foi necessário usar desse recurso. Eram noventa e tantos os trabalhadores que estavam a bordo, e que por consequência o vapor conduziu até ao local do ancoradouro. Quanto ao casco, dizem que parece estar óptimo, não tendo sofrido a mais pequena avaria. No convés, porém, há alguns estragos, não só feitos pelo mar, como resultantes do trabalho ali realizado para o salvamento do navio. O resto da carga desembarcada no sítio do encalhe, bem como os aprestos que também ali foram recolhidos, seguiram ontem de tarde em duas barcaças, dando entrada na alfândega.
A entrada do vapor foi saudada na Foz por um grande número de pessoas que ali estacionavam, e que ansiosas esperavam o desfecho daquele horrível drama.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 24 de Janeiro de 1883)

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