terça-feira, 12 de junho de 2018

História trágico-marítima (CCLV)


O encalhe – naufrágio do navio “Amethyst”, na Foz do Douro
2ª Parte

“Amethyst” – Espectáculo à beira mar
Completamente inundado, o “Amethyst”, que escalaria Leixões pela primeira vez, está condenado a ser mais um dos cargueiros que passará a desintegrar-se na costa portuguesa, ao mesmo tempo que constituirá um prolongado espectáculo para os milhares de «mirones», que farão da Foz um lugar mais «turístico» e certamente grande foco do negócio-feirante. Já na tarde de ontem, nas imediações da praia do Molhe, o negócio começou com as castanhas.

Um navio ferido de morte?
Tratando-se de fim-de-semana a gente acorreu em quantidade e não fôra a mudança de tempo os esboços de engarrafamento na larga Avenida Brasil ter-se-iam tornado um verdadeira pandemónio. A chuva e o vento forte que começou a soprar pelas 16 horas foram de facto o grande «espantalho» dos mirones, que apenas pelas janelas dos automóveis davam as olhadelas distantes para o mar. Para o navio encravado nas rochas. Perdido, apesar da pouca «longevidade».
Efectivamente, embora haja já algumas companhias interessadas em salvar o navio, parece ser completamente impossível que o “Amethyst” volte a adquirir a flutuabilidade. O enorme rombo existente na região do 5º porão e o estado do fundo do navio, que se encontra aluído, levam, com efeito, a todo o pessimismo. Praticamente só o desmantelamento se tornará possível.
Entretanto, para averiguar melhor as possibilidades exactas do cargueiro grego ser salvo, chegam hoje, ao Porto, alguns peritos espanhóis e holandeses.

Foto do encalhe do navio "Amethyst"
Minha colecção

O comandante voltou ao navio
Dado que as condições do mar melhoraram no dia de ontem, as autoridades marítimas autorizaram a ida a bordo do comandante, do imediato e de três inspectores que ontem chegaram ao Porto.
Com efeito, às 12,30 horas, o cabo de vai-vem recomeçou a funcionar e a primeira pessoa a retornar ao navio foi o comandante, logo seguido do imediato, e dos três inspectores, Mr. Tarben Starge, representante do fretador, Mr. M. Senkan, da Salvage Association Inc., e um representante da companhia armadora. Durante largas horas estiveram a inspeccionar a situação do navio e as possibilidades de trasfega do combustível que constitui, de momento, a principal preocupação.
Mais tarde, já depois das 15,30 horas, o chefe de máquina foi também para o navio, seguindo-se depois dois bombeiros e outro tripulante.
Entretanto, voltaram a terra os inspectores, enquanto o comandante e restantes tripulantes, ainda, se mantinham a bordo para que numa «aberta» do tempo, os tripulantes pudessem voltar sobraçando alguns embrulhos de roupa, pois toda a tripulação encontra-se com a indumentária de trabalho. O comandante voltou a ser o último tripulante a abandonar o navio, regressando ao hotel.

Montagem para a trasfega
Durante toda a noite esteve ligado um projector (dos bombeiros Portuenses) sobre o cargueiro, por ordem das autoridades marítimas e do representante do armador.
Quanto à operação de trasfega foram logo pela manhã de ontem colocados na praia os tubos necessários para a extracção, tendo inclusivamente sido montado o cabo de vai-vem necessário para deslocar a tubagem.
Para tal operação foi já pedida a colaboração dos bombeiros da Aguda que, ainda ontem à tarde estiveram no local.
Devido ao agravamento atmosférico, pois, do sol resplandecente da manhã se passou à nevoenta invernia, pela tarde, não foi possível, ontem mesmo, estabelecer toda a montagem do sistema de trasfega. As condições do mar, de forte ondulação, não permitiram também a execução dos trabalhos e, hoje pela manhã, com o começo da baixa-mar, os bombeiros procurarão estabelecer toda a montagem levando para bordo bombas e o gerador. É claro que as condições de mar e tempo são determinantes para possibilitar a montagem.

