sábado, 26 de maio de 2012

Retratos históricos da Iª Grande Guerra Mundial


O afundamento do “Portugal”

O vapor "Portugal" - Gravura da Companhia

Construído em França, nos estaleiros da Messageries Maritimes, em Ciotat, durante o ano de 1886, para a companhia do mesmo nome, com sede em Paris, o paquete “Portugal” participou nas carreiras da emigração, com partidas de França para portos na América latina, no serviço identificado por linha do Brasil e do Rio da Prata. Depois de uma inúmera quantidade de vezes a cruzar a atlântico, dispondo dum registo bruto de 5.358 toneladas, o navio efectuou viagens ao redor da Europa, até ser aprisionado por tropas turcas no Mar Morto. Devolvido aos armadores franceses, o “Portugal” foi fretado ao governo Russo, tendo sido transformado e preparado para operar como navio-hospital.
A 30 de Março de 1916, quando se encontrava ancorado em Phatie, na área subjacente ao porto de Batum, situado no litoral a sudoeste do Mar Negro, pertencendo à República Autónoma da Geórgia, na posição 41º01’N 41º19’E, foi torpedeado pelo submarino alemão U-33, sob o comando do capitão Konrad Gansser.


À distância de quase 100 anos, dificilmente entenderemos se este foi mais um caso de erro ou crime de guerra, tratando-se de um navio hospital devidamente identificado. Agrava-se a circunstancia pela antecipada percepção, de que um ataque deste tipo iria causar um considerável número de vítimas, quer entre as equipas sanitárias, nos doentes, feridos e até mesmo na tripulação, porque foi exactamente o que se passou. Até à data não consegui entender, até que ponto estas situações foram ou não catalogadas como crimes de ódio, por se tratar de um ataque efectuado sem aviso prévio a uma unidade naval indefesa. Enfim, mais uma história do tempo da guerra, cuja triste lembrança talvez ajude a evitar que volte a acontecer.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Lugre Mentor 2º


O naufrágio ao largo da costa em Inglaterra

Imagem sem correspondência ao texto

Lugre "Mentor 2º"
 Iic.: H.D.J.L. – Reg.: Viana do Castelo – Arqueação: 227,235 m3

O naufrágio
No dia 7 de Janeiro de 1877, foi a pique na costa inglesa o lugre “Mentor 2º”, pertencente à praça de Viana do Castelo. Salvou-se a tripulação a bordo de outro navio que a encontrou. Este barco tinha saído do Porto em viagem para Nova-York, no dia 1 de Outubro de 1876.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 12 de Janeiro 1877)

Náufragos
Consta no Lloyds List de 9 de Janeiro, a seguinte notícia datada do dia 7 do corrente mês, com origem em Falmouth: A barca alemã “Hoffnung” desembarcou a tripulação da escuna portuguesa de três mastros “Mentor 2º”, procedente do Porto para Nova-York. O navio saiu do Porto no 1º de Outubro e tendo encontrado ventos fortes, perdeu todo o pano ficando desgovernado. Foi abandonado no dia 21 de Dezembro na lat. 33ºN e long. 37ºW.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 16 de Janeiro 1877)

Viana do Castelo, 17 de Fevereiro
Através de uma comunicação feita ultimamente, são já do conhecimento alguns dos detalhes relativos ao naufrágio do lugre “Mentor 2º”, pertencente à praça de Viana. Este navio havia saído do Porto para Nova-York no 1º de Outubro último, sofrendo desde a saída do rio Douro temporais de oeste e de sudoeste, de que resultou faltarem cabos, panos e ferragens, abrindo finalmente água. Ainda assim puderam chegar à latitude 35º norte e longitude 71º a oeste de Greenwich, mas em 8 de Dezembro foram obrigados a correr à discrição do tempo, aumentando a água a cada dia, a ponto de não ser já possível retirá-la de bordo por falta de forças. Em 21 de Dezembro, nos 33º de latitude e numa longitude ainda a oeste de Greenwich, encontraram a barca alemã “Hoffnung”, que tinha saído do Rio de Janeiro com destino a Falmouth, à qual pediram socorro às 8 horas da manhã, e feitos todos os esforços para os salvar, só o conseguiram às 2 horas da tarde. Nesta ocasião já o “Mentor 2º” estava muito afundado e a sua tripulação, composta de 10 pessoas, já com as forças gastas no incessante esgoto do navio. O mar estava muito picado e do navio nada foi possível salvar. A “Hoffnung” conduziu a tripulação do “Mentor 2º” a Falmouth, onde foi desembarcada.
(In jornal “Comércio do Porto”, seg.-feira, 19 de Fevereiro 1877)

