Devido à amabilidade de pessoa completamente informada sobre a explosão e incêndio a bordo do antigo navio alemão “Alentejo”, que teve lugar em Salónica, em que a equipagem se portou de tal forma, que levasse o ministro da marinha de França a conceder ao comandante e a alguns tripulantes a Cruz de Guerra, é agora possível narrar um interessante relato do ocorrido:
No dia 3 de Julho último deu-se uma explosão a bordo do transporte de guerra português “Alentejo”, ao serviço da Intendência de Marinha Nacional Francesa, quando descarregava no cais grego, em Salónica, o material que transportava.
O “Alentejo”, um dos melhores antigos navios alemães, é um navio perfeitamente moderno, com esplêndidos aparelhos de descarga e maquinismos de propulsão muito aperfeiçoados, tendo sempre rendido valiosos serviços aos nossos aliados na rapidez de transporte e facilidade nas operações portuárias.
Comandado pelo jovem, mas entendido capitão sr. J. Marcos de Sousa Magalhães, tinha como chefe de máquinas o sr. Luiz Maria da silva e imediato o sr. L. Vitorino Miranda, todos eles com louvores na marinha francesa, os dois primeiros quando do ataque do “Horta”, o primeiro ainda como imediato e o sr. Silva já como 1º maquinista, e o sr. Vitorino Miranda pelos importantes serviços que sempre prestou a bordo do “Alentejo”, como segundo piloto e já como imediato.
O “Alentejo” que partiu de Marselha a 3 de Junho, com um carregamento de material diverso, seguiu viagem para Bobe (Argélia), onde chegou no dia 5, de manhã, partindo às 5 horas da tarde para Bizerte (Tunísia).
Ancorado neste porto, no outro dia de manhã aguardou ordem de saída, para continuar a sua viagem para Salónica, o que se verificou no dia 5, fazendo durante os 10 dias de viagem uma travessia sossegada e em boas condições de tempo.
Foi, porém, morosa, devido às instruções recebidas no mar, as quais lhe eram fornecidas pelo grande número de vigilantes aliados, e com tanta felicidade que conseguiu sempre evitar um mau encontro, embora para isso tivesse de sacrificar caminho e, portanto, tempo, chegando a Salónica no dia 15, pelas 6 horas da tarde.
Como fosse grande a quantidade de navios a descarregar não encontrou de imediato lugar no cais, descarregando por isso ao largo o correio e os aviões que trazia no convés. No dia 24, pelas 5 horas da tarde, atracou ao cais e começou imediatamente a descarga, marchando sempre tudo com boa regularidade.
No dia 3, estava o navio quase descarregado quando se deu a explosão. Cerca das 8 horas e meia da manhã, uma lingada de caixas de pequenas granadas de espingarda, que estavam a tirar do porão nº3, devido a uma imprudência do pessoal de terra que atendia à descarga, rompeu-se, caindo de uma altura de cerca de 8 metros, produzindo no choque a primeira série de explosões.
Logo começaram os estilhaços a sair pela escotilha. O momento foi horrível. Os estilhaços eram projectados a enorme distância, pondo em perigo tudo o que rodeava o navio.
Os estabelecimentos da cidade que fazem frente ao cais fecharam imediatamente, os armazéns serviram de abrigo ao pessoal que estava no cais, e a bordo dos outros navios foram tomadas precauções a fim de serem evitados novos acidentes causados pelos estilhaços que os atingiram.
O capitão e o primeiro maquinista encontravam-se no camarote, sendo o deste último atingido pelos primeiros estilhaços. Todavia, o seu locatário teve a felicidade de sair dali a salvo.
Encontrando-se o capitão com o maquinista, aquele deu-lhe ordem para alagar rapidamente o porão, o que fez, descendo pela casa das caldeiras, na impossibilidade de descer pela casa das máquinas, visto as entradas desta estarem já crivadas de estilhaços.
Apesar do perigo, visto que as válvulas de comunicação com o porão nº3 estavam justamente a 30 centímetros da antepara do mesmo, onde se estavam dando as explosões, conseguiu o primeiro maquinista que a água entrasse no navio, invadindo violentamente o porão.
As explosões, depois de um intervalo de alguns minutos, recomeçaram, ouvindo-se detonações violentíssimas. Em função do ruído percebeu-se que já não eram só as granadas de espingarda que rebentavam, mas sim as granadas de 120, que começaram a arrombar a antepara da casa da máquina.
A água continuava a invadir o porão, mas agora com mais intensidade, dando a entender que a explosão das granadas a tinha arrombado. As explosões duraram uns 20 minutos, com um intervalo entre cada uma, de 3 a 4 minutos.
Uns rebocadores trataram de afastar o navio da muralha, enquanto os barcos de socorros atacavam imediatamente o porão com máquinas possantes. A rapidez dos socorros tanto do porto como de bordo, foi simplesmente admirável.
Pelo rombo feito na antepara da casa da máquina começou a água a entrar ali, motivo pelo que foram postas as bombas do navio a funcionar. O 1º maquinista conseguiu manter a água sempre na mesma altura, pondo a bomba centrifuga de circulação do condensador principal a funcionar.
Em pouco tempo, o porão onde se deu o acidente tinha a água ao nível da água do mar. Como, porém, esta se conservava sempre na mesma altura, apesar do esplêndido esgoto feito pelas bombas, logo um mergulhador vistoriou o costado no sítio onde se tinha dado a explosão, verificando que, ao canto da antepara do porão para a casa das máquinas, a chapa estava descosida numa extensão de cerca de 1,80 metros e com uma abertura de 2 a 3 centímetros.
Com grande rapidez, o mergulhador tapou a abertura com cunhas e bojões de madeira nos furos dos rebites, começando as bombas dos barcos de socorro a tirar água do porão com tão bom método, que, por volta das 6 horas da manhã seguinte, aquele estava completamente esgotado.
Os primeiros socorros foram prestados com tão boa ordem e sangue-frio, que chegou a parecer um sonho que, num caso tão grave como aquele, o navio se apresentasse ainda perfeitamente direito, como se nada tivesse sucedido.
Vítimas pessoais houve três homens gregos que estavam no porão procedendo à formação das lingadas. O primeiro cadáver foi tirado ainda com a água no porão, sendo empregues todos os esforços para «pescar» os outros, o que não foi conseguido visto estarem enterrados no meio de um montão de madeiras, granadas e estilhaços, etc., encontrando-se um deles num estado verdadeiramente horroroso.
Caso interessante; na coberta estavam dois bois e um carneiro, tendo apenas um dos bois sido atingido, sem importância, por um estilhaço!...
O pessoal do navio, especialmente o capitão sr. Magalhães, o 1º maquinista sr. S.M. da Silva, o imediato sr. Miranda, e o comissário do governo francês, guarda-marinha de 1ª classe, sr. Louis Allaire, foram muito felicitados pelas autoridades superiores de marinha do porto, tendo o sr. comandante naval atribuído a salvação do navio e do restante material existente, ao sangue-frio daqueles senhores e ao bom cumprimento dos seus deveres.
O navio continuou normalmente o resto da sua descarga, enquanto procediam a uma ligeira reparação, a fim de poder ser feita a viagem de regresso a França, o que foi realizado com muita felicidade, partindo de Salónica no dia 15 de Julho e chegado a Marselha no dia 25.
Foram conferidas algumas condecorações da Cruz de Guerra à equipagem do navio, não havendo ainda concessão especial aos condecorados. Consta, porém, nos círculos oficiais em Marselha, que aquelas são atribuídas ao capitão, maquinista, imediato, comissário do governo e carpinteiro, tendo outros a receber votos de satisfação do ministro da marinha da França.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 28 de Agosto de 1917)
O navio no dia 3 de Setembro de 1917, durante a madrugada, quando se encontrava em Bouches-du-Rhône, Marselha, à partida para mais uma viagem a Salónica, foi-lhe declarado fogo a bordo num dos porões, onde havia sido carregada larga quantidade de granadas explosivas.
Apesar dos esforços levados a cabo pela tripulação para dominar o incêndio, as granadas começaram a explodir obrigando ao abandono do vapor, que se manteve em chamas alterosas durante 48 horas.
No rescaldo do sinistro quanto às causas do incêndio, foi defendida a presunção de sabotagem durante o carregamento do navio, devido à presença nas operações de estiva de diversos prisioneiros alemães.
O “Alentejo” foi por esse motivo dado como perdido.
Na ocasião do incêndio o comandante embarcado era o sr. José Águas Ferreira dos Santos e o imediato era o sr. Alberto Tranqueira da Costa.
Algum tempo depois o governo francês decidiu-se pela recuperação do navio, ficando desde então a navegar com o nome “Victorieux”.
No pós guerra continuou em serviço sob operação do armador J. Puppi, culminando um período de utilização por 4 anos.
Por fim, naufragou em 7 de Fevereiro de 1921, quando em viagem de França para os Estados Unidos, sendo abandonado pela tripulação na posição 39º11’N 49º01’W, com água aberta.