O torpedeamento dos vapores brasileiros “Paraná” e “Tijuca”
3ª Parte
Registo das declarações do comandante do vapor “Paraná” à imprensa escrita de Lisboa, relatando o ataque do submarino UB-32 ao seu navio, como segue:
O torpedeamento do Paraná
O capitão da marinha mercante brasileira sr. José da Silva Peixe, comandante do “Paraná”, de cujo torpedeamento resultou a ruptura de relações entre o Brasil e a Alemanha, desembarcou ontem no Tejo, vindo de Vigo. Entrevistado por alguns jornais fez as seguintes interessantes declarações.
«O “Paraná” era um belo barco, de 5.000 toneladas, possuindo excelentes qualidades náuticas, propriedade da florescente Companhia de Comércio e Navegação, do Rio. Várias viagens tinha feito nele, antes e depois da guerra, entre os portos brasileiros e os de Portugal e outras nações europeias e também aos países escandinavos. Na noite do torpedeamento, que foi a de 3 para 4 de Abril, o “Paraná” seguia de Santos e Rio de Janeiro para o Havre, com um carregamento de 93.000 sacas de café, arroz e feijão.
Eram umas onze horas e meia, perto da meia-noite. O navio seguia com marcha reduzida, a fim de chegar ao Havre de dia. Tinha feito uma viagem tormentosa, por causa do violentíssimo temporal, que nos sacudia implacavelmente, gelando-nos até aos ossos.
Quase toda a tripulação estava a dormir, fatigadíssima. Eu próprio dormia, e em tal estado de esgotamento, que tinha recomendado ao imediato todo o cuidado, dizendo-lhe que me sentia impossibilitado de dar boa conta de mim. Havia quatro dias que não me deitava.
De repente, uma explosão formidável abalou o navio. Íamos a umas dez milhas da povoação francesa de Barfleur. O pirata atingira o “Paraná” na casa das máquinas, tomando por alvo exactamente o letreiro iluminado, em que se lia Brasil.
A tripulação ergueu-se em pânico. Compreendera, instintivamente, do que se tratava. Foram alguns minutos de pavor, que não podem descrever-se; o temporal rugindo à nossa volta, a água invadindo o barco e este completamente às escuras, porque a primeira consequência do torpedeamento fora a destruição da instalação eléctrica.
Levantei-me à pressa e subi ao convés, impondo serenidade à tripulação. Num momento foram arriadas as baleeiras – as baleeiras que escaparam, porque algumas delas levara-as o mar, reduzidas a estilhas pela explosão. Nesse instante distinguimos, à distância, umas luzes e chegamos a supor que pertencessem a qualquer barco que viesse em nosso socorro. A ilusória esperança durou pouco. Cinco tiros, disparados sucessivamente contra o “Paraná”, vieram mostrar-me que quem velava ao largo era ainda o pirata boche, cuja silhueta alguns dos meus homens, mais finos de vista, conseguiram distinguir.
Sem esperança de socorro, fizemo-nos ao mar, seminus, dentro das baleeiras. O “Paraná” agonizava, investido pela água; ao fim de 25 minutos tinha desaparecido por completo.
Entretanto dava-mos balanço aos nossos homens. Faltavam o maquinista, o fogueiro e o chegador, que supomos tenham sido atingidos pela explosão. Apenas nos recordamos ter visto o último, no convés, arrastando-se penosamente. Calculamos que ficasse ferido, impossibilitado de se salvar ou de ser salvo pelos camaradas, devido à treva que nos envolvia. Muitos outros homens apresentavam ferimentos e queimaduras. Eu próprio me ferira na ocasião em que, depois de ter arriado a minha baleeira, saltei para dentro dela, de grande altura.
Doze horas andamos sobre as águas, à mercê das ondas, quase nus e com as pernas hirtas, por causa do frio. Ao fim dessas doze horas nenhuma esperança de salvamento nos restava. O mar estava cada vez mais encapelado e os homens já não tinham forças para esgotar a água das baleeiras. Do submarino que nos torpedeara não tornamos a ter notícia. O pirata afastara-se tranquilamente, porventura convencido de que, dos náufragos do “Paraná”, já não havia sobre as águas fôlego vivo.
Finalmente, cerca do meio-dia, fomos carinhosamente recolhidos por dois torpedeiros franceses e um navio inglês, que nos conduziram a Cherburgo. Não esquecerei nunca a solicitude com que nos trataram, tanto a bordo como na hospitaleira terra francesa, onde fomos procurar abrigo durante 18 dias.
Não esquecerei também o procedimento irrepreensível da Companhia proprietária do navio, que, apenas recebeu o meu telegrama, informando-a do sucesso, deu todas as providências em nosso favor, abrindo créditos ilimitados, fazendo, enfim, com que nada nos tenha faltado durante a nossa dolorosa peregrinação.»