Voto
Celebrou-se anteontem em Aveiro, na capela do Senhor das Barrocas, uma missa cantada a instrumental, em cumprimento de um voto feito pela tripulação do lugre “Mentor 2º”, por ter sido salva nas costas de Inglaterra. Foi orador o sr. João da Rocha Lemos, de Ílhavo. O piloto e alguns marinheiros, andaram no Domingo pelas ruas daquela cidade com a vela do navio, pedindo esmola, para o cumprimento do voto, que, num momento supremo de angustia e desespero, invocando o Senhor Jesus das Barrocas, lhe prometeram fervorosos!
(In jornal “Comércio do Porto”, qta.-feira, 22 de Fevereiro 1877)

domingo, 20 de maio de 2012

Ainda sobre a corveta-couraçada Vasco da Gama


A história de um dia de azar...

A corveta-couraçada "Vasco da Gama"
Postal ilustrado - minha colecção

Muito honestamente não estava ainda previsto voltar a falar sobre o célebre “Pimpão”, todavia porque neste mesmo dia, em 1488, o grande navegador Vasco da Gama aportava a Calcutá, na Índia, aproveito a oportunidade para relatar mais uma ocorrência, que a imprensa da época relatou pelo caricato do acontecimento, justificando o seu quê de imprevisto.
Referi a propósito detalhes da viagem da corveta couraçada “Vasco da Gama”, desde a sua entrega pelo estaleiro inglês, até à chegada do navio ao rio Tejo. Por lá deveria manter-se amarrada, pois em caso de agressão bélica por eventual potencia estrangeira, o navio estaria posicionado no local certo, para colaborar na protecção e defesa da cidade de Lisboa.
Seria porventura exagerado pensar, que o melhor e mais bem equipado navio de guerra português, ficasse no Tejo eternamente à espera da guerra, pelo que logicamente depois de terminado o período de experiências, cumpriu o objectivo de ser colocado a navegar, tendo por isso mesmo regressado ao mar.
Mas qual infelicidade à primeira passagem pela barra de Lisboa, o navio tocou com o casco em zona rochosa, pelo que logo sofreu avarias, provadas ser de pouca gravidade pelo facto de estar construído com fundo duplo, podendo continuar a navegar até ver chegada a hora das necessárias reparações.
Obviamente o caso foi largamente comentado, tendo sido aberto um rigoroso inquérito às causas do sinistro e à falta de melhor responsável pelo acidente, o distinto estado-maior da Armada decidiu atribuir as culpas ao piloto da barra, que por esse motivo foi suspenso das suas funções e regalias durante vários meses.

