domingo, 3 de junho de 2012

A vila de Azurara


Factos históricos

Tenho vindo a percorrer os caminhos da nossa história marítima, com imensa curiosidade e a constante preocupação de a cada dia que passa saber mais, cavar mais fundo no árduo percurso das rotas traçadas a ocidente. Nada disto é fácil, pelo facto do espólio marítimo ter desaparecido conjuntamente com a Casa da India, no dia 1 de Novembro de 1755, correspondente ao terramoto que assolou e destruiu parcialmente Lisboa.
Resta outro tipo de informação, que deve ser valorizado em função do interesse que mantemos em relação às primeiras zonas portuárias e de construção naval, quantas vezes negligenciadas, omitidas e esquecidas. É por esse motivo, que transcrevo um texto de I. de Vilhena Barbosa, que julgo merecer a publicação no blog, pela capacidade de dar a conhecer pormenores do nosso passado nortenho e simultaneamente informar elementos de consulta, de molde a que novos estudos ou pesquisas possam ter lugar, para uma melhor divulgação da nossa memória colectiva. No caso presente, a proposta foi e ainda é conhecer Azurara, junto ao Ave, nas terras de Vila do Conde.

Igreja Matriz de Azurara - Imagem Wikipédia

Iª parte

A origem desta povoação e os seus primeiros progressos estão ainda envolvidos nas trevas da remota antiguidade.
Dizem que por ocasião de se reconstruir, com mais largueza, a sua igreja matriz, nos princípios do século XVI, se descobrira um cipó e outras pedras romanas com seus lavores. Desta descoberta houve quem quisesse tirar argumento para demonstrar a existência, outrora, de uma cidade romana naquele lugar. Não achamos mencionado aquele facto por qualquer autor contemporâneo, não obstante ser uma época de florescência para as letras, e em que um distinto escritor se dedicou diligentemente ao estudo das antiguidades pátrias, coligindo em corpo de volume todos os monumentos epigráficos descobertos no reino, de que teve conhecimento (1).
Se com efeito ali existiu uma cidade romana, o seu nome e os seus anais jazem ocultos e ignorados sob o pó dos séculos. O que é certo, é que a povoação actual é muito anterior à fundação da monarquia portuguesa, e parece que não se viu a entrada triunfante dos povos setentrionais, que destruíram o império dos Césares, pelo menos teve princípio sob o ceptro dos reis suevos, pois que desse tempo datam as suas mais antigas memórias, embora escassas e confusas para a contextura da história.
O conde D. Henrique de Borgonha e sua mulher, a rainha D. Teresa, deram-lhe foral com muitos privilégios e o título de vila no ano de 1102 ou 1107. Esta proeminência é prova de que nesse tempo já era povoação importante e por conseguinte bastante antiga.
Em 1213 foi-lhe confirmado este foral por el-rei D. Sancho II, estando em Santarém; provavelmente por lhe ser contestado algum dos privilégios concedidos pelo conde D. Henrique, ou para lhe acrescentarem outros, pois que eram estas razões, quase sempre, que determinavam a confirmação dos antigos forais.
Variam as opiniões sobre a etimologia do seu reinado. O padre Carvalho na «Corografia Portuguesa», o padre Luís Cardoso no «Dicionário Geográfico» e ainda outros escritores pretendem que a vila tira o seu nome da pedra de ara da sua primeira igreja matriz, que por ser azul, cor que outrora era geralmente denominada «azur», dera origem a chamar à terra «Azur ara».
Por diferentes motivos, que por brevidade são omissos neste texto, esta opinião apesar de ter por si alguma plausibilidade, carece de fundamento bastante, não faltando argumentos para a contradizer.
Afigura-se possível ao sr. Pinho Leal, no seu mui curioso «Portugal, antigo e moderno», “que tivesse aqui havido alguma ara céltica (dólmen), cuja pedra fosse azul ou azulada e que desse o nome à povoação. Também não nos parece aceitável esta conjuntura, por não haver em toda a província pedra que não seja granito ou lousa. Como todos sabem esta é negra e exposta ao tempo toma a cor dos líquens, que sobre ela vegetam, menos a azul, que não se encontra em tais plantas parasitas. O granito ou enegrece, ou se cobre dos mesmos líquens.
Dizem outros escritores que o nome da vila proveio dos muitos azureiros, que em tempos muito remotos cresciam em torno dela e nos lugares mais próximos. Esta árvore é indígena no nosso país e conhecida dos botânicos com a denominação de «prunus lusitanica», e nas aldeias do Minho são chamadas mais comummente de «azurelines». É esta a etimologia que nos parece reunir maiores probabilidades; sobre tudo, se considerarmos que há no reino e nas ilhas adjacentes muitas povoações, que devem o seu nome a árvores ou arbustos que assombravam o solo, em que foram edificadas, ou que nasciam e se desenvolviam espontaneamente em torno dos seus muros. Citaremos em prova Azambujeira e Azambujal, Ameixoeira, Almagreira, Amial, Olivais (junto a Lisboa), Azinhal, Aveleira, Alecrineira (no Algarve), Abrunheira (cidade do Funchal, na ilha da Madeira) e muitas outras. Enfim, encontra-se a vila de que tratamos em várias escrituras antigas com os nomes de Zurara, Zureira e Azureira.
(1) André de Resende, no seu «Libri quatuor de antiquitatibus Lusitaniae»
=== continua ===

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