terça-feira, 16 de abril de 2013

O comércio do bacalhau


Lugres da Terra Nova

Face à necessidade permanente de haver no mercado bacalhau para consumo, muitos navios da pesca e do comércio, nacionais e estrangeiros, passaram pelos nossos portos com o fim de descarregar o precioso alimento, ora comercializado na origem, ora vendido cá pela melhor oferta aos mercadores instituídos, como relata com muito a propósito Ramalho Ortigão, num texto critico e simultaneamente pleno de oportunidade, escrito em 1871, onde denuncia a mafia dos comerciantes e o monopólio do negócio que detinham. E tudo isso acontecia, porque, por mais se a frota nacional pescasse, o peixe era sempre insuficiente para satisfazer a procura interna e paralelamente dar resposta às necessidades contratuais de exportação.
Um entre os muitos armadores que trazia os seus lugres ao nosso país, até porque devia usufruir de forte influencia, por estar sediado em St. John’s era J.T. Moulton. A cada viagem, os lugres transportavam quantidades superiores a cinco mil quintais de peixe, assegurando para as viagens de regresso o transporte de sal, certamente negociado a preços muito satisfatórios.
A memória relativa ao transporte de bacalhau prende-se simultaneamente aos sinistros que ocorreram com três dos seus navios, que a fortuna ou infortúnio deixou como legado, em três situações completamente distintas. Foram protagonistas os lugres “Reginald R. Moulton”, que pode ser encalhado a tempo, por ter aberto um considerável rombo no casco por estibordo, sendo salvo em condições extremas, após encalhe nas areias da praia que existiu junto ao enrocamento interior do molhe norte, regressando à Terra Nova depois de efectuar as necessárias reparações; o “Margaret Moulton” que se virou em virtude do peso da água que lhe entrou nos porões, por ter garrado do ancoradouro e caído sobre o enrocamento oeste do porto de Leixões, igualmente salvo após encalhe no local referido anteriormente, junto ao enrocamento interior do molhe norte; e, o “Catherine M. Moulton”, afundado ao largo de Leixões, em viagem para o rio Douro, por motivo de forte vendaval.

O lugre de 3 mastros “Margaret M. Moulton”
1918 - 1918
Armador: J. T. Moulton, Nova Escócia, Canadá

O lugre "Margaret M. Moulton" encalhado em Leixões
Imagem de autor desconhecido - colecção da Fotomar

Nº Oficial: 188840 – Iic.: -?- - Registo: St. John’s, Terra Nova
Construtor: M. Leary, Dayspring, Nova Escócia, 1918
Arqueação: Tab -?- tons – Tal 174,00 tons
Dimensões: -?- Propulsão: À vela
Equipagem: 6 tripulantes Capitão: Thomas Rose
O lugre afundou-se conforme acima se explica, por ter partido as amarras devido a forte temporal, no dia 8 de Dezembro de 1918, transportando no porão 6.200 quintais de bacalhau, carregados nos portos de Rose Blanche e Burgeo, na Terra Nova. Os tripulantes foram salvos pelo salva-vidas. Depois de completada a descarga foi reparado provisoriamente, tendo navegado para o rio Douro. Já no Porto foi posto à venda e posteriormente reconstruído, passando a integrar a frota de pesca nacional com o nome “Maria Carlota”.
Naufrágio
Devido ao temporal da noite de sábado para Domingo, garraram os ferros do lugre inglês “Margaret Moulton”, que se encontrava fundeado no porto de Leixões, e, batendo nas pedras, começou a meter água. Pelas 9 horas da manhã de Domingo, a tripulação do lugre, vendo o perigo que corria, saltou para o bote de bordo, ao mesmo tempo que em seu socorro iam um salva-vidas e uma catraia dos pilotos.
A tripulação, composta de 6 homens, veio para terra e, pelas 9 horas e meia, o lugre afundava-se por bombordo. Ontem, aparecendo o lugre a boiar, foi rebocado para outro ponto pelo “Mars”.
O lugre, consignado à firma J.P. Pinto Basto & Cª., tinha vindo da Terra Nova, com bacalhau para a firma Lind & Couto e preparava-se para entrar a barra do Douro e fundear no rio. É de 174 toneladas de registo, tem matrícula de St. John’s, Newfoundland, sendo seu capitão mr. Rose.
Do lugre foram salvos alguns haveres, o livro de bordo e aparelhos náuticos. Ontem ainda a carga não tinha saído dos porões do lugre, que, segundo consta, parece considerar-se perdido.
(In jornal “Comércio do Porto, 9 de Dezembro de 1918)

O lugre de 3 mastros “Reginald R. Moulton”
1918 - 1919
Armador: J. T. Moulton, Nova Escócia, Canadá
Nº Oficial: 140086 – Iic.: -?- - Registo: St. John’s, Terra Nova
Construtor: M. Leary, Dayspring, Nova Escócia, 1917
Arqueação: Tab 141,00 tons - Tal 112,00 tons
Dimensões: Pp 34,63 mts - Boca 7,92 mts - Pontal 3,41 mts
Propulsão: À vela
O lugre por força do sinistro ocorrido no dia 17 de Fevereiro de 1919 foi de igual modo reparado em estaleiro no rio Douro, regressando posteriormente a St. John’s.
Em Leixões – lugre encalhado
Na madrugada de ontem, devido ao forte temporal, ao lugre inglês “Reginald R. Moulton”, fundeado no porto de Leixões, rebentaram as correntes dos ferros, vindo o lugre encalhar no enrocamento norte, próximo ao posto de serviço, correndo certo perigo.
O lugre tinha entrada naquele porto no dia 6 do corrente, vindo da Terra Nova, com um carregamento de bacalhau. Pelas 11 horas da manhã de ontem teve início a descarga do bacalhau, sendo também retirados de bordo os panos e vários utensílios. A tripulação nada sofreu.
(In jornal “Comércio do Porto, 18 de Fevereiro de 1919)

O lugre de 3 mastros “Catherine M. Moulton”
1919 – 1926
Armador: J. T. Moulton, St. John’s, Canadá
Nº Oficial: 141402 – Iic.: -?- - Registo: St. John’s, Terra Nova
Cttor.: J.N. Rafuse & Sons, Conquerall Bank, Nova Escócia, 1919
Arqueação: Tab 194,00 tons – Tal 155,00 tons
Dimensões: Pp 36,33 mts - Boca 7,92 mts - Pontal 3,47 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 4 tripulantes
O lugre foi abandonado pela tripulação com água aberta, a cerca de 15 milhas ao largo de Leixões, no dia 18 de Novembro de 1926.
Navio perdido – Tripulação salva
Ante-ontem pelas 4 horas e meia da tarde, entrou em Leixões o iate “Cândida”, procedente de Setúbal. O seu capitão deu conhecimento de ter visto o lugre inglês “Catherine M. Moulton” abandonado, a cerca de 15 milhas a oeste da barra, e que a sua tripulação fora recolhida por uma traineira espanhola, que seguia para Vigo.
A tripulação ainda pediu que de bordo do “Cândida” fossem arreados os escaleres para os trazer para Leixões, mas devido ao forte temporal, o capitão não o permitiu.
Ontem a meio da tarde, na praça do Porto foi recebido um telegrama do referido capitão dizendo estar em Vigo e confirmando a notícia, de acordo com a informação do capitão do iate “Cândida”. O “Catherine M. Moulton” vinha da Terra Nova, com bacalhau para o Porto.
(In jornal “Comércio do Porto, 23 de Novembro de 1926)

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