Este é portanto o princípio da história, que vai ser complementada com a notícia do jornal, que dá o navio a chegar ao Arsenal de Marinha, onde viria a ser vistoriado e reparado, como segue:
« Já está no dique o couraçado “Vasco da Gama”, para concertar a avaria que sofreu ao sair a barra. A avaria é no talão da pilha da vante, na extensão de 5 metros. A pancada foi tão forte que o ferro, que é de grande espessura torceu e quebrou naquela extensão. Podia ter havido grande prejuízo, porque foi exactamente no sítio em que acaba o segundo fundo do navio.
Agora que o couraçado está no dique é que se vê quão ridícula é a figura de proa, representando o nosso grande navegador. É um boneco mal feito, de uma cor escura e para que o artista não quisesse deixar dúvidas da sua incapacidade, até lhe pôs ao peito a grande cruz da Torre e Espada!
Se isto era inadmissível em Inglaterra, é impossível aceitá-lo em terra portuguesa, situação amplamente agravada por tratar-se duma altura em que o navio tem sido muito visitado por oficiais superiores, da esquadra inglesa fundeada no Tejo. »
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 3 de Fevereiro de 1877)

Posto isto, lamento não conseguir perceber através da imagem disponível se a figura de proa de Vasco da Gama foi entretanto mantida ou retirada do navio. Mas com figura de proa ou não, como acontecem múltiplas situações que ultrapassam de longe a minha compreensão, realmente neste país tudo pode acontecer…

P.s.- Depois do texto concluído e publicado, saiu nos jornais uma nova notícia referente ao mesmo assunto, que informa da incapacidade do navio poder ser reparado em Lisboa, pelo que se revelou indispensável o regresso do navio a Inglaterra, eventualmente até ao estaleiro da empresa construtora, onde foi reparado.

Em aditamento à noticia anterior confirmou-se a saída da corveta-couraçada "Vasco da Gama" para Londres no dia 25 de Fevereiro, transportando a bordo um grupo de técnicos e operários do Arsenal de Marinha, para assistirem, aprenderem e colaborarem na referida reparação. Na viagem para norte, o navio escalou o porto de Vigo no dia 26, para meter carvão (isto faz-me pensar que já naquela altura o combustível em Espanha era mais barato!), seguindo viagem acto contínuo.
Notícias vindas de Inglaterra a 23 de Março davam o navio como reparado, tendo nessa altura sido transferido de uma doca-seca para uma doca-molhada, onde foi possível conferir da estanquicidade do casco. As melhores previsões apontavam para a chegada a Lisboa, durante os primeiros dias do mês de Abril.

terça-feira, 15 de maio de 2012

A linha de carga de Samuel Plimsoll


O bordo livre

O conceito de bordo livre resultou da necessidade de estabelecer uma linha de flutuação máxima a que o navio pudesse operar em condições de segurança, dotando-o, por um lado, de adequada reserva de flutuabilidade, por outro, assegurando a eficiência da sua estrutura para operar ao referido calado.
Bordo livre é a distância vertical da face superior do convés à borda, incluindo revestimento, à linha de flutuação máxima, medido a meio navio. Em certos navios, nomeadamente nos tipos “shelter-decker” (infelizmente já não se veem muitos) e de passageiros, o bordo livre legal pode ser medido não em relação ao convés, mas sim a um pavimento inferior, ficando neste caso o bordo livre real em excesso do mínimo legal.
A obrigatoriedade de atribuição de bordo livre é estabelecida para todos os navios, excepto navios de guerra, navios de comprimento inferior a 24 metros, barcos de recreio e navios de pesca. Não sendo abrangidos pela Convenção, para estes últimos o bordo livre deve ser tal que o navio em todas as condições de serviço previstas:
a) Cumpra o critério IMCO de estabilidade;
b) Apresente segurança adequada para o pessoal;
c) Disponha de meios estanques que impossibilitem a entrada de água para os espaços fechados.


História

A necessidade de estabelecer uma linha de flutuação máxima para um navio remontará aos primórdios da navegação comercial. Dum lado o interesse económico a pressionar os armadores a carregar os navios o mais possível; do outro, a segurança do navio, tripulação e carga, a pressionar no sentido inverso.
Na ausência de quaisquer normas, a solução do problema era deixado à intuição e experiencia dos capitães. A intensificação da navegação comercial depressa levou à necessidade de serem estabelecidas normas que impedissem os navios de ser carregados exageradamente: são conhecidos os inúmeros naufrágios de navios portugueses no comércio da Índia.
Esta necessidade começou então a ser timidamente atacada, e neste contexto é interessante referir o primeiro regulamento conhecido sobre linhas de carga: “… mando aos mestres que fizeram as ditas naus, assim neste reino, como na Índia, ponham quatro cavilhas, duas de cada banda em proa e em popa, nas partes onde lhes parecer, para que até ali se carregue a dita nau e se meta debaixo de água não passando da dita cavilha e sinal…” (sistema dos Regimentos, tomo 6º, pág.23, de Fevereiro de 1604, no regimento sobre se não carregarem as naus da Índia).
Posteriormente a Inglaterra veio a liderar o processo: a primeira atribuição de bordo livre conhecida, entrou no Livro de Registo da Lloyds em 1774, sem no entanto haver referencia a quaisquer regras para a sua determinação. As etapas seguintes, nas primeiras décadas do seculo XIX, consistiram em estabelecer regras que exprimiam o bordo livre em função da altura do porão: 2 a 3 polegadas por pé de altura do porão. 
Mais tarde, em 1867 a Institution of Naval Architects reconheceu o interesse de incluir o comprimento como parâmetro interveniente no cálculo do bordo livre. Uma Comissão Real Britânica coordenada por Samuel Plimsoll abordou o problema em 1874, estabelecendo normas definidas para atribuição do bordo livre, normas estas que foram tornadas Lei. Os desenvolvimentos sequentes fundamentaram-se nos princípios seguintes: (i) existência de um volume de reserva acima da linha de água, numa proporção mínima do volume imerso; (ii) altura mínima da “plataforma” exposta; (iii) construção solida do navio e meios eficazes de fecho de todas as aberturas expostas.
O assunto passou a constituir matéria de Lei para os diversos países, sendo a breve trecho evidente a necessidade de estabelecer critérios uniformes. É esta necessidade que está na base da Convenção de Linhas de Carga de 1930, que foi o culminar de um longo processo de tentativas de uniformização. A evolução da construção naval, tanto no aspecto do projecto como de produção, aumentou significativamente a integridade dos navios à intempérie.
Assim, nova Convenção sobre Linhas de Carga teve lugar em Londres, em Março de 1966. Esta Convenção foi subscrita por Portugal, e está concretizada na Lei interna do País através do decreto-lei nº 49.209 de 26 de Agosto de 1969. Actualmente as Sociedades Classificadoras são também entidades reconhecidas pelas autoridades para atribuição dos bordos livres.
(In Cabral, José Paulo F. Saraiva, Arquitetura Naval (estabilidade, cálculos, avaria e bordo livre), Centro do Livro Brasileiro, Lisboa, Abril de 1979
 

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Há sempre uma primeira vez...


As mais recentes escalas de navios de cruzeiros


Leixões recebeu neste último Domingo, dia 13, a primeira escala em porto do navio “Seabourn Sojourn”, com registo nas Bahamas, arqueando 32.346 toneladas de registo bruto, com 198,19 metros de comprimento. Chegou procedente de Lisboa, tendo entrado no porto pelas 7 horas da manhã e saído pelas 16 horas com destino à Corunha.


Na mesma data, regressou a Leixões em escala regular e já pela segunda vez este ano o navio “Saga Ruby”, registado em Malta, arqueando 24.492 toneladas de registo bruto, com 191,09 metros de comprimento.


