quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A pesca do bacalhau em Viana do Castelo


Os primeiros passos!…

Diz-nos a história, que a praça de Viana do Castelo é uma das mais antigas e com maiores tradições na pesca do bacalhau, tendo inclusive os seus marinheiros formado colónia na Terra Nova, desde o período quinhentista das navegações para norte, ou mesmo ainda em período anterior, na idade média, motivo que alicerça a nossa firme convicção, de que na cidade deve ter existido um polo marítimo de grande relevo.
Essa história sugere ter tido em paralelo uma praça forte na armação comercial, com enorme fluxo nas ligações entre o norte e o sul, mas também uma extraordinária representatividade de séculos, na ligação com os países da América do Sul, com principal incidência no Brasil.
Todavia, reportando-nos ao início do século XX, que felizmente está melhor documentado, a praça de Viana viveu dias austeros, com um pequeno grupo de armadores, a operar pequenas embarcações (iates e chalupas), quase todas vocacionadas para servir no tráfego de pequena cabotagem.

A escuna "Creoula" em Lisboa
Imagem de autor desconhecido

Ao contrário do que se possa imaginar, o primeiro armador nacional, com intenção de experimentar a descarga e secagem do peixe na margem sul do rio Lima, foi a empresa Bensaúde & Cª, já com sede em Lisboa, que seguindo o exemplo da Atlântica- Companhia Portuguesa de Pesca, ao desviar a sua frota de Lisboa para a Figueira da Foz, decidiu mandar a Viana do Castelo a escuna “Creoula”, para em fase experimental ali descarregar 25 toneladas de pescado. Mas a viagem não correu lá muito bem, como a seguir nos é dado constatar:

A chalupa “Creoula”, na ocasião que seguia de Lisboa para Viana do Castelo, pelas 10 horas da noite do dia 30 do mês findo (Outubro de 1913), apanhou forte temporal a oito milhas a oeste da barra de Vila do Conde, tendo perdido nesse período um dos seus tripulantes. Foi o marinheiro Manoel Rodrigues Bartholo, de 21 anos, natural de Ílhavo.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 7 de Novembro de 1913).

Como se pode verificar, para que fosse possível reactivar localmente a secagem de bacalhau, o início da promissora actividade tinha começado mal. Mesmo assim a aposta em experimentar as condições em Viana do Castelo foi mantida, sendo dado continuação ao projecto, nestes termos:

A escuna “Creoula”, pertencente à frota de pesca do bacalhau da firma Bensaúde & Cª., de Lisboa, que entrou no porto há dias, principiou a fazer a descarga do bacalhau pescado na Terra Nova, para ser seco nos terrenos da margem esquerda do Lima, sendo este o primeiro navio que aqui chegou, para experiência. Até ao momento tem sido descarregados de bordo parte dos 25 mil quilos de peixe, que, está afiançado, se o resultado for satisfatório os srs. Bensaúde & Cª., mandarão de futuro parte dos seus navios a Viana, montando na cidade escritórios e estufas, para uma larga secagem do seu bacalhau, empregando nesse serviço pessoal da terra.
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A Sociedade de Pesca Vianense, aqui organizada para mandar navios aos bancos da Terra Nova, à pesca do bacalhau, já adquiriu três magníficos barcos, para o fim a que são destinados.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 9 de Novembro de 1913).

Em função daquilo que julgo saber, a aposta terá fracassado e os bacalhoeiros da frota da Bensaúde & Cª., que entretanto alterou a designação comercial para Parceria Geral de Pescarias, não regressaram a Viana. É muito provável, que um importante centro para escoamento de peixe seco estava próximo, no norte de Espanha, mas somos obrigados a admitir, que o fracasso da eventual exploração ultrapassasse os custos previamente calculados.

Quanto à Sociedade de Pesca Vianense, uma meia verdade, não é uma verdade, mas também não é uma mentira, porque no ano de 1913 não devia existir outra, senão a vontade de armar dois navios, aptos para seguir para a pesca do bacalhau. A realidade aponta no sentido de haver negociações, para a compra de dois navios e não três, que vieram a ser adquiridos pela empresa, já no decorrer de 1914, data que marca o regresso de Viana no século XX, à pesca nos grandes bancos.
Para o efeito a nova sociedade comprou em Baltimore, Estados Unidos, o lugre “Venus”, que viria a ser matriculado com o nome “Santa Luzia” e do mesmo modo adquiriu em Liverpool, pequeno porto na Nova Escócia, Canadá, um outro lugre de nome “Albani”, que se encontrava a navegar com pavilhão Inglês, ficando registado com o nome “Santa Maria”. Perseguida pelo azar, a sociedade perde o navio, quando a 28 de Fevereiro de 1914, por motivo de escassez de vento e agitação do mar, na sua primeira viagem, o lugre naufraga à entrada da barra de Viana. Por esse motivo a empresa vê-se na necessidade de comprar um segundo navio, desta feita em Faversham, Inglaterra, onde estava matriculado com o nome “Fyn”. Também este lugre foi rebaptizado com o nome “Santa Maria”, tendo participado nas campanhas de 1914 a 1916 e mais não pode pescar, por ter sido afundado por um submarino alemão, por altura das Berlengas a 10 de Junho de 1917, durante uma viagem de comércio.

3 comentários:

marmol disse...

Olá amigo Reinaldo:
O nome do 2º «Santa Maria»
seria «Fyn» ou «Tyn»?

reimar disse...

Caro amigo Manuel Martins,
Em todos os locais pesquisados, só encontrei referência ao nome "Fyn". O lugre foi construído em Thuroe, na Dinamarca, em 1909. A Parceria comprou o navio em 1914, quando este se encontrava em Newcastle-on-Tyne, por Bpds 2.500,00. Tab 204,00 tons = 577,32m3 Tal 190,00 tons = 537,70 m3. Pp 33,80 Bc 7,63 Ptl 3,40 mts.
Tinha 3 mastros, proa de beque, popa elíptica, com 2 pavimentos. Navegou com 32 tripulantes e 26 canoas.
Um grande abraço,
Reinaldo

marmol disse...

Boa tarde amigo Reinaldo:
Agradeço os esclarecimentos sobre o navio, que conheço.
A minha dúvida estava em saber se o nome era «Fyn» ou «Tyn», porque na fonte onde colhi a informação me pareceu ser «Tyn». Possivelmente uma deformação do F pelo T.
Um grande abraço,
Oliveira Martins