terça-feira, 9 de maio de 2017

História trágico-marítima (CCXVI)


O naufrágio do vapor “Gomes VIII”

Lisboa, 1 de Abril – Naufragou o vapor “Gomes VIII”, que vinha do Porto para Lisboa. O naufrágio deu-se hoje, pela 1 hora da madrugada, nas Berlengas, em consequência do nevoeiro. A tripulação compunha-se de 17 homens e trazia 32 passageiros.
Salvaram-se quase todos em lanchas, sendo trazidos para Lisboa pelo vapor de pesca “Argentino”, da casa Bensaúde. Tanto os passageiros como os tripulantes ficaram sem os seus haveres, tendo-se dado o desastre quando estavam dormindo nos beliches.
Morreu um passageiro de 52 anos, espanhol, criado de servir no Porto, ignorando-se a sua identidade por falta dos papéis de bordo. Perderam-se a carga e as bagagens.
Não se conhecem por enquanto outros pormenores.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 2 de Abril de 1899)

Imagem do vapor "Gomes VIII" a entrar na doca comercial de Viana
Cartão postal de Viana do Castelo (pormenor) - minha colecção

Características do vapor "Gomes VIII"
Nº Oficial: N/a - Iic: H.K.J.P. - Porto de registo: Lisboa, 01.05.1893
Armador: Emp. de Navegação para o Algarve e Guadiana, 1893-1899
Construtor: Edwards Shipbuilding Co. Ltd., Newcastle, 1891
ex "Montague" - Merchant Banking Corp., 1891-1893
Arqueação: Tab 702,70 tons - Tal 485,00 tons - 1.987,150 m3
Dimensões: Ff 53,90 mts - Boca 8,50 mts - Pontal 4,30 mts
Equipagem: 17 tripulantes

O naufrágio do vapor “Gomes VIII”
Lisboa, 3 de Abril – Anteontem de madrugada, naufragou próximo das Berlengas o vapor “Gomes VIII”, pertencente à casa Centeno & Cª., de Lisboa, e que vinha do Porto, onde é agente da mesma o sr. José de Sousa Faria, com 32 passageiros, entre os quais algumas mulheres e crianças, e 18 tripulantes.
O “Gomes VIII”, que era de ferro e de 702 toneladas de registo, tinha sido construído em Newcastle em 1891, vindo substituir o vapor “Gomes 7º”, naufragado à entrada da barra do Porto.
O “Gomes VIII” saiu a barra do Douro sem inconveniente, e assim fez as primeiras horas de viagem. O nevoeiro, porém, tornou-se para o fim da tarde muito denso e, quando o sol desapareceu, era de tal ordem que quase se não viam os faróis de bombordo e estibordo dentro do próprio navio. A navegar a meia força, fazendo tocar continuamente a sineta de bordo, e à proa dois marinheiros fazendo sondagens, seguiu o navio durante muito tempo sem a mínima rascada.
Era meia-noite e 45 minutos quando o comandante, sr. Manoel da Costa, mandou parar a máquina. A cerração era completa.
Havia alguma vaga e o vapor balançava com violência; de repente, os marinheiros que estavam à proa, gritavam «Terra!» - e ainda não tinham acabado a palavra quando a proa do “Gomes VIII” deu num baixo, cerca de meia milha a nordeste das Berlengas. No meio de uma confusão enorme, entre choros e lamentos soltados por homens, mulheres e crianças, ouviu-se a voz enérgica do comandante gritar:
- «Escaleres ao mar!»
Duas baleeiras e um bote foram descidos dos turcos do “Gomes VIII” e 38 pessoas embarcaram neles. O salvamento dos passageiros foi feito com a maior regularidade; mas, ao saltar para um dos pequenos barcos, um dos passageiros, individuo de cerca de 52 anos, de naturalidade espanhola, caiu ao mar, não sendo possível salvá-lo. Não se sabe, por enquanto, a sua identidade, pois os documentos de bordo não puderam ser salvos e pessoa alguma do navio sabia o nome do infeliz.
Como a bordo dos três pequenos barcos só pudessem embarcar 38 pessoas, 13 ficaram a bordo do “Gomes VIII”. A este tempo, o vapor, que pouco depois de dar no baixo mergulhou a proa, tinha apenas a popa fora de água. Ali e apinhados no mastro grande, entregues à mercê de Deus, aguardavam os 13 infelizes o salvamento ou a morte, e assim se conservaram cerca de 4 horas.
Próximo das 5 da madrugada, quando o nevoeiro levantou e começou a ser dia, viram-se próximo das Berlengas. Então, os três escaleres dirigiram-se para ali e, depois de desembarcarem em terra, aqueles indivíduos voltaram a bordo buscar os restantes.
Quando procediam ao salvamento das últimas pessoas, foi avistado o vapor de pesca “Colombo”, pertencente à casa Bensaúde, que foi em procura dos infelizes e que os tomou a seu bordo. Apesar de não estar na sua derrota entrar no Tejo, o “Colombo” trouxe os náufragos para Lisboa, desembarcando-os na Alfândega, cerca das 5 horas da tarde de ante-ontem.
Como os passageiros se destinavam a Lisboa, seguiram todos aos seus destinos; a tripulação hospedou-se em diferentes hotéis.
Diz-se que o infeliz que pereceu no naufrágio era serviçal no Porto e vinha a Lisboa visitar um irmão, que está como criado em casa do sr. Conde de Paço de Arcos.
O “Gomes VIII” avaliado em 60.000:000 réis, estava seguro em várias casas estrangeiras. A carga que conduzia, no valor de 15.000:000 réis, consistia em tecidos, caixas com vinho, cabedais, cascaria vazia, vinho encascado e outra carga, que ia ser baldeada para a barca “Viajante”.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 4 de Abril de 1899)

Naufrágio do vapor “Gomes VIII”
A perda deste navio nos Farilhões das Berlengas, causou bastante pesar, pelos grandes benefícios que vinha prestando ao comércio, conjuntamente com o “Gomes IV”, na carreira semanal estabelecida entre Lisboa e os portos do Algarve.
Como é do conhecimento, esses vapores pertencem à Empresa de Navegação para o Algarve e Guadiana, de que são proprietários os srs. Centeno & Cª., e dos quais é de esperar a rápida substituição do navio naufragado, a fim de que não se interrompa a regularidade daquela carreira.
Ao escritório do agente da empresa no Porto, o sr. José de Sousa Faria tem afluído bastantes pessoas a obterem informações acerca do naufrágio, principalmente de comerciantes que deploram a perda sofrida.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 5 de Abril de 1899)

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