quarta-feira, 27 de junho de 2018

História trágico-marítima (CCLVII)


Porto, 1900
O temporal e a cheia no Douro
2ª Parte

A barca “Maria Emília” e a fragata “Dª. Francisquinha”
A barca “Maria Emília”, fundeada em frente da Alfândega Velha, garrou, indo parar à Cantareira. Corria abandonada, mas os pescadores da Afurada, que ali estacionam com os seus barcos, e algumas catraias de pilotos puderam segurá-la e amarrá-la. Está carregada de madeira.

Desenho de navio do tipo barca, sem correspondência ao texto

Características da barca “Maria Emília”
Armador: José Lopes Fernandes, Porto
Nº Oficial: N/d - Iic: H.B.M.Q. - Porto de matrícula: Porto
Construtor: Manuel Gomes Rodrigues, Vila do Conde, 1867
ex “Novo Silêncio”, A.F.M. Guimarães, Porto
Arqueação: Tab 369,00 Tons - Tal 353,00 tons
Dimensões: Pp 36,14 mts - Boca 8,76 mts - Pontal 4,67 mts
Propulsão: À vela
Capitão embarcado: João Villas Boas Robim

Aconteceu outro tanto à fragata de carga “Dª. Francisquinha”, que tinha um carregamento de algodão, trazido pelo paquete “Brunswick”, para diversos comerciantes.

O iate “Dª. Joaquina”
À 1 hora da tarde rebentou a corrente do iate “Dª. Joaquina”, fundeado no sítio da Bica, em Vila Nova de Gaia. Quando já descia o rio, dois tripulantes que tinha a bordo saltaram para um bote, sustentando-se no rio à força de remos. O iate parou no lugar do Cavaco e aqueles tripulantes, voltando para bordo, trataram de amarrá-lo solidamente.

Desenho de navio do tipo iate, sem correspondência ao texto

Características do iate “Dª. Joaquina”
Armador: Joaquim Pereira Mendes, Porto
Nº Oficial: N/d - Iic: H.B.J.G. - Porto de matrícula: Porto
Construtor: Não identificado, Vila do Conde
ex “Sampaio”
Arqueação: Tab 89,03 Tons - 251,944 m3
Propulsão: À vela
Condenado por inavegável, abatido em 1902

A galera “América” e os rebocadores “Galgo” e “Veloz”
A galera “América”, fundeada no cais das Pedras garrou e foi parar em frente da Fabrica de Fundição de Massarelos, de encontro ao iate “Rasoilo”. Na sua carreira impetuosa, destruiu a chaminé e o mastro do rebocador “Galgo” e ainda a roda de estibordo e a chaminé do mesmo lado do rebocador “Veloz”. A galera ficou com o pau da giba, borda falsa e figura de proa despedaçados. A figura foi apanhada na Cantareira. A “América” ficou fortemente espiada para evitar que bata de encontro às pedras da margem.

Desenho de navio do tipo galera, sem correspondência ao texto

Características da galera “América”
Armador: Agostinho A. Lopes Cardoso, Porto
Nº Oficial: N/d - Iic: H.B.F.C. - Porto de matrícula: Porto
Construtor: Não identificado, Porto, 1867
Arqueação: Tab 1.013,73 Tons - 2.868,867 m3
Dimensões: Pp 55,35 mts - Boca 10,16 mts - Pontal 5,79 mts
Propulsão: À vela
Capitão embarcado: João Gonçalves Marques

Quanto ao rebocador “Galgo”, por efeito do abalroamento, garrou, atravessando-se na proa da corveta “Estephânia”. A tripulação deste navio pôde obstar a eventuais danos no navio de guerra, e o “Galgo”, ao sabor da corrente, seguiu rio abaixo até à Cantareira, onde foi agarrado.

O lugre dinamarquês “Hossana”
Achava-se próximo ao estaleiro de Gaia, com dois ferros pela proa. O perigo que corria e a impossibilidade de lhe ser prestado imediato socorro, fez com que a tripulação o abandonasse. Ficando assim entregue à sua sorte, ao capricho da corrente, veio, aí à volta das 2 da tarde, até ao meio do rio. Umas vezes corria sobre os ferros, atropelando-os, outras descaía vertiginosamente para trás, retesando violentamente as duas correntes. Percebia-se que as unhas das âncoras se deslocavam a espaços e agarravam de novo mais adiante, estroncando a madeira dos olhais. Mas os ferros não rebentaram e a isso se deve a salvação do navio.

