domingo, 10 de junho de 2012

Sinistro no Brasil


O naufrágio da barca “Margareth Wilkie”, na Paraíba

Hoje, dia de Portugal e das comunidades, viajo de regresso ao Brasil, país onde tenho encontrado um alargado número de naufrágios de navios portugueses, de tipo tão diverso e abrangente, que contempla desde pequenos iates até barcas de consideráveis dimensões. Desta feita vou aproveitar o relato de uma notícia publicada no “Jornal do Recife”, com data de 24 de Março de 1877, relativamente ao naufrágio de uma barca inglesa, cujos pormenores justificam a transcrição desta curiosíssima ocorrência marítima.

O vapor "Pirapama" (no seu aspecto inicial - 2 chaminés e velame)
Desenho de Luís Filipe Silva, 2010
Navio de cabotagem, da Companhia Pernambucana de Navegação Costeira, Recife, tinha uma arqueação bruta de 312 tons., com cerca de 50 metros de comprimento.

Pelo vapor “Pirapama”, entrado ontem no porto de Recife, procedente do norte, chegaram informações a respeito do naufrágio da barca inglesa “Margareth Wilkie”, sucesso que teve lugar nas Rocas, nas proximidades de Paraíba.
O sinistro deu-se às 7 horas da noite do dia 12 de Março. Ao meio-dia o navio achava-se em frente à ilha de Fernando de Noronha, navegando com vento bonançoso, e sete horas depois pegara pela popa a um dos cabeços dos recifes, que formam os escolhos chamados «Rocas», partindo-se-lhe o leme, abrindo água e metendo de proa. A tripulação reconhecendo não ser possível salvar o navio, tratou de abandoná-lo e foi numa lancha e num bote ter ao porto de Macau, no Rio Grande do Norte, onde embarcou no “Pirapama” para a Paraíba. Três dias depois do naufrágio, no dia 15, passava à vista do navio encalhado o patacho alemão “Adonis”, em viagem de Bremen para Acarajú, e no intuito de prestar serviço aos náufragos da barca, se ainda estivessem a bordo, foi um bote do “Adonis” tripulado por três homens e o piloto a bordo da “Margareth Wilkie”, onde não encontraram pessoa alguma, e somente galinhas e papagaios, que estavam a morrer de fome.
Destes últimos levaram alguns no bote e trataram de voltar para o seu navio. Era já tarde; o dia começou a extinguir-se e dentro em pouco viram-se eles envolvidos pela noite e a grande distância do patacho, que não lograram alcançar. Debalde, de bordo do patacho alemão faziam sinais com fogos; não havendo no bote qualquer artefacto para corresponder, possibilitando ao navio ir ao seu encontro, foram-se afastando um do outro cada vez mais, e quando o dia seguinte surgiu já não se avistaram. Se a noite se tinha passado numa ansiedade angustiosa, os raios do dia traziam uma certeza aterradora.
Estavam no meio do oceano, sem saber onde, sem víveres de espécie alguma e nem água para beber. Em tão crítica situação tomaram a resolução de navegar para o lado onde julgavam encontrar terra, e com algumas bandeiras que casualmente haviam posto no bote, armaram uma vela que os remos aguentavam. Dois dias e duas noites navegaram assim e felizmente foram ter ao porto de Caiçara (actualmente «Caiçara do Norte», RN), onde tomaram o vapor “Pirapama”, que os trouxe para o Recife.
Para mitigar a sede que os devorava, quando no mar, mataram os papagaios e sugaram-lhes o sangue. É de crer que o “Adonis”, a cujo bordo só ficou o capitão, um marinheiro e dois rapazitos, arribe também ao Recife ou possa ter arribado a outro porto, pois não pode continuar a sua derrota com tão pouca gente. Que angustia também não terão eles sofrido, pensando nos companheiros! Entretanto, força é confessar, houve grande negligência, quando aparelharam o bote para se deslocaram à barca, em não botarem nele uma lanterna e uma vasilha com água, pois mais de uma vez estes casos tem-se repetido, e se tivessem consigo os meios necessários não teriam passado pelos sofrimentos que experimentaram, podendo dar graças à Providencia divina não haverem sucumbido.
O carregamento da “Margareth Wilkie” foi feito por comerciantes do Recife e montava em cerca de 100:000$000 réis. Navio e carregamento, tal qual se acham, já foram vendidos em leilão, na capital do Rio Grande do Norte por conta do seguro, pela quantia de 220$000 réis. Segundo consta o arrematador viajou também no “Pirapama”, para alugar em Recife uma barcaça, para ir a bordo ver o que ainda poderia salvar.
(In jornal “O Comércio do Porto”, sábado, 14 de Abril de 1877)

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