In (jornal “Comércio do Porto”, de 3 de Maio de 1917)
Durante o percurso de Vigo para a capital, o capitão José da Silva Peixe passou pelo Porto, tendo ficado hospedado por alguns dias no Hotel Aliança. Natural de Ílhavo, não quis perder a oportunidade de visitar alguns familiares residentes na cidade, antes de seguir viagem para Lisboa. Parco em declarações, lamentou contudo terem ainda ficado hospitalizados em Vigo alguns dos seus tripulantes, em processo de tratamento e recuperação dos ferimentos recebidos durante e logo após o ataque do submarino alemão.
«O “Paraná” era um belo barco, de 5.000 toneladas, possuindo excelentes qualidades náuticas, propriedade da florescente Companhia de Comércio e Navegação, do Rio. Várias viagens tinha feito nele, antes e depois da guerra, entre os portos brasileiros e os de Portugal e outras nações europeias e também aos países escandinavos. Na noite do torpedeamento, que foi a de 3 para 4 de Abril, o “Paraná” seguia de Santos e Rio de Janeiro para o Havre, com um carregamento de 93.000 sacas de café, arroz e feijão.
Eram umas onze horas e meia, perto da meia-noite. O navio seguia com marcha reduzida, a fim de chegar ao Havre de dia. Tinha feito uma viagem tormentosa, por causa do violentíssimo temporal, que nos sacudia implacavelmente, gelando-nos até aos ossos.
Quase toda a tripulação estava a dormir, fatigadíssima. Eu próprio dormia, e em tal estado de esgotamento, que tinha recomendado ao imediato todo o cuidado, dizendo-lhe que me sentia impossibilitado de dar boa conta de mim. Havia quatro dias que não me deitava.
De repente, uma explosão formidável abalou o navio. Íamos a umas dez milhas da povoação francesa de Barfleur. O pirata atingira o “Paraná” na casa das máquinas, tomando por alvo exactamente o letreiro iluminado, em que se lia Brasil.
A tripulação ergueu-se em pânico. Compreendera, instintivamente, do que se tratava. Foram alguns minutos de pavor, que não podem descrever-se; o temporal rugindo à nossa volta, a água invadindo o barco e este completamente às escuras, porque a primeira consequência do torpedeamento fora a destruição da instalação eléctrica.
Levantei-me à pressa e subi ao convés, impondo serenidade à tripulação. Num momento foram arriadas as baleeiras – as baleeiras que escaparam, porque algumas delas levara-as o mar, reduzidas a estilhas pela explosão. Nesse instante distinguimos, à distância, umas luzes e chegamos a supor que pertencessem a qualquer barco que viesse em nosso socorro. A ilusória esperança durou pouco. Cinco tiros, disparados sucessivamente contra o “Paraná”, vieram mostrar-me que quem velava ao largo era ainda o pirata boche, cuja silhueta alguns dos meus homens, mais finos de vista, conseguiram distinguir.
Sem esperança de socorro, fizemo-nos ao mar, seminus, dentro das baleeiras. O “Paraná” agonizava, investido pela água; ao fim de 25 minutos tinha desaparecido por completo.
Entretanto dava-mos balanço aos nossos homens. Faltavam o maquinista, o fogueiro e o chegador, que supomos tenham sido atingidos pela explosão. Apenas nos recordamos ter visto o último, no convés, arrastando-se penosamente. Calculamos que ficasse ferido, impossibilitado de se salvar ou de ser salvo pelos camaradas, devido à treva que nos envolvia. Muitos outros homens apresentavam ferimentos e queimaduras. Eu próprio me ferira na ocasião em que, depois de ter arriado a minha baleeira, saltei para dentro dela, de grande altura.
Doze horas andamos sobre as águas, à mercê das ondas, quase nus e com as pernas hirtas, por causa do frio. Ao fim dessas doze horas nenhuma esperança de salvamento nos restava. O mar estava cada vez mais encapelado e os homens já não tinham forças para esgotar a água das baleeiras. Do submarino que nos torpedeara não tornamos a ter notícia. O pirata afastara-se tranquilamente, porventura convencido de que, dos náufragos do “Paraná”, já não havia sobre as águas fôlego vivo.
Finalmente, cerca do meio-dia, fomos carinhosamente recolhidos por dois torpedeiros franceses e um navio inglês, que nos conduziram a Cherburgo. Não esquecerei nunca a solicitude com que nos trataram, tanto a bordo como na hospitaleira terra francesa, onde fomos procurar abrigo durante 18 dias.
Não esquecerei também o procedimento irrepreensível da Companhia proprietária do navio, que, apenas recebeu o meu telegrama, informando-a do sucesso, deu todas as providências em nosso favor, abrindo créditos ilimitados, fazendo, enfim, com que nada nos tenha faltado durante a nossa dolorosa peregrinação.»
In (jornal “Comércio do Porto”, de 3 de Maio de 1917)
Durante o percurso de Vigo para a capital, o capitão José da Silva Peixe passou pelo Porto, tendo ficado hospedado por alguns dias no Hotel Aliança. Natural de Ílhavo, não quis perder a oportunidade de visitar alguns familiares residentes na cidade, antes de seguir viagem para Lisboa. Parco em declarações, lamentou contudo terem ainda ficado hospitalizados em Vigo alguns dos seus tripulantes, em processo de tratamento e recuperação dos ferimentos recebidos durante e logo após o ataque do submarino alemão.
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