Este paquete que é ainda um dos meus navios preferidos, entrou no porto pelas 6 horas e 15 minutos da manhã, procedente de Casablanca, tendo saído pelas 16 horas e 30 minutos com destino ao Ferrol.

sábado, 12 de maio de 2012

A arqueação de navios


O sistema “Moorsom”

A arqueação é a medida do volume interno de uma embarcação. A arqueação de cada navio compreende a arqueação bruta e a arqueação liquida. Actualmente, as medidas de arqueação internacionalmente em vigor consistem em valores dimensionais obtidos por formulas de cálculo onde entram os volumes expressos em metros cúbicos, o número de passageiros, o pontal e a imersão de cada navio.
A antiga arqueação - segundo o Sistema Moorsom, que vigorou até 1994 - era medida em toneladas de arqueação (equivalentes a 100 pés cúbicos ou 2,83 metros cúbicos), sendo por isso também referida frequentemente como "tonelagem de arqueação" ou simplesmente "tonelagem". A utilização do termo "tonelagem" para designar a nova arqueação é tecnicamente incorrecta.
Como é referida frequentemente como "tonelagem" (termo normalmente associado à tonelada de massa), a arqueação é muitas vezes confundida com uma medida de massa ou de peso. O termo refere-se contudo ao tonel, uma antiga unidade de medida de volume. Assim, tanto a arqueação antiga como a actual são exclusivamente medidas de volume. A massa e o peso dos navios são expressos por deslocamento e pelo porte.
(Wikipedia)

Conforme se refere acima, também as novas normas definidas relativamente ao sistema “Moorsom”, foram estudadas por uma comissão nomeada pelo governo português, durante o ano de 1876, com a prorrogativa de apresentar sugestões alternativas para serem utilizadas no país. Todavia, de acordo com a notícia que abaixo se transcreve, a aceitação das normas a nível internacional, foram seguramente a alavanca que viria a servir de base à homologação da lei, que acto contínuo passou a vigorar em Portugal.

Foi nomeada em tempos uma comissão composta pelos srs.: presidente, conselheiro Palmeiro Pinto; major de artilharia, Venancio Costa; capitão-tenente, J.J. de Almeida; engenheiro naval, Cassiano Marques; chefe de serviço da alfândega de Lisboa, Nuno Porto; agente consular, Hucthins e relator secretário, Schiappa de Azevedo, chefe da repartição de minas.
Esta comissão fora encarregada de examinar a legislação pátria e estrangeira sobre arqueação e medição de embarcações e propor um novo sistema de serviço. A comissão entregou ontem os seus trabalhos, que serão decerto aproveitados. A sua opinião é que seja adotado o sistema inglês “Moorson”, com a modificação de referir a capacidade dos navios em unidades equivalentes ao sistema métrico decimal. Deste modo a arqueação será feita por um processo geométrico, pelo qual se calculará com rigor matemático o volume inteiro de qualquer navio.
Entre o método actualmente empregado e o que vai ser adotado, não há que hesitar, sendo a preferência pelo segundo. Parece que ao método em uso se deve em grande parte certo número de naufrágios, pois que os construtores viciam a forma dos navios, com o intuito fraudulento de acrescentar carga sem aumento proporcional de direitos. Parece que a respeito desta circunstância mais de uma vez houvera reclamações. O novo método proposto está adotado com mais ou menos modificações de pouca importância nas principais nações marítimas.
(In jornal “Comércio do Porto”, de 28 de Dezembro de 1876)

terça-feira, 8 de maio de 2012

De regresso a Sesimbra...


…a pensar que já tinha visto tudo.

Mas afinal não vi! Faltava-me ver uma traineira preparada para levantar voo, num registo de imagem do fotógrafo Américo Ribeiro, de Setúbal e, recentemente encontrada pelo amigo José Leite e publicada no seu excelente blog “Restos de colecção”.
Pelo ar descontraído da companha a bordo da traineira “Marbelo”, a situação apresenta-se isenta de perigo dum eventual lançamento no espaço. Devo portanto especular sobre uma muito provável distração, que deixou o navio pendurado num cavalete natural, certamente motivado pela descida das águas durante uma maré de amplitude considerável. Situação passível de recurso, 6 horas pelo menos, a “Marbelo” terá recuperado na maré seguinte a flutuação e a navegabilidade, que permitiu abraçar os desígnios previstos na sua construção, comtemplando o regresso ao mar, para umas quantas horas de pesca. E uns bons anos de azafama diária.

