O naufrágio do lugre "Britónia"
Viana, 25 – Naufragou o lugre “Britónia”, na Ponta Tornada.
Espera-se ser possível salvar a tripulação.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 26 de Abril de 1924)
Espera-se ser possível salvar a tripulação.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 26 de Abril de 1924)
Desenho de um lugre, sem correspondência ao texto
Características do lugre “Britónia”
1923-1924
Características do lugre “Britónia”
1923-1924
Armador: Bernardo Pinto Abrunhosa, Viana do Castelo
Nº Oficial: 80 - Iic: H.B.R.O. – Porto de registo; Viana do Castelo
Construtor: M. Leis Hermida, Noya-Obrés, Espanha, 1917
ex “Manuel”, (Proprietário espanhol não identificado)
ex “Arosa”, Enrique Lorenza Gil, Vigo, Espanha
Arqueação: Tab 120,98 tons - Tal 104,21 tons
Dimensões: Pp 26,29 mts - Boca 7,11 mts - Pontal 2,79 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 7 tripulantes
Nº Oficial: 80 - Iic: H.B.R.O. – Porto de registo; Viana do Castelo
Construtor: M. Leis Hermida, Noya-Obrés, Espanha, 1917
ex “Manuel”, (Proprietário espanhol não identificado)
ex “Arosa”, Enrique Lorenza Gil, Vigo, Espanha
Arqueação: Tab 120,98 tons - Tal 104,21 tons
Dimensões: Pp 26,29 mts - Boca 7,11 mts - Pontal 2,79 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 7 tripulantes
No mar de Viana - Viagem tormentosa
Naufrágio - Em perigo - Os socorros - Salvos!
Naufrágio - Em perigo - Os socorros - Salvos!
Viana do Castelo, 26 – A nossa terra assistiu ontem a um emocionante espectáculo – o naufrágio do lugre “Britónia”, propriedade de Bernardo Pinto Abrunhosa.
O vento soprava rijo de sudoeste e o mar, embravecido pelo vendaval, encarreirava o lugre, que navegava com as marcas da barra feitas, ou não viessem a bordo homens experimentados e conhecedores de todos os «petões» que na mesma existem. Na boca da barra, o gasolina com os pilotos fazia sinais ao navio para orçar mais ao mar ou mais à terra, conforme as exigências do seco, que nas últimas cheias fizeram na «Ponta da Tornada», prolongando-o até lá muito fora.
Sobre o castelo da proa vinha um marinheiro, que transmitia ao homem do leme os sinais que recebia do gasolina. E o lugre avançava, velas enfunadas, parecendo orgulhar-se de transpôr as altas montanhas de água que na sua frente se erguiam.
Mais um sinal feito pelo «gasolina» para que o “Britónia” desfizesse de rumo para noroeste; porém, o navio não obedeceu e foi cair sobre a areia acumulada desde a «Tornada» até quase ao «Ladrão».
Não se descreve a emoção que isto trouxe ao espírito das já milhares de pessoas, que nos cais e pontos elevados assistiam ao desenrolar deste drama marítimo. A bordo do “Britónia” começou a azáfama para conseguirem safá-lo e em terra não foi menor a azáfama para tratarem do salvamento da tripulação, que o navio perdido estava.
O salva-vidas foi imediatamente lançado à água e era vê-lo galgar as vagas alterosas, como que a escarnecer da sua indómita bravura, e às catraias dos pilotos não faltaram tripulantes, todos prontos a prestar os socorros que pedissem. Mas nenhuma destas embarcações se podia aproximar do “Britónia”, que as vagas varriam da proa à popa.
Há gritos, lamentos, e o navio, de quando em quando, vai ficando em mais crítica situação. O salva-vidas consegue alcançar uma bóia lançada de bordo, segura a um cabo que é preso no Bugio, para ser estabelecido o cabo de vai-vem, mas como a distância era muita, os náufragos não utilizaram desse meio de salvação, que a meio caminho os poderia recolher, porque estariam sem vida ou gravemente feridos.
Resolveram então levar o aparelho porta-cabos para o Cabedelo; foram feitos cinco tiros, mas os projécteis perderam-se por terem rebentado as linhas que conduziam, para ser estabelecido o serviço. Entretanto, a noite aproximava-se.
No coração de tanta gente que assistia ao tenebroso quadro, havia a dor dilacerante ocasionