terça-feira, 4 de novembro de 2014

Histórias do mar português!


A viagem da corveta “Rainha de Portugal”
2ª Parte

A corveta “Rainha de Portugal” foi construída em Blackwall (Inglaterra), no ano de 1875. Tem 1.120 toneladas de deslocamento e a força de 150 cavalos.
É um dos nossos melhores navios de guerra, com 8 bocas-de-fogo, e que tem desempenhado importantes comissões de serviço tanto na nossa África como no estrangeiro. Não é esta a primeira vez que acontece desastre, pois em Maio de 1876, quando o príncipe de Gales visitou Lisboa, foi esta corveta abalroada no Tejo pela fragata inglesa “Raleigh” do modo mais grosseiro.
O príncipe de Gales retirou de Lisboa no dia 8 de Maio de 1876 a bordo do “Serapis” acompanhado pela fragata inglesa “Raleigh”, yatch “Osborne” e aviso “Lively”; e el-rei D. Luiz, a bordo da corveta “Rainha de Portugal”, ia acompanhar até à barra o seu ilustre hóspede.
O “Serapis” levantou ferro e seguiu pelo rio acima até à frente da Praça do Comércio, virando então para norte para aproar à barra sem voltar a popa para a cidade. A corveta “Rainha de Portugal” seguiu-lhe na alheta, para assim acompanhar o “Serapis”, segundo o desejo de el-rei por deferência ao seu augusto hóspede.
Ao mesmo tempo porém, que se realizava esta manobra, a fragata “Raleigh” largou da amarração e seguindo com grande andamento a “Rainha de Portugal”, em breve se pôs a seu lado, avançando cada vez mais de modo que quando a corveta deu a volta, a fragata também a deu sem guardar a distância necessária e enrascaram-se os dois navios, apesar da “Rainha de Portugal” ter parado e cair toda à ré.
O resultado deste encontro foi a corveta ficar com o gurupés partido e figura de proa, partindo-se também dois escaleres da “Raleigh”, que seguiu Tejo abaixo nas águas do “Serapis” com o “Osborne” e “Lively”.
Entretanto da parte do comandante da corveta nenhuma culpa ou erro tinha havido, mas sim uma manobra mal dirigida do comandante da “Raleigh”.
Reis, A. Estácio dos, Os Navios d’O Occidente, Edições Culturais de Marinha, Gradiva Publicações, Lda., Lisboa, 2001, com o relato transcrito do artigo publicado na revista “O Ocidente”, Nº 362, de 11 de Janeiro de 1889

A fragata "Raleigh" e o vapor "Serapis"
Gravura publicada no sítio Photoship.UK

Abalroamento
Vai larga discussão em todos os círculos a propósito do pequeno desastre que houve ante-ontem no Tejo, quando a corveta “Rainha de Portugal”, que levava el-Rei a bordo, manobrava para aproar à barra e seguir o navio “Serapia”, que conduzia a bordo o Príncipe de Gales.
A corveta portuguesa abalroou com a corveta inglesa “Raleigh”. De quem foi a culpa? Aqui é que variam as opiniões.
Os que são a favor do oficial português dizem que a “Rainha de Portugal” virou primeiro que a “Raleigh” e que esta devia navegar de modo que não a incomodasse na sua rotação, por já estar subordinada à acção do seu leme e por ter içado o estandarte real num dos seus mastros, já por ela andar pouco mais de metade do número de milhas da sua marcha. Infelizmente a maré e a rapidez com que a “Raleigh” meteu a virar, aproximaram-na do navio português a ponto de este não ter espaço para evitar o abalroamento.
Os que são pelo oficial inglês objectam que se não foi do oficial português que errou, o desastre derivou-se da corveta não ter boa marcha e ser de má construção. Ao ouvir uns e outros é difícil saber de que lado está a razão.
O que é certo, porém, é que a “Rainha de Portugal” sofreu um grande choque, perdeu a figura de proa e perdeu o gurupés; a “Raleigh” perdeu todos os escaleres de bombordo e uma lancha a vapor. Agora, tudo indica que a corveta portuguesa terá de ir a Inglaterra, para reparar as avarias que sofreu.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 10 de Maio de 1876)

A colisão da corveta “Rainha de Portugal”
Parece estar fora de dúvida, que no abalroamento da fragata “Raleigh” com a corveta “Rainha de Portugal”, toda a culpa coube ao oficial inglês que comandava a “Raleigh”. Na ocasião do desastre morreram dois marinheiros ingleses.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 10 de Maio de 1876)

Ainda sobre a colisão da corveta “Rainha de Portugal”
Lisboa, 10 de Maio - Continua a discussão a propósito do abalroamento da fragata “Raleigh” com a corveta “Rainha de Portugal”, e parece que o verdadeiro e único culpado do desastre foi o comandante do navio inglês, por isso que quando se aproximou do vaso de guerra português este estava a virar e precisava de espaço para completar a manobra.
Também é censurado aquele oficial por ter seguido o seu caminho sem perguntar à corveta se precisava de algum socorro depois da avaria que sofreu, sendo esta falta muito mais censurável por estar el-Rei a bordo do navio avariado.
Consta-se que el-Rei, que estava ao lado do comandante da “Rainha de Portugal”, quando se deu o abalroamento, lhe dissera que estivesse sossegado e não se afligisse, porque podia afirmar que a culpa toda era do comandante da “Raleigh”.
Acrescenta-se que dois marinheiros do navio inglês morreram em consequência do choque, ficando um entalado entre os dois navios, quando inconsideradamente pretendia afastar a proa da corveta “Rainha de Portugal” do vaso de guerra inglês.
Não obstante o comandante da corveta portuguesa ter a consciência segura de não lhe poder caber a responsabilidade daquele desastre e apesar das palavras de el-Rei, requereu um conselho de investigação, para se apurar a verdade e ficar ilibada a sua reputação de distinto oficial de marinha, que goza há muito tempo. Tem-se como certo um veredicto favorável do conselho que fôr nomeado.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 11 de Maio de 1876)

Telegrama
S.M. el-Rei D. Luiz recebeu hoje um telegrama da Rainha Victoria, agradecendo o acolhimento feito em Lisboa ao Príncipe de Gales, pedindo desculpa pelo caso “Raleigh”.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 15 de Maio de 1876)

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