A traineira "Marbelo" na fictícia rampa de lançamento!

Mas que a foto, a merecer as nossas felicitações ao autor, tem o seu quê de extraordinário, lá isso tem. Lá pelos anos da década de 50, onde a calma e a tranquilidade do mar, propõe momentos para arrumar a palamenta e pôr as conversas em dia, enquanto a água volta para ocupar o seu lugar.
A “Marbelo” como a imagem sugere era uma traineira pequena construída pelo mestre construtor Manuel Chagas Ferreira, em Sesimbra, durante o ano de 1951. Foi seu proprietário o sr. Diocleciano Lúcio Rodrigues, que a registou na capitania de Sesimbra, em 1954, para a pesca (da sardinha?) com rede de cerco, tendo recebendo a matrícula SB-703-C. Arqueava 17,48 toneladas de registo bruto e 6,61 toneladas de registo líquido. As dimensões eram 14,55 metros de comprimento fora a fora, 12,15 metros de comprimento entre perpendiculares, 3,99 metros de boca e 1,30 metros de pontal. Utilizava um motor diesel da marca Lister, com 60 cavalos de potência e não sei que velocidade poderia atingir; mas isso agora também não me parece merecer grande relevo.
Outro sim terá deixado muita gente satisfeita e feliz com inúmeras sardinhadas e inimagináveis caldeiradas, lamentando por motivos óbvios a minha ausência do local de eleição que é Sesimbra, por força da distância a que me encontro…

sábado, 5 de maio de 2012

Essa gente do meu país...


O naufrágio da barca norueguesa “Chanticleer”,
próximo a Sesimbra

Quanto se viaja pelos jornais, antigos e actuais, somos confrontados com a leitura de notícias com tanto de inesperado, como de surpreendente. No capítulo dos naufrágios, encontramos um pouco de tudo; casos de negligência, abandono ou resignação por um lado, confrontam-se com situações de absoluto heroísmo, imperando quase sempre uma profunda admiração entre todos aqueles, com fortes vínculos de ligação ao mar.
Não é por acaso que nas principais fileiras do socorrismo marítimo, encontramos principalmente gente da classe piscatória, cuja abnegação e altruísmo ignora todas as fronteiras da raça e nacionalidade. Há também casos espontâneos de infinita coragem, quantas vezes com total desprendimento pelas suas vidas, naqueles momentos em que o amor pelo próximo faz toda a diferença.
O relato que se segue, quando dele tive conhecimento encheu-me de orgulho. Acho que uma boa parte de nós admira a força e o caracter dos gigantes do mar, cujos nomes perduram em estátuas próximo às principais praias, onde a actividade marítima existiu com maior intensidade. Lembro-me dos mais importantes; de Paço de Arcos, do Porto, da Póvoa de Varzim, de Leixões e de outros locais, onde os seus nomes são velados com profundo respeito. E imagino simultaneamente um largo número de anónimos, que tão-somente o acaso propiciou que os seus nomes ficassem conhecidos.
Quase todos eles gente do mar, essa gente do meu país…

Imagem sem correspondência ao texto

Naufrágio
Pelas 9 horas da manhã do dia 12, naufragou no sítio do Cabo de Ares um navio norueguês, com carregamento de madeira e 10 pessoas de tripulação, morrendo o capitão e um outro tripulante. Nada se salvou da carga. Os tripulantes que sobreviveram, havia dois dias que não comiam e estavam quase nus. (In jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 16 de Novembro de 1876)

Barca norueguesa
A barca norueguesa naufragada em Sesimbra chama-se “Chanticleer”. Era seu comandante M. Blissing. O navio seguia de Wiborg para Cette e conduzia carga de madeira. Dos seus 10 tripulantes estavam salvos 8. Não apareceu o corpo do comandante, mas há esperança que se pudesse ter salvo numa concavidade da rocha, onde não é possível ir por causa do mau tempo. Quem sabe se poderá vir a morrer de frio e de fome?! (In jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 17 de Novembro de 1876)
Barca “Chanticleer”
A caridade, que pertence a todas as religiões, não é atributo exclusivo dum povo, como não é o valor, nem a bravura, nem nenhuma dessas altas qualidades que exaltam e enobrecem o homem.
Eis a descrição do terrível naufrágio e a história dos actos de valor praticados, por uns poucos de bravos: Foi na manhã de 13. O navio vinha com água aberta e sem mantimentos. Havia dois dias que os tripulantes não comiam. O mar era de vaga alterosa e o vento soprava rijo. O temporal açoutava o oceano com fúria insana e tornava inacessível a costa em todos os pontos, quando a tripulação, já sem forças para lutar por mais tempo, sentia o navio a submergir-se. De longe viam-se aqueles dez homens numa agonia enorme a suplicar o socorro do céu, por julgarem impossível o dos homens.
O capitão e mais três tripulantes arremessaram-se às ondas; mas a bordo ficavam ainda seis inteiramente abatidos pela fome e pela fadiga. Por entre os penhascos da margem corriam a presenciar aquela aflição, procurando em vão acudir-lhe, grupos de pescadores. Se eles pudessem ao menos lançar um cabo aqueles desgraçados! Mas a distância era longa e não havia força de braço que a vencesse. Lembraram-se dum meio: atirar um cordel amarrado a uma pedra; tentaram-no repetidas vezes, mas a pedra impelida pela força do vento caía na água; não chegava a bordo e o navio ia-se embebendo no abismo.
Então chegou a vez de fazer a sua tentativa um dos valentes daquelas companhas. Era Manuel da Silva «o Matuto», já experimentado em audácias semelhantes. Manuel tomou a pedra, fixou o alvo, ergueu o braço e arremessou o projectil com o maior impulso da sua força muscular e um grito de alegria saiu de todas as bocas; a pedra enfim caíra a bordo. Os aflitos náufragos agarraram-na com sofreguidão e amarraram um cabo ao cordel, que foi logo alado de terra pelos pescadores. Estava estabelecido o vai-vem. Os seis desgraçados agarraram-se a ele na ansia de quem salva a vida na crise suprema e partem de bordo, sulcando as vagas. Mas já quase chegados aos penedos da margem, o navio afunda-se e o vai-vem perde o apoio de bordo. Novo e iminente perigo.
Então o «Matuto» tocado por um febril entusiasmo que produz os grandes heroísmos, atira-se ao mar. Nada, braceja fortemente e consegue segurar o primeiro dos seis homens, nadando com ele para terra e rebocando os demais. Mas a luta era superior às forças e à coragem daquele Hercules. Iam então morrer todos os sete ali a poucos palmos de salvamento, sem que nada pudesse valer-lhes? Não. As acções generosas criam nobres estímulos.
Outro bravo das companhas da costa João Gomes «o Casado», joga a sua vida sobre a sorte dos outros sete. Atirou o corpo para cima das montanhas líquidas, no dorso das quais flutuavam já quase mortos os sete infelizes. Conseguindo agarrar valentemente o primeiro daquela enfiada humana, pode, ao fim de alguns minutos, firmar o pé em terra e pô-los a todos a salvo. Não se descreve a alegria daquela boa gente ao saudar, na sua linguagem rude e verdadeiramente fraternal, esta bela e heroica vitória.
A alguma distância dos lugares que serviam de cena a este dramático episódio, passava-se um lance mais extraordinário ainda deste doloroso drama marítimo, lance que constitui uma situação talvez nova nos tão variados anais dos naufrágios nas costas de Portugal. O capitão e outros 3 marinheiros haviam-se lançado ao mar, como dissemos; o primeiro dos marinheiros que havia acompanhado o seu capitão, não conseguiu vencer a fúria das ondas, abaixara a exalar aos seios do abismo os últimos alentos. O capitão lutava ainda, rasgadas as carnes e o fato pelas pontas das rochas. Ia também entregar a vida aos despotismos do oceano, seguir na morte o misero companheiro. Mas a providência divina velava por ele.
No alto de um rochedo encarpado, que se ergue a prumo por entre as águas, estava, mirando o espectáculo tremendo do naufrágio, um pobre pastor, o José Vitorino. O pastor vira saltar de bordo o capitão e o outro marinheiro; observara cheio de aflição a luta enorme dos dois náufragos, contra o poder dos elementos enfurecidos; doera-lhe a alma e estremecera-lhe o coração, ao ver afundar-se já moribundo o pobre marinheiro e tremera-lhe a ideia que o capitão ia ter igual sorte. Nisto, tomado de uma inspiração superior, mirou a voragem que se erguia aos pés e cego, alucinado pela sua própria aflição, ofereceu o seu corpo em sacrifício à providência pela salvação do desgraçado capitão norueguês. Nunca ninguém descera pelas escarpas da rocha? Seria ele o primeiro!
Deixou-se escorregar de ponta em ponta, de cavidade em cavidade e baixou como um ser fantástico ao amago da voragem. Na ponta da última pedra formou o pulo, deitou-se às águas, nadando para o náufrago, agarrando-o tendo seguido para as cavidades da rocha. O pastor portara-se como um herói. O capitão que perdera já os sentidos, tinha o corpo crivado de feridas e o fato todo despedaçado. José Vitorino amarrou-lhe os pés com a sua cinta, mas agora era preciso subi-lo para o alto do penhasco. Dois pescadores apareceram a querer coadjuvar esta nobilíssima acção. Eram o António Lopes e o Jerónimo António. Os três sob pesaram o corpo inerte do náufrago e fizeram uma ascensão de gigantes, por entre a eriçada fraga. Lá em cima, vestiram com a sua roupa o capitão e José Vitorino que uma segunda vez lhe dera a vida, deu-lhe todos os extremos da sua dedicação sublime.
Os outros dois marinheiros que se tinham lançado ao mar com o capitão, lutavam também com as ondas e a morte, quando porém, por sua vez, lhes apareceu um anjo salvador. Era o pescador António Francisco, que não quis, que não pode deixar de mostrar que aqueles nobres heroísmos são partilha de todos os pescadores da costa de Sesimbra.
O sr. Administrador do concelho de Sesimbra recomendou estes bravos à munificência régia.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 19 de Novembro de 1876)
Mercês honoríficas
Foram concedidas algumas mercês honoríficas e estrangeiras e a medalha de prata aos valentes Sesimbrenses, que com risco de vida salvaram os náufragos do navio norueguês, que foi a pique na costa de Sesimbra. Eis mais uma vez os seus nomes: Manuel das Dores, José Vitorino, Manuel da Silva «Matuto», António Francisco, José Gomes «o Casado», António Lopes e Jerónimo António. (In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 2 de Dezembro de 1876)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Efemérides


1480
O navegador Diogo Gomes, descobriu o arquipélago de Cabo Verde.
1841-1917

Imagem Wikipedia
Faleceu o vice-almirante Hermenegildo Carlos de Brito Capelo.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Ílhavo - Publicidade Institucional


Sabores da cidade...

A Câmara Municipal de Ílhavo propõe para este ano, quase duas semanas que prometem forte agitação marítima e cultural, tal como sugerem os cartazes publicitários abaixo representados. Será porventura um novo face a face com a história, com a cultura marítima e com a gastronomia local, bem ao gosto português. Será também o recordar de bons momentos bem passados na cidade, aproveitando o Agosto solarengo que se avizinha.

Agosto, 3 a 6, com sabor a mar...

Agosto, 15 a 19, com perfume pelo ar...

Muito seguramente, vamos-nos encontrar por lá...