Pelas autoridades marítimas está proibida a entrada em Leixões, na baixa-mar, aos navios que demandem mais de 20 pés.
O “Gelria” não entrou, desembarcando em Lisboa os passageiros destinados a Leixões.
Nos escritórios do Comptoir Maritime Franco Portugais reuniram-se ontem, sob a presidência do sr. Diogo Joaquim de Matos, os agentes das grandes linhas de navegação, para se ocuparem do encalhe dos paquetes “Ouessant” e “Bagé” e das suas consequências.
Estiveram representadas as seguintes casas: Comptoir Maritime Franco Portugais; Kendall, Pinto Basto & Cª., Lda.; Tait & Cª.; Orey Antunes & Cª., Lda.; Francis Dawson; Pinto & Sotto Mayor; Henry Burnay & Cª., Burmester & Cª.; W. Sruve & Cª.; Companhia Nacional de Navegação; e Garland, Laidley & Cª., Lda.
Por unanimidade, foi resolvido enviar ao presidente do senado, presidente da câmara dos deputados, presidente do conselho de ministros, ministro do comércio, deputados srs. dr. José Domingos dos Santos e dr. Joaquim de Matos o seguinte telegrama:
«Os abaixo assinados, representantes das linhas de navegação, altamente alarmados pelo constante assoreamento interior do porto de Leixões, consideravam que dentro de breves meses ficaria ele deserto por impossível ser aproveitado pela navegação transatlântica se dragagens não fossem realizadas, evitando assim a perda total do porto, o que representaria verdadeira desgraça para o norte de Portugal; porém, mais alarmados ficaram agora observando o paquete “Ouessant”, na ocasião da saída de Leixões, que por duas vezes encalhou precisamente entre as cabeças dos molhes, conseguindo safar-se por possuir duas hélices e potentes máquinas, sem o que naufragaria, ficando atravessado à entrada do porto, fechando-o a todo o movimento, e já hoje encalhou também o vapor “Bagé”, safando-se com dificuldade. Nesta conjuntura os signatários constatam que desde ontem Leixões não dá entrada senão a navios de reduzida tonelagem e vários paquetes estão já seguindo outros rumos por ser impossível efectuar operações aqui. Os signatários cumprem o doloroso dever de comunicar a V.Exa., que se urgentes medidas não forem tomadas sem perda de um só dia dando poderes públicos e auxílio imediato à Junta Autónoma para proceder a obras, fazendo dragagens imediatas na entrada do porto de Leixões, seguindo-se outras no interior do mesmo porto, será indispensável então suspender já toda a navegação por Leixões. Apresentamos a V.Exa., protestos toda a nossa consideração».
Foi nomeada uma comissão, composta pelos srs. Tait, Orey e Garland, para ir a Lisboa entender-se com o governo acerca de tão gravíssimo assunto.
Uma cópia do telegrama mencionado foi remetida às presidências da Junta Autónoma, Associação Comercial do Porto, Centro Comercial do Porto e Associação dos Armadores Fluviais.
Os agentes das Companhias que estiveram presentes à reunião conservam-se em sessão permanente.
Torna-se indispensável que o governo acuda à situação em que se encontra o porto de Leixões impedindo que constitua, como agora sucede, um perigo para a navegação. Trata-se dos mais altos interesses do Porto e norte do país, que não podem continuar a ser descurados como até aqui.
Também foi enviado o seguinte telegrama:
«Exmo. ministro do comércio – Lisboa – Associação Armadores Fluviais reunidos vendo altamente ameaçados os seus interesses com o assoreamento do porto de Leixões, que ficará imediatamente inutilizado se não se fizerem dragagens dentro e à entrada do porto, vem pedir a V.Exa., todo o auxílio seja imediatamente prestado a tão momentoso assunto, pelo risco iminente em que estamos de nos vermos abandonados pela navegação de que tanto necessitamos. – O 1º secretário da direcção, António F. Domingos de Freitas».
Sobre o porto de Leixões enviaram-nos as seguintes curiosas notas:
1 de Março de 1891 - «Muita gente em Leça e Matosinhos presenciando a entrada do primeiro vapor da Mala Real Inglesa, no porto de Leixões, onde podem entrar os maiores vapores, ainda que demandassem 60 pés».
1 de Março de 1923 - «Um vapor encalhado à entrada do porto, em 26 pés, e um vapor da Mala Real a seguir viagem para Lisboa».
É triste!
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 3 de Março de 1923)
O porto de Leixões
O acidente sucedido ante-ontem, à saída do porto de Leixões, com o vapor francês “Ouessant”, vem demonstrar mais uma vez a necessidade urgente de serem dadas às obras do porto a atenção que a sua manifesta importância para o desenvolvimento e riqueza do Porto e do norte do país merece. Pode dizer-se que o futuro de toda a região do norte está dependente da realização de obra de tamanho vulto, como é o porto comercial de Leixões.
É uma questão vital. É um problema em que a riqueza e desenvolvimento do Porto e norte dp país estão em jogo. O que ante-ontem e ainda ontem se deu, demonstra-o plenamente.
É a navegação a fugir do porto, é o comércio e a indústria atingidos num dos seus mais admiráveis meios de comunicação com o exterior, com o mundo inteiro, enfim.
Falta de recursos, falta de quem queira tomar conta de obras que demandam avultadíssimas despesas, o certo é que as obras do porto de Leixões estão paralisadas, enquanto o mar na sua cólera indomável, vai, todos os invernos, destruindo um pouco do que foi feito, transformando o nosso principal porto de abrigo num lugar perigoso, de onde a navegação se afasta receosa.
Esta situação não pode manter-se. Os recursos de que a Junta Autónoma dispõe são exíguos para, não diremos prosseguir com as obras no porto de Leixões, mas até para manter e conservar o pouco que está feito. Ao governo cumpre acudir a uma situação que tão graves prejuízos acarreta para a cidade e norte do país, facilitando à Junta Autónoma os recursos com que possa obstar a que chega a completa ruína o único porto aberto no norte à grande navegação.
Tem sido gasto tanto dinheiro em coisas inúteis, tem sido tão perdulariamente desfalcado o tesouro público que causa pena que de todo esse dinheiro gasto não se tivesse desviado uma parcela ao menos para o prosseguimento e conclusão das obras de um porto destinado a servir uma das mais populosas e ricas regiões do país.
Nas condições em que o porto de Leixões se encontra, só pode dar entrada a vapores de reduzida tonelagem, afastando a grande navegação que irá, naturalmente, procurar outros portos, com grave prejuízo para a economia nacional.
Problema de tal magnitude teria já merecido, em outra terra, a mais cuidadosa atenção dos respectivos governos. Em Portugal adormece-se sobre estes casos e só quando troveja é que se chama por Santa Bárbara.
Esteve iminente um sinistro marítimo que traria para o país o maior descrédito, fechando, ao mesmo tempo, à navegação, a entrada no porto de Leixões. Procure-se, enquanto é tempo, acudir a tamanho mal.
Infelizmente, só tarde se resolve agir. Tarde e a más horas. A Junta Autónoma das Instalações Marítimas (Douro-Leixões), tem grandes deveres a cumprir, neste momento.
Clame perante os poderes públicos. Clame em seu auxílio as principais corporações portuenses, câmara municipal, associações comerciais e industriais. Se nem assim a sua voz fôr escutada apele para a opinião da cidade, em comícios públicos.
Ressalvará assim as suas responsabilidades, que são grandes e demonstrará ter empenhado os últimos esforços para bem servir o país e o Porto, e para desempenhar condignamente as importantes funções que lhe foram confiadas.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingos, 4 de Março de 1923)