Milho espalhado pela praia
As areias da praia do Molhe encontram-se coalhadas de milho que com a braveza do mar foi atirado para fora do 5º porão, que juntamente com o 6º porão vinha carregado com 1.200 toneladas daquele cereal. A água penetrando no grande rombo ali existente encarregou-se de amarelar mais a praia.
A restante tonelagem do cereal encontra-se no 4º porão (600 toneladas), no 2º e 3º (que se comunicam entre si tal como o 5º e o 6º) com 1.200 toneladas também. Dado que o fundo do navio aluiu todos os porões estão alagados.

As autoridades marítimas procedem a um inquérito
Porque houve perigo de vidas na operação de salvamento da tripulação do navio, as autoridades marítimas estão a proceder a um inquérito. Para além disso tem sido feitas diligências, no sentido de serem tomadas providências suficientes para evitar a poluição.
Caso não seja possível trasfegar o combustível existente a bordo, e na hipótese de derrame, será feito um ataque com produtos dispersantes.
A fim de dar colaboração à campanha anti-poluição, esteve na praia do Molhe um engenheiro da Direcção da Marinha Mercante.

Reunião para debate da situação
Ao fim da tarde de ontem, reuniram-se, num hotel da cidade, com o representante das autoridades marítimas, os vários representantes do armador, das companhias seguradoras e dos agentes, acompanhados do comandante do navio, a fim de discutirem as medidas a tomar quanto ao destino do “Amethyst”. Foi, também, ventilado o problema da trasfega das toneladas de gasóleo e nafta existentes no navio para tentar ser evitada a poluição das águas.
A título de curiosidade, refira-se que era a primeira vez que o “Amethyst” escalaria o porto de Leixões se não tivesse naufragado.
(Jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 3 de Fevereiro de 1979)

Sem apelo nem agravo o fim do “Amethyst”
- Partir ou não partir é com o mar -
Afinal, parece que se goraram todas as hipóteses de extracção do combustível existente no “Amethyst”, encalhado desde sexta-feira junto à praia do Molhe, na Foz, onde ontem constituiu um verdadeiro atractivo para milhares de portuenses, para quem a ocupação de tempos livres, dos fins-de-semana se não é problema, insere-se pelo contrário - o que é mais grave - numa ausência de preocupação, num não saber que fazer ou, então, num rodar continuo, semanal, do mesmo dispêndio de tempo. Da mesma aplicação do tempo-livre. Nesta perspectiva, temos assim que facilmente do futebol se volta para o «adorno» da Foz, dando uma passeata pela zona-chique da pacata cidade. Já que embora por campos diferentes, os fins são os mesmos…
Assim acontecendo, não faltam, portanto, os feirantes das «romarias», que logo miram as imediações do naufrágio com golpes de mestre em negócios. E a morte de um navio, a desolação de um comandante para quem certamente a carreira pode ter findado, tornou-se assim, motivo de atracção e de negócio num lugar e momento onde o espectáculo “Amethyst” é acontecimento necessário à continuidade duma certa e bem caracterizada «monotonia».
Assim, e durante todo o dia de ontem e, dum modo muito especial, na tarde, a zona da Foz tornou-se num imenso formigueiro humano e automobilístico. Milhares de pessoas e muitas centenas de veículos marcavam passos contemplativos na vasta avenida e esplanada. E os pequenos balanços da popa do “Amethyst” eram motivo de espanto.

Às duas por três o navio fica partido
Face aos rombos que o navio tem, apenas o estado do mar poderá determinar alguma alteração de relevo com respeito ao “Amethyst”.
A opinião corrente de muitas pessoas que desde as primeiras horas têm estado em permanente operação de socorro, é de que, em breve, o cargueiro partir-se-á. Isto é, sem qualquer hipótese de navegabilidade como foi previamente afirmado, resta apenas a fúria demolidora do mar alterar o espectáculo. A opinião corrente é de que se o mar piorar em breve ficará o “Amethyst” partido em duas ou três partes.
De facto, quem, ontem contemplou o navio, tem visto a água a sair por várias fendas existentes a bombordo.
Dada a elevada inclinação que o navio apresenta sobre bombordo, é de recear que alguma das partes quebradas venha a tombar. Aliás, ontem mesmo, chegaram a suspeitar que, com a preia-mar, partisse.

Dois técnicos foram a bordo e confirmaram a morte do cargueiro
Vindos de Espanha, dois peritos duma firma de salvadegos – Júlio Iglésias e Tom Juyn – foram, ontem à tarde inspeccionar o navio, demorando-se nele algumas horas. E a conclusão final a que chegaram é de que não há qualquer hipótese de fazer o cargueiro flutuar. Se fosse desencravado das rochas, afundar-se-ia imediatamente por causa dos vários rombos que tem.
Entretanto, logo de manhã, o comandante havia voltado ao navio juntamente com os inspectores sr. Kearon, engenheiro naval, chegado da Grécia anteontem, e o sr. Shilas, superintendente da companhia armadora. Dadas as tão más condições de segurança em que estes inspectores encontraram o navio, algum tempo depois efectuavam o regresso a terra.
Serão estes dois superintendentes da companhia armadora que tratarão de todos os pormenores respeitantes ao que resta do “Amethyst” e que naturalmente manobrarão todas as negociações. Decidirão, também, sobre o regresso da tripulação para a Grécia.

Dispersante sobre o fuel
Em virtude de não ter sido possível bombar para terra o fuel do navio, já que com o frio solidificou, foi aplicado dispersante sobre o tanque do porão nº 1, para evitar que no caso de vir a espalhar-se pelas águas não vir a constituir perigo para as praias.
Ligada a tubagem de terra para o navio, os bombeiros – orientados pelo chefe Licínio, dos Portuenses, e ajudante Geraldo Amorim dos Voluntários de Leixões – procederam ao fim da tarde de ontem, à bombagem do dispersante para o cargueiro. Foram aplicados apenas quatro bidões cedidos pela A.P.D.L. Entretanto, esperam que, hoje, cheguem de Portimão camiões carregados com mais dispersante.
Registe-se que o fuel é que oferece maior perigo para a população.

Hoje fazem a tentativa de trasfega do gasóleo
Os bombeiros tentarão hoje trasfegar o gasóleo existente por baixo da ponte de comando do cargueiro. Toda esta operação depende, como é evidente, das condições do mar.
No caso de ser totalmente impossível extravasar este combustível para terra, haverá aplicação dos produtos dispersantes. Felizmente ainda não foram verificadas quaisquer roturas nos tanques de combustível, para além da verificada sob o porão nº 1, cujo fuel se encontra solidificado, evitando assim qualquer perigo.

Trazida para terra a bagagem dos tripulantes
Já no fim da tarde de ontem e com a baixa-mar seis bombeiros e três tripulantes foram para bordo buscar as bagagens da tripulação.
Sobre as rochas, junto ao cargueiro e por intermédio de um cabo ligado ao navio foram trazidas para terra muitas malas com os artigos pessoais da tripulação do navio. Para esta operação também contou com a ajuda de populares que carregaram, prontamente com os tripulantes as bagagens.

O comandante do navio agradece todo o auxílio
- Nunca vi gente com tanto carinho e dedicação – exclamou, ontem, o comandante do “Amethyst”, Demokritus Kronydas, ao agradecer a todos – populares e bombeiros – o empenho posto na operação de salvamento de toda a tripulação do seu navio.

O casco do cargueiro terá de ser retirado
As autoridades marítimas estão a envidar todos os esforços para que o caso “Amethyst” não venha a ser transformado noutro “Maura”. Desmantelado, ou de outra forma, o cargueiro tem de ser retirado do local onde encalhou. As autoridades marítimas não deixarão que ali se mantenha, destroçando-se, apodrecendo com o tempo.
(Jornal “Comércio do Porto”, segunda-feira, 4 de Fevereiro de 1979)

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