Antes do “Almirante Afreixo” entrar na água, o sr. dr. Lourenço Peixinho, presidente da Comissão de Socorros a Náufragos de Aveiro, usou da palavra para dizer:
Está satisfeita uma velha aspiração da Comissão local de Socorros a Náufragos. Já temos um óptimo salva-vidas a motor, com todas as condições para fazer bom serviço nesta barra, e que a Comissão Central nos entregou. Só quem como eu tem presenciado aqui, constantes naufrágios, e assistido à angústia dos pobres náufragos debatendo-se com a fúria do mar a ponto de muitos deles perderem a vida, é que pode compreender bem, o alto benefício que nos foi prestado. Há muito tempo já, que tinamos um barco salva-vidas; mas por ser puxado a remos, não podiam os seus serviços ser utilizados, devido às grandes correntes.
Hoje, os dois completam-se e pode-se gabar de ter uma equipa de salvação de primeira ordem.
Por ser de inteira justiça, foi solicitado e aceite o pedido, pela Comissão Central de Socorros a Náufragos, que fosse dado ao novo barco, o nome do Almirante Afreixo.
Fizemo-lo, por se tratar de um aveirense ilustre, inteligente, trabalhador e honrado, que durante vinte anos aqui trabalhou como capitão do porto e inúmeros serviços prestou a esta região, nunca mais deixando de ficar o protector da nossa gente, que dia e noite labuta sobre as águas do mar e da ria, para angariar os parcos meios para viver. É ao sr. Almirante Jaime Afreixo, que ela, directa ou indirectamente se tem dirigido e sempre foi atendida nas suas justas reclamações.
Foi também ele que, demonstrando à Comissão Central a necessidade de prestar bom auxílio aos pescadores, concorreu para apressar a vinda do novo barco. Hoje, aqui, neste momento solene, aproveito a ocasião, para em nome de todos esses homens da nossa beira-marítima, agradecer muito reconhecidamente ao sr. Almirante Jaime Afreixo e à Comissão Central, todos os favores e auxílio prestados. O orador terminou exclamando: - «Almirante Afreixo! Vai! Oxalá que os teus serviços nunca sejam necessários; mas se o forem, que o sejam, com proveito e felicidade».
O sr. Dr. Peixinho, que terminou as suas breves palavras com um viva ao sr. Almirante Jaime Afreixo, foi muito aplaudido e cumprimentado.
Seguiu-se o lançamento à água do salva-vidas, na doca do Forte. No momento deste tocar com a proa nas águas da ria, as bandas de Infantaria 19 e Escola Municipal de José Estevão, que ocupavam dois barcos saleiros, executaram o hino nacional.
Girândolas de foguetes subiram ao ar ao mesmo tempo que as sirenes das lanchas tocavam festivamente.
Com o novo barco salva-vidas à frente, formou-se então um cortejo fluvial em direcção à cidade, no qual tomaram parte barcos de recreio, lanchas da Capitania, Comissão de Turismo, Centro de Aviação de S. Jacinto e muitas outras embarcações com convidados, bandas de música, etc.
A sessão solene
No salão nobre da Capitania do porto efectuou-se perante numerosa e selecta assistência uma sessão solene presidida pelo sr. dr. José Elias Gonçalves, secretário-geral do Governo Civil, que se fez ladear pelos srs. Arcebispo de Ossirinco, almirantes Jaime Afreixo e Vieira da Fonseca, engenheiro Almeida Graça, director das estradas do distrito; dr. João Joaquim Pires, reitor do Liceu: comandante Cossêlo, representante do chefe do departamento marítimo do Norte; comandante Santos Pato, capitão do porto de Aveiro; comandante militar, coronel Santos Natividade; major Gaspar Ferreira, presidente da Junta Autónoma; comandante de Infantaria 19, coronel Joaquim Crespo; e juízes da comarca, drs. Jaime Freitas e Correia Marques.
Usaram da palavra os srs. dr. Querubim Guimarães, deputado e distinto causídico aveirense; almirantes Jaime Afreixo e Viera da Fonseca, e o dr. Elias Gonçalves.
O sr. dr. Querubim Guimarães, num elegante improviso, fez o elogio da festa e pôs em relevo a acção do sr. Almirante Afreixo, em prol dos nossos pescadores.
Usando da palavra o sr. Almirante Jaime Afreixo, visivelmente comovido, agradeceu as homenagens que a cidade acabava de lhe prestar. Recordou com saudade a sua acção como capitão do porto de Aveiro, afirmando que de todas as comissões de serviço por ele desempenhadas fora dos navios, a de capitão do porto de Aveiro, foi, sem dúvida, aquela a que com mais carinho se havia dedicado.
O sr. Almirante Afreixo, antes de terminar o seu discurso, propõe que seja dado ao antigo salva-vidas “Vouga” o nome de “Arrais Ançã”.
O representante do sr. Governador civil, sr. dr. Elias Gonçalves, após breves e justas palavras de elogio ao patrono do novo salva-vidas, encerrou a sessão.
Procederam em seguida à distribuição de medalhas e diplomas de honra a vários indivíduos, como recompensa pelos salvamentos por eles feitos, durante os últimos tempos.
Na doca, em frente do edifício da Capitania e perante compacta multidão, o sr. Arcebispo de Ossirinco, procedeu ao baptismo do salva-vidas, tendo servido de madrinha a srª Dº Maria Emília de Lemos Pato, esposa do sr. capitão do porto, e testemunhas, as srªs Dª Júlia Natividade e Dª Maria do Carmo Craveiro Lopes Sousa e Faro.
Na «Casa de Chá» do Parque Infante D. Pedro, foi servido em homenagem aos srs. Almirantes Afreixo e Vieira da Fonseca, um finíssimo «Porto de Honra» durante o qual se fez ouvir a magnífica orquestra-jazz aveirense «Talábriga».
Aos brindes, falaram os srs. dr. Jaime Duarte Silva, Diniz Gomes, Arnaldo Ribeiro e Almirante Afreixo, que mais uma vez agradeceu todas as homenagens que lhe foram prestadas pela cidade.
No Largo do Rossio, e perante numerosa assistência exibiu-se o gracioso rancho infantil da Companhia Voluntária de Salvação Pública «Guilherme Gomes Fernandes».
Terminaram as festas com um lindíssimo «bouquet» de fogo-de-artifício, queimado da Ponte da Dubadoira e lançado sobre o Canal Central. Foi um efeito surpreendente.
Por volta das 19 horas, o “Almirante Afreixo” abandonou a cidade a caminho do Forte da Barra, onde ficará pronto a prestar os seus valiosos serviços.
Durante toda a manhã, dois aparelhos do Centro da Aviação de S. Jacinto, sobrevoaram a cidade, em interessantes e arriscados exercícios, associando-se, assim, às festas do dia.
A Câmara Municipal, Capitania do porto e todas as associações locais embandeiraram as suas fachadas.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 14 de Outubro de 1936)