Sobre o bota-abaixo deste lugre, Eduardo Veiga da Silva escreveu:
(…) «E assim, no dia 23 do último, o “Vencedor”, tal foi o nome escolhido e único harmonizado com esse, beijou flutuante, verdadeiro de embarcação, que honra sobremaneira o seu hábil construtor, nosso conterrâneo e amigo, sr. José Dias dos Santos Borda Júnior e a classe a que distintamente pertence, não esquecendo jamais a terra que o viu nascer, estava logo nas primeiras horas do dia, enfeitado com lindos ramos de flores e bandeiras, anunciando a todos para logo se ir chocar nas límpidas águas do Cávado».
«Foi então que na preia-mar das 3 horas, o “Vencedor”, com um suspiro de profunda saudade, desprendido do seu belo e elegante beque ornado de fina talha coberta a ouro, risco e execução do sr. Albino Torres, um artista ainda novato, mas de primorosas qualidades reveladas para a arte, se deslocou em obediência a um simples golpe de machado vibrado pelo Delegado Marítimo deste nosso Concelho, a quem foi oferecido, e, sereno e pachorrento descia carreira abaixo, com apego ao lugar, como aquele outro estudante a escadaria da sua universidade, acatando a decisão do júri que o acabou de aprovar».
«Ao acto, revestido de verdadeira comoção, à qual não resiste organismo algum por mais bem conformado que seja, cremos mesmo o do maior inimigo do seu construtor se porventura houvesse, pois que esse mesmo lhe ouviríamos, como a muitos outros ouvimos as frases comoventes procedidas (sic), de chapéu na mão – “Bom Jesus te guie” -, assistiu uma massa compacta de curiosos que se comprimia, acotovelando-se extraordinariamente, sobretudo ao cimo da estrada que liga com a nossa ponte metálica, onde por vezes, esteve interrompido o trânsito, com a aglomeração de carros, motos, automóveis, bicicletas, etc.»
«Do lado Norte, terreno apropriado a estaleiros, os nossos prezados leitores bem poderão precisar o que foi essa confusão de espectadores (…). Pena foi que o “Vencedor” não mostrasse aquele efeito surpreendente, deslizando rio fora como temos presenciado muitos outros, devido às suas grandes dimensões e com especialidade à pouca água que afluía à maré, motivo porque ainda hoje se encontra aqui, à espera das águas da lua nova».
E supostamente o mesmo autor, sobre o navio esclareceu:
«É admirável a linha náutica do “Vencedor”, assim se chama o navio ido à carreira a 23 de Outubro. Tem um comprimento de 112 palmos por 40 de largura. Na proa, por baixo do tombadilho, acha-se o rancho da tripulação. É amplo, arejado, com um banco a toda a volta dos beliches e da mesa. Pode este rancho abrigar, bem à vontade uma equipagem de 30 homens. No mesmo local e um pouco metido em baixo das escadas que dá serventia ao dito rancho, fica a cozinha, tendo para esse útil laboratório uns armários e prateleiras bem adaptadas nos seus lugares, pois que o futuro emulo de Brillat Savarin, não precisa de arredar-se do seu importante lugar, para procurar em outras bandas o que lhe fizer preciso.»
«Na minha opinião, foi de grande acerto e conveniência, o disporem no rancho o fogão, pois que tendo o navio de arrostar com grandes frios, é muito mais fácil aquecer-se esse enorme salão, sem divisórias, do que pusessem tabiques a separar a dita cozinha.»
«À ré acha-se a câmara dos oficiais superiores; desce-se uma escada a achamo-nos num patamar onde existe mais uma cabine. Com dois beliches para a tripulação. Neste camarote, cabem, à larga e à vontade quatro homens; à direita deste patamar fica a sala de jantar, onde está situado o camarote do comandante, na parte que fica ao lado das escadas. Este camarote é amplo, se bem que um pouco escuro. Na sala de jantar, do lado de estibordo, está o beliche do piloto, tendo do mesmo lado e em frente dois armários e uma despensa.»
«Em toda a volta desta elegante câmara há uma banqueta que tem a serventia de assento, servindo também, desde que se levantem umas tábuas, para despejos. Esta câmara foi construída pelo nosso amigo sr. Joaquim Cubelo e honra sobremodo o seu construtor pelo bem acabado do trabalho, comodidade e linda disposição interna dos seus repartimentos.» (…)
In Felgueiras, José Eduardo de Sousa, Sete Séculos no Mar (XIV a XX), Livro IIIº, A construção de Embarcações, Edição do Centro Marítimo de Esposende – Fórum Esposendense, 2010, pp.197 a 199.
O lugre "Vencedor" na cerimónia do bota-abaixo
Imagem da Ilustração Portuguesa, de 15 de Setembro de 1915
Nº Oficial: A-178 - Iic.: H.V.E.N. - Porto de registo: Porto
Construtor: José Dias dos Santos Borda Júnior, Fão, 23.10.1915
a) dp “Vencedor Segundo”, Parc. Marítima Douro, 1937-1956 (?)
Lugre de 3 mastros tinha proa de beque, popa redonda e 1 pavimento. A sua construção custou ao proprietário a quantia de Escudos 6.000$00. Participou nas campanhas de pesca desde 1916 até 1928. Realizou viagens de comércio em 1929 e regressou para a última campanha de pesca ao bacalhau em 1930. Após 1931 passou a operar apenas no serviço comercial.
= Detalhes do navio conforme a lista nacional de 1917 =
Arqueação: Tab 315,93 tons - Tal 253,25 tons
Dimensões: Pp 38,53 mtrs - Boca 8,70 mtrs - Pontal 4,00 mtrs
Propulsão: À vela
Equipagem: 37 tripulantes e pescadores
Capitães embarcados: António Cachim Júnior (1915 e 1916); Francisco de Oliveira (1917 e 1918); António Cachim Júnior (1919 a 1921); Francisco de Oliveira (1922 e 1923) e José Cachim (1924 a 1930)
= Detalhes do navio conforme a lista nacional de 1930 =
Nº Oficial: A-178 - Iic.: H.V.E.N. - Porto de registo: Porto
Arqueação: Tab 290,81 tons - Tal 243,74 tons
Dimensões: Pp 38,12 mts - Boca 8,88 mts - Pontal 3,84 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 41 tripulantes e pescadores - 34 canoas
= Detalhes do navio conforme a lista nacional de 1935 =
Nº Oficial: A-178 - Iic.: C.S.L.B. - Porto de registo: Porto
Arqueação: Tab 290,81 tons - Tal 243,74 tons
Dimensões: Pp 38,12 mts - Boca 8,88 mts - Pontal 3,84 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 10 tripulantes
O lugre em 1937 foi novamente reconstruído, em local não identificado, para modernização, tendo sido efectuada nesse período a motorização do navio. À saída do estaleiro foi rebaptizado com o nome “Vencedor Segundo”, com a consequente alteração nas características.
= Detalhes do navio conforme a lista nacional de 1939 =
Nº Oficial: A-178 - Iic.: C.S.L.B. - Porto de registo: Porto
Arqueação: Tab 293,86 tons - Tal 212,59 tons - Porte 1.057 tons
Dimensões: Ff 43,85 mt - Pp 39,55 mt - Bc 8,88 mts - Ptl 3,84 mts
Propulsão: 1:Sd Volund, Dinamarca, 1937 - 2:Ci - 170 Bhp
Equipagem: 12 tripulantes
Verifica-se numa última actualização mais trabalhos de reconstrução do lugre nos estaleiros de S. Paio da Afurada (trabalho esse eventualmente realizado pelos construtores Custódio de Oliveira Monteiro e Manuel Soares de Almeida), durante o ano de 1947, apresentando-se com novas características.
= Detalhes do navio conforme a lista nacional de 1953 =
Nº Oficial: A-178 - Iic.: C.S.L.B. - Porto de registo: Porto
Arqueação: Tab 449,31 tons - Tal 350,59 tons - Porte 476 tons
Dimensões: Ff 46,59 mt - Pp 41,22 mt - Bc 9,35 mts - Ptl 4,25 mts
Propulsão: 1:Sd Volund, Dinamarca, 1937 - 2:Ci - 170 Bhp
Equipagem: 14 tripulantes
No ano de 1956 este lugre-motor passou à propriedade da Caixa Nacional de Crédito, desconhecendo-se-lhe o rasto posteriormente, que pode perfeitamente ter passado pelo seu desmantelamento.