Desenho de navio do tipo lugre, sem correspondência ao texto

Características do lugre dinamarquês “Hossana”
Armador: A. H. Petersen, Marstal, Dinamarca
Nº Oficial: N/d - Iic: N.C.P.V. - Porto de matrícula: Marstal
Construtor: F. Hansen, Marstal, Dinamarca, 1890
Arqueação: Tab 131,00 Tons - Tal 119,00 tons
Dimensões: Pp 26,92 mts - Boca 6,27 mts - Pontal 2,97 mts
Propulsão: À vela

Os cais das duas margens estavam apinhados de gente a presenciar o estranho espectáculo, ansiosa por ver o desfecho. Afinal saiu de Vila Nova de Gaia um barco tripulado por alguns trabalhadores fluviais e depois de várias investidas conseguiram saltar para dentro do lugre, tratando de o segurar para terra.

A barca “Douro”
A barca “Douro”, dos srs. Glama & Marinho, fundeada próximo da lingueta da Cábrea, desde a madrugada que corria risco de garrar. A tripulação foi salva por um cabo de vai-vem. À tarde bateram de encontro àquele navio duas barcaças, partindo-lhe uma amarra. Por esse motivo adornou para estibordo ameaçando voltar-se.
Às 6 horas e meia da tarde uma gritaria ensurdecedora da multidão que estacionava na margem direita e repetidos toques de apito deram rebate que a amarra havia partido, e a barca lá foi levada rio abaixo.
Felizmente a corrente encaminhou-a para o meio do rio, e, assim, passou sem causar dano nas outras embarcações, indo despedaçar-se de encontro a umas pedras próximo do cais do Ouro, onde está fundeada a draga “Portugal”.
A barca “Douro”, que era de 446 toneladas de registo, veio de Nova Orleães com aduela aos srs. Glama & Marinho, tendo entrado a barra no dia 24 de Janeiro findo.

Desenho de navio do tipo barca, sem correspondência ao texto

Características da barca “Douro”
Armador: Agostinho A. Lopes Cardoso, Porto
Nº Oficial: N/d - Iic: H.B.F.C. - Porto de matrícula: Porto
Construtor: Fili Schiavent, Fiume (Rijeka, Croácia), 1865
Reconstrução: A. Buron, St. Malô, França, 1898
ex “Mimi”, Delacour, St. Malô, França
Arqueação: Tab 489,00 tons - Tal 446,00 tons
Dimensões: Pp 55,35 mts - Boca 10,16 mts - Pontal 5,79 mts
Propulsão: À vela
Capitão embarcado: Carlos Lino Gaspar

A barca “Glama”
Este navio, fundeado no cais da Paixão, garrou cerca das 2 horas da madrugada, indo encalhar junto do lugre “Costa Lobo” e da barca “Ligeira”, em frente ao cais de Massarelos. Ali foram-lhe lançados grossos cabos. À noite, porém, adornou para estibordo, não sendo das melhores a sua situação.

Desenho de navio do tipo barca, sem correspondência ao texto

Características da barca “Glama”
Armador: Glama & Marinho, Porto
Nº Oficial: N/d - Iic: H.B.L.M. - Porto de matrícula: Porto
Construtor: Não identificado, East Boston, Setembro de 1868
ex “Southern Cross”, Baker & Morrill, Boston, Estados Unidos
Arqueação: Tab 1.139,71 tons - 3.225,370 m3
Dimensões: Pp 55,17 mts - Boca 10,97 mts - Pontal 7,16 mts
Propulsão: À vela
Capitão embarcado: João Simões Paião

Uma vítima
O vapor alemão “Egeria”, que estava em frente à Arrábida, teve de mudar de ancoradouro, o que fez com bastante risco, indo para Santo António do Vale da Piedade.
Deste vapor tentou sair para terra o soldado da Guarda-fiscal nº 218, da 1ª companhia, António Miguel. Na ocasião, porém, em que saltava para uma barca, caiu ao rio, perecendo afogado. O infeliz contava 43 anos de idade e deixa viúva e filhos; era natural de Vila Nova de Gaia.

Calculo dos prejuízos
A pessoas que conhecem bem a praça do Porto foi ouvido calcular os prejuízos sofridos pelo comércio portuense em cerca de 6000:00$000, devendo ter-se em consideração os graves transtornos que resultam da perda dos carregamentos de trigo e carvão que se afundaram.

Os pescadores da Afurada
Foi já dito que, na série de sinistros conhecidos até ao momento, muitas embarcações foram impelidas para a barra, sendo apanhadas na sua carreira vertiginosa pelos homens da Afurada. Embarcados nas suas bateiras, estes pescadores aproximavam-se animosa e habilmente dos barcos sem governo e saltavam para bordo, conseguindo dirigi-los e salvá-los, agarrando também porções de madeira, fardos de algodão e outros objectos arrastados pela corrente.
Estas manobras eram auxiliadas pela revessa do rio naquele ponto, a qual diminui consideravelmente o ímpeto da corrente. Esta circunstância, de que os vareiros com tanta utilidade se aproveitam, sugere a ideia de que seria de grande vantagem estabelecer na Afurada um serviço regular de salvamento, não só de despojos, mas até de vidas em perigo.

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