Efeméride
3ª Parte
Foto do vapor "City of Milan", que deu origem ao "Ganda"
Imagem da Photoship.Uk
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«Um navio todo iluminado ao longe!... E, nesse momento, acabou-se a gasolina». «Acabou-se-nos o carburante, ao cabo de sessenta horas desta travessia medonha. O motor começou a falhar, precisamente num momento culminante da nossa odisseia – no próprio instante em que nos apareceu, ao longe, um navio todo iluminado. De novo nos invadiu uma lufada de esperança. “Salvos! Vamos salvar-nos!”, gritaram alguns.»
«Fizemos sinais com as lanternas. Até acendemos candeias. Parecíamos doidos! Guinamos na direcção do barco. Já riamos e chorávamos, já se falava em beber água. Água! A nossa maior aspiração, o nosso mais querido sonho!»
Pausa curta. Novo acesso de tosse. O zumbido telefónico cobre um pouco as palavras seguintes, proferidas numa articulação entrecortada.
«Foi, então, que o motor parou em definitivo. Acabara-se o carburante. A lancha ainda singrou mais uns metros, mas acabou por ficar ao sabor das vagas. E, entretanto, diante dos nossos olhos, ali a algumas centenas de metros, a salvação passou e desapareceu no escuro. Deixar que o quebranto nos atrofiasse, era cruzar os braços e tornar certa a morte; era o desistir da luta. E havia que lutar, enquanto nos sobrasse uma réstia de vida. Para a frente! Com uns cobertores, uma lona, dois remos e um pau do toldo, improvisou-se uma vela. O contra-mestre e o marinheiro pareciam ostras agarrados ao remo. Fracos, sedentos, como todos, e como todos atormentados pela aflição, cerravam os dentes e lá iam, no seu posto. Foram grandes esses meus dois companheiros! Grandes temperas e magníficos nervos!»
«Bem procuramos manter o rumo de Leste, mas o mar e o vento empurravam-nos para o Sul, sempre para o sul, com uma força diabólica. Ninguém falava. Nem para isso havia forças! Olhávamos o mar imenso, invadidos pouco a pouco por um atordoamento que me parecia percursor do fim. E o vento não abrandava, e o mar dir-se-ia apostado em martirizar-nos, como se não bastassem a sede e a fome!»
«Fizemos sinais com as lanternas. Até acendemos candeias. Parecíamos doidos! Guinamos na direcção do barco. Já riamos e chorávamos, já se falava em beber água. Água! A nossa maior aspiração, o nosso mais querido sonho!»
Pausa curta. Novo acesso de tosse. O zumbido telefónico cobre um pouco as palavras seguintes, proferidas numa articulação entrecortada.
«Foi, então, que o motor parou em definitivo. Acabara-se o carburante. A lancha ainda singrou mais uns metros, mas acabou por ficar ao sabor das vagas. E, entretanto, diante dos nossos olhos, ali a algumas centenas de metros, a salvação passou e desapareceu no escuro. Deixar que o quebranto nos atrofiasse, era cruzar os braços e tornar certa a morte; era o desistir da luta. E havia que lutar, enquanto nos sobrasse uma réstia de vida. Para a frente! Com uns cobertores, uma lona, dois remos e um pau do toldo, improvisou-se uma vela. O contra-mestre e o marinheiro pareciam ostras agarrados ao remo. Fracos, sedentos, como todos, e como todos atormentados pela aflição, cerravam os dentes e lá iam, no seu posto. Foram grandes esses meus dois companheiros! Grandes temperas e magníficos nervos!»
«Bem procuramos manter o rumo de Leste, mas o mar e o vento empurravam-nos para o Sul, sempre para o sul, com uma força diabólica. Ninguém falava. Nem para isso havia forças! Olhávamos o mar imenso, invadidos pouco a pouco por um atordoamento que me parecia percursor do fim. E o vento não abrandava, e o mar dir-se-ia apostado em martirizar-nos, como se não bastassem a sede e a fome!»
De novo um barco à vista, e a esperança renasce
«Amanheceu o terceiro dia. Estávamos exaustos, lívidos. Ocultávamos uns dos outros aquilo que se passava dentro de nós – o desespero surdo, o desânimo que, traiçoeiro, ia ganhando terreno até nos ânimos mais rijos!»
«De súbito, ao princípio da tarde, surgiu um vapor. Pela confirmação, devia ser um pesqueiro. Não tinha quaisquer sinais reveladores da nacionalidade, nem qualquer distintivo de identificação. Acercou-se. A nossa ansiedade explodiu em gritos e sinais com os braços. Depois, agitamos, loucamente, a nossa bandeira, trapos, peças de vestuário, tudo quanto apanhamos a jeito! Era a vida que estava à nossa frente! E o barco avizinhou-se. E a nossa ansiedade transformou-se em alegria. Fôramos vistos, não havia dúvida. Finalmente!»
«Mais ainda se acercou o navio desconhecido. Não distávamos dele mais do que quinhentos metros. Vi, distintamente, homens que caminhavam no tombadilho. É impossível que não nos distinguissem, também. Por desgraça, por capricho mau da sorte, deu-se o contrário do que esperávamos. O barco mudou, de repente, de direcção e afastou-se. Enrouquecemos de tanto chamar. Continuamos a agitar os panos e a bandeira. Nada! O vapor pesqueiro distanciou-se, com indiferença absoluta e não tardou a só vermos dele um penachito de fumo!... Como não endoidecemos nessa altura? Foi obra de milagre ou prodígio da nossa resistência! Mas o certo é que o desânimo não poupou ninguém, a partir de tal momento. A morte afigurou-se-nos, então, inevitável. E parecia-nos até que tudo era preferível àquele horroroso suplício de ver, por várias ocasiões, a salvação a dois passos de nós e desaparecer, de repente.»
«De súbito, ao princípio da tarde, surgiu um vapor. Pela confirmação, devia ser um pesqueiro. Não tinha quaisquer sinais reveladores da nacionalidade, nem qualquer distintivo de identificação. Acercou-se. A nossa ansiedade explodiu em gritos e sinais com os braços. Depois, agitamos, loucamente, a nossa bandeira, trapos, peças de vestuário, tudo quanto apanhamos a jeito! Era a vida que estava à nossa frente! E o barco avizinhou-se. E a nossa ansiedade transformou-se em alegria. Fôramos vistos, não havia dúvida. Finalmente!»
«Mais ainda se acercou o navio desconhecido. Não distávamos dele mais do que quinhentos metros. Vi, distintamente, homens que caminhavam no tombadilho. É impossível que não nos distinguissem, também. Por desgraça, por capricho mau da sorte, deu-se o contrário do que esperávamos. O barco mudou, de repente, de direcção e afastou-se. Enrouquecemos de tanto chamar. Continuamos a agitar os panos e a bandeira. Nada! O vapor pesqueiro distanciou-se, com indiferença absoluta e não tardou a só vermos dele um penachito de fumo!... Como não endoidecemos nessa altura? Foi obra de milagre ou prodígio da nossa resistência! Mas o certo é que o desânimo não poupou ninguém, a partir de tal momento. A morte afigurou-se-nos, então, inevitável. E parecia-nos até que tudo era preferível àquele horroroso suplício de ver, por várias ocasiões, a salvação a dois passos de nós e desaparecer, de repente.»
Outro vapor à vista! Era a salvação! Finalmente a vida!
«Às cinco horas da tarde, caídos uns para um lado, outros, para o outro, a lancha parecia transportar fantasmas. Olhava à minha volta e pensava, confusamente, que aquilo ia acabar. Era impossível continuar assim por muito mais tempo. De súbito, lá longe, ao fundo, avistamos um rolo de fumo negro. Um vapor! Outro vapor!»
«Quase ninguém reagiu. O cansaço e o desespero lançara-nos naquela agonia sonolenta. E o vapor navegou para o nosso lado. Tornou-se visível o casco. Chegou-se mais, e, então, toda a gente se ergueu, galvanizada, pressentindo, não sei porquê, que vinha ali a salvação, o regresso à vida! Mais uma vez agitamos tudo quanto podia servir para acusar a nossa presença. E deliramos – sim, deliramos – de alegria, ao vermos que o navio tomava a nossa direcção e que, de seu bordo, alguns homens correspondiam aos nossos sinais. Foi de loucura esse momento! Choramos, rimos; sei lá o que fizemos! Quando o barco chegou à fala, vimos tratar-se de um pesqueiro espanhol. Lá estava o nome no costado; “Ventura Gonzalez”. E ainda maior foi o nosso júbilo.»
«Soou, por fim o minuto durante tantas horas ambicionado; a lancha ficou a cinco metros do pesqueiro. De pé, nervosos, semi-loucos, todos gritávamos, suplicávamos:- Salvem-nos!... Salvem-nos!... Outros clamavam:- Água!... Água!... E a passageira polaca erguia nos braços a filhita, numa súplica mais eloquente do que os nossos gritos. De bordo, os espanhóis, comovidos, diziam-nos: Calma! Tenham calma por uns momentos mais! Vamos salvá-los a todos!»
«E assim foi. Como verdadeiros homens do mar, em rasgos de solidariedade, a todos acolheram e agasalharam. Tinham pouca comida, mas não se serviram dela. Foi para nós, que a devoramos, depois de termos bebido não sei que porções tremendas de água!»
«Havia setenta e duas horas que andávamos ao Deus dará, sem saber para onde navegávamos, já sem esperança de encontrar terra, mas apenas um barco que nos acolhesse. Estávamos a cerca de 200 milhas de Huelva, para onde logo singrou o “Ventura Gonzalez”. Aqui estamos desde as 16 horas. Dizer-lhe como nos receberam e trataram, é impossível. Basta que lhe declare isto: Em Portugal não nos poderiam fazer mais, nem melhor!»
«Quase ninguém reagiu. O cansaço e o desespero lançara-nos naquela agonia sonolenta. E o vapor navegou para o nosso lado. Tornou-se visível o casco. Chegou-se mais, e, então, toda a gente se ergueu, galvanizada, pressentindo, não sei porquê, que vinha ali a salvação, o regresso à vida! Mais uma vez agitamos tudo quanto podia servir para acusar a nossa presença. E deliramos – sim, deliramos – de alegria, ao vermos que o navio tomava a nossa direcção e que, de seu bordo, alguns homens correspondiam aos nossos sinais. Foi de loucura esse momento! Choramos, rimos; sei lá o que fizemos! Quando o barco chegou à fala, vimos tratar-se de um pesqueiro espanhol. Lá estava o nome no costado; “Ventura Gonzalez”. E ainda maior foi o nosso júbilo.»
«Soou, por fim o minuto durante tantas horas ambicionado; a lancha ficou a cinco metros do pesqueiro. De pé, nervosos, semi-loucos, todos gritávamos, suplicávamos:- Salvem-nos!... Salvem-nos!... Outros clamavam:- Água!... Água!... E a passageira polaca erguia nos braços a filhita, numa súplica mais eloquente do que os nossos gritos. De bordo, os espanhóis, comovidos, diziam-nos: Calma! Tenham calma por uns momentos mais! Vamos salvá-los a todos!»
«E assim foi. Como verdadeiros homens do mar, em rasgos de solidariedade, a todos acolheram e agasalharam. Tinham pouca comida, mas não se serviram dela. Foi para nós, que a devoramos, depois de termos bebido não sei que porções tremendas de água!»
«Havia setenta e duas horas que andávamos ao Deus dará, sem saber para onde navegávamos, já sem esperança de encontrar terra, mas apenas um barco que nos acolhesse. Estávamos a cerca de 200 milhas de Huelva, para onde logo singrou o “Ventura Gonzalez”. Aqui estamos desde as 16 horas. Dizer-lhe como nos receberam e trataram, é impossível. Basta que lhe declare isto: Em Portugal não nos poderiam fazer mais, nem melhor!»
Cinco mortos, deve ser o balanço trágico
do selvático torpedeamento do “Ganda”
do selvático torpedeamento do “Ganda”
Lisboa, 25 – O sr. Bernardino Correia, presidente do Conselho de Administração da C.C.N., esteve já em comunicação telefónica com o cônsul em Huelva, tendo colhido elementos de informação relativos à odisseia dos sobreviventes. O capitão do “Ganda”, sr. Manuel Paião, que, hoje, devia apresentar o seu relatório na Polícia Marítima, aguarda, agora, a chegada dos seus companheiros de infortúnio a Lisboa para apurar mais pormenores sobre as privações dos náufragos na lancha, bem como tudo quanto ocorreu pouco depois das duas embarcações se terem separado uma da outra, para se saber da atuação do submarino ao ver uma pequena embarcação, cheia de homens indefesos, de mulheres e de crianças, em perigo de desaparecer para sempre no mar.
Vieram para Lisboa no navio de pesca “Fafe” no domingo, 26 sobreviventes. Portanto, tendo embarcado no Tejo 72 pessoas, e tendo-se salvo agora mais 41 náufragos, concluiu-se que morreram cinco pessoas na altura do torpedeamento, pois tanto os náufragos da baleeira recolhida pelo “Fafe” como os náufragos do escaler a motor recolhidos pelo “Ventura Gonzalez” chegaram todos sem novidade a porto de salvamento.
Vieram para Lisboa no navio de pesca “Fafe” no domingo, 26 sobreviventes. Portanto, tendo embarcado no Tejo 72 pessoas, e tendo-se salvo agora mais 41 náufragos, concluiu-se que morreram cinco pessoas na altura do torpedeamento, pois tanto os náufragos da baleeira recolhida pelo “Fafe” como os náufragos do escaler a motor recolhidos pelo “Ventura Gonzalez” chegaram todos sem novidade a porto de salvamento.
A recepção aos náufragos em Lisboa
Amanhã, de manhã, pelas 6 horas, quando as caminhetas com os náufragos chegaram ao Cais do Sodré, serão ali aguardados por uma delegação de funcionários superiores da C.C.N., bem como por outras entidades. O pessoal do cais, armazéns e oficinas da companhia, projecta ir esperar os náufragos a Setúbal.
O Chefe do Estado apresentou condolências à C.C.N.
O sr. Amílcar Mota, chefe da Casa Militar do sr. Presidente da República esteve, hoje, em nome do Chefe de Estado, a apresentar condolências na sede da Companhia Colonial de Navegação, pela perda do vapor “Ganda” e, ao mesmo tempo, felicitações pelo salvamento dos náufragos. O representante do Chefe de Estado foi recebido pelo sr. Bernardino Correia, pelo delegado do Governo, sr. dr. Soares da Fonseca e pelos administradores daquela empresa.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 26 de Junho de 1941)
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 26 de Junho de 1941)
Os náufragos do vapor “Ganda” chegaram ontem, de
manhã, a Lisboa, tendo sido carinhosamente recebidos
manhã, a Lisboa, tendo sido carinhosamente recebidos
Lisboa, 26 – Após uma dolorosa odisseia chegaram, hoje, a Lisboa, os náufragos do vapor português “Ganda”, vítima de um inqualificável e cobarde torpedeamento.
Pouco antes das 7 horas, as caminhetas que os conduziam, acompanhadas pelo delegado da C.C.N., sr. Joaquim Raposo, chegaram a Cacilhas, onde muito povo as aguardava. Ouviram-se nesse momento prolongadas salvas de palmas, vivas a Portugal e à sua Marinha Mercante.
O vapor “Palmense”, no qual os náufragos embarcaram para Lisboa, partiu de Cacilhas às 7 horas e cinco minutos e atracou dez minutos depois no Cais do Sodré. Desde muito cedo, que se encontravam ali centenas de pessoas aguardando a chegada dos náufragos. Muitos dos presentes empenhavam ramos de flores.
A Companhia Colonial de Navegação estava representada pelo seu presidente do Conselho de Administração, sr. Bernardino Correia, pelos srs. administradores srs. capitão Raposo Pessoa e eng. Nunes Correia; pelo gerente sr. Raul Vieira, pelo inspector sr. comandante Júlio Ramos e por uma numerosa delegação de funcionários de todas as secções.
No momento em que o vapor atracou, a multidão que se aglomerava no cais deu palmas entusiasticamente e acenou com lenços e com flores. Havia lágrimas em muitos olhos. Todos se sentiam tomados de funda emoção. (…)
Um coro de aclamações ecoou então por todo o cais. Estabeleceu-se a comunicação com a terra e os náufragos desembarcaram por entre abraços, beijos e salvas de palmas. Deram-se cenas comoventes.
Entre os homens que chegaram a Lisboa, há um que se destacava pela sua naturalidade ao receber os abraços das pessoas de família e dos amigos: o contra-mestre José Pereira. Os outros riam com natural satisfação. (…)
A multidão adensou-se em volta dos náufragos e, durante alguns minutos, o trânsito esteve interrompido na parte ocidental da Praça Duque da Terceira.
Em nome dos tripulantes que embarcaram no escaler a motor, o maquinista Azevedo dirigiu-se ao sr. Bernardino Correia, a quem agradeceu tudo quanto a C.C.N. fez para conseguir o salvamento dos náufragos e para os rodear de conforto desde a sua chegada a Huelva. Pouco depois das 7 horas e trinta minutos, terminadas as manifestações, os sobreviventes do “Ganda” seguiram para suas casas. No cais do Sodré, à ordem da C.C.N. estiveram quatro viaturas dos Bombeiros Voluntários Lisbonenses, da Cruz de Malta e dos Voluntários da Ajuda, para o que fosse necessário quanto a assistência.
Pouco antes das 7 horas, as caminhetas que os conduziam, acompanhadas pelo delegado da C.C.N., sr. Joaquim Raposo, chegaram a Cacilhas, onde muito povo as aguardava. Ouviram-se nesse momento prolongadas salvas de palmas, vivas a Portugal e à sua Marinha Mercante.
O vapor “Palmense”, no qual os náufragos embarcaram para Lisboa, partiu de Cacilhas às 7 horas e cinco minutos e atracou dez minutos depois no Cais do Sodré. Desde muito cedo, que se encontravam ali centenas de pessoas aguardando a chegada dos náufragos. Muitos dos presentes empenhavam ramos de flores.
A Companhia Colonial de Navegação estava representada pelo seu presidente do Conselho de Administração, sr. Bernardino Correia, pelos srs. administradores srs. capitão Raposo Pessoa e eng. Nunes Correia; pelo gerente sr. Raul Vieira, pelo inspector sr. comandante Júlio Ramos e por uma numerosa delegação de funcionários de todas as secções.
No momento em que o vapor atracou, a multidão que se aglomerava no cais deu palmas entusiasticamente e acenou com lenços e com flores. Havia lágrimas em muitos olhos. Todos se sentiam tomados de funda emoção. (…)
Um coro de aclamações ecoou então por todo o cais. Estabeleceu-se a comunicação com a terra e os náufragos desembarcaram por entre abraços, beijos e salvas de palmas. Deram-se cenas comoventes.
Entre os homens que chegaram a Lisboa, há um que se destacava pela sua naturalidade ao receber os abraços das pessoas de família e dos amigos: o contra-mestre José Pereira. Os outros riam com natural satisfação. (…)
A multidão adensou-se em volta dos náufragos e, durante alguns minutos, o trânsito esteve interrompido na parte ocidental da Praça Duque da Terceira.
Em nome dos tripulantes que embarcaram no escaler a motor, o maquinista Azevedo dirigiu-se ao sr. Bernardino Correia, a quem agradeceu tudo quanto a C.C.N. fez para conseguir o salvamento dos náufragos e para os rodear de conforto desde a sua chegada a Huelva. Pouco depois das 7 horas e trinta minutos, terminadas as manifestações, os sobreviventes do “Ganda” seguiram para suas casas. No cais do Sodré, à ordem da C.C.N. estiveram quatro viaturas dos Bombeiros Voluntários Lisbonenses, da Cruz de Malta e dos Voluntários da Ajuda, para o que fosse necessário quanto a assistência.
A identificação dos mortos
Após a chegada dos náufragos a Lisboa e depois de feita a conferência de presenças na Polícia Marítima, pode esclarecer-se definitivamente o total e o nome das pessoas que morreram vítimas do inqualificável atentado praticado contra o “Ganda”.
Dos passageiros morreram os srs. Francisco da Silva Ferreira, de 38 anos, natural do Cadaval, tratador de gado, passageiro de 3ª classe, que fazia frequentes viagens entre a Metrópole e Angola, e Hermenegildo Pereira da Silva, de 28 anos, natural do Porto, empregado no comércio, passageiro de 2ª classe. Dos tripulantes morreram os srs. Francisco Rodrigues Leite Pereira, imediato do “Ganda”; José Pereira da Costa, 3º maquinista e José Luis Caldeira, fogueiro.
Na Polícia Marítima foi, hoje, ouvido pelo sr. primeiro-tenente Sales Henriques, o sr. capitão Manuel da Silva Paião, comandante do “Ganda”. O processo está a ser elaborado e será enviado dentro de poucos dias às estâncias superiores.
Dos passageiros morreram os srs. Francisco da Silva Ferreira, de 38 anos, natural do Cadaval, tratador de gado, passageiro de 3ª classe, que fazia frequentes viagens entre a Metrópole e Angola, e Hermenegildo Pereira da Silva, de 28 anos, natural do Porto, empregado no comércio, passageiro de 2ª classe. Dos tripulantes morreram os srs. Francisco Rodrigues Leite Pereira, imediato do “Ganda”; José Pereira da Costa, 3º maquinista e José Luis Caldeira, fogueiro.
Na Polícia Marítima foi, hoje, ouvido pelo sr. primeiro-tenente Sales Henriques, o sr. capitão Manuel da Silva Paião, comandante do “Ganda”. O processo está a ser elaborado e será enviado dentro de poucos dias às estâncias superiores.
O relatório do capitão do “Ganda”
O capitão do vapor “Ganda” foi, ontem, entregar o seu relatório acerca do torpedeamento daquele navio ao chefe do Estado-Maior Naval.
Uma declaração do quartel-general
das forças armadas de Itália
das forças armadas de Itália
A Real Legação da Itália em Lisboa comunica a seguinte declaração do quartel-general das forças armadas:
«Nenhum submarino ou unidade de guerra da Real Marinha Italiana se encontrava em operações no Atlântico nos dias 1 a 20 de Junho, na zona em que foram afundadas as unidades da Marinha Mercante portuguesa “Exportador I” e “Ganda”.
Deve-se, portanto, excluir a hipótese de que os dois episódios que atingiram a Marinha Portuguesa tenham sido obra de unidades italianas que operam no Atlântico, as quais – assim como as que andam em operações em outros mares – sempre demonstraram a sua atitude cavalheiresca e humana e o respeito pelas mais nobres tradições militares, mesmo nas acções contra as unidades inimigas, tendo tudo isto já sido posto em evidência na imprensa portuguesa.
Tal declaração é enviada agora, só depois dos competentes órgãos militares – que iniciaram imediatamente o inquérito junto dos comandos interessados – terem dado a sua asseguração oficial e inequívoca.»
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 27 de Junho de 1941)
«Nenhum submarino ou unidade de guerra da Real Marinha Italiana se encontrava em operações no Atlântico nos dias 1 a 20 de Junho, na zona em que foram afundadas as unidades da Marinha Mercante portuguesa “Exportador I” e “Ganda”.
Deve-se, portanto, excluir a hipótese de que os dois episódios que atingiram a Marinha Portuguesa tenham sido obra de unidades italianas que operam no Atlântico, as quais – assim como as que andam em operações em outros mares – sempre demonstraram a sua atitude cavalheiresca e humana e o respeito pelas mais nobres tradições militares, mesmo nas acções contra as unidades inimigas, tendo tudo isto já sido posto em evidência na imprensa portuguesa.
Tal declaração é enviada agora, só depois dos competentes órgãos militares – que iniciaram imediatamente o inquérito junto dos comandos interessados – terem dado a sua asseguração oficial e inequívoca.»
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 27 de Junho de 1941)
Factos e ocorrência
Confirma-se que o ataque ao vapor “Ganda” foi efectuado pelo submarino alemão U-123, sob o comando do capitão Reinhard Hardegen, no dia 20 de Junho de 1941, na posição longitude 34º10’N e latitude 11º40’O, no decorrer da viagem com origem em Lisboa, para portos de Angola e Moçambique, transportando passageiros e mercadoria diversa.
No relato da ocorrência consta que às 20 horas e dez minutos do dia 20 de Junho de 1941, um vapor sem escolta foi atingido em local próximo à casa das máquinas, por um de dois torpedos, ao largo de Casablanca. Depois da tripulação abandonar o navio, um novo torpedo foi disparado às 20 horas e 19 minutos para lhe acelerar o afundamento, vulgarmente identificado como tiro de misericórdia. Dado que o vapor, muito embora adornado se mantinha a flutuar, o submarino subiu à superfície a coberto do crepúsculo do anoitecer para afundar o navio, através de canhoneamento com diversas granadas.
Quando o submarino alemão se aproximou das baleeiras para questionar a tripulação sobre a identidade e a nacionalidade do vapor torpedeado, constataram ter errado ao afundar um navio de um país neutral, pelo que acto contínuo se afastaram do local. De acordo com instruções do comando da flotilha alemã de submarinos, o registo do ataque no diário de bordo do submarino em questão por motivos óbvios foi rasurado e anulado.
No relato da ocorrência consta que às 20 horas e dez minutos do dia 20 de Junho de 1941, um vapor sem escolta foi atingido em local próximo à casa das máquinas, por um de dois torpedos, ao largo de Casablanca. Depois da tripulação abandonar o navio, um novo torpedo foi disparado às 20 horas e 19 minutos para lhe acelerar o afundamento, vulgarmente identificado como tiro de misericórdia. Dado que o vapor, muito embora adornado se mantinha a flutuar, o submarino subiu à superfície a coberto do crepúsculo do anoitecer para afundar o navio, através de canhoneamento com diversas granadas.
Quando o submarino alemão se aproximou das baleeiras para questionar a tripulação sobre a identidade e a nacionalidade do vapor torpedeado, constataram ter errado ao afundar um navio de um país neutral, pelo que acto contínuo se afastaram do local. De acordo com instruções do comando da flotilha alemã de submarinos, o registo do ataque no diário de bordo do submarino em questão por motivos óbvios foi rasurado e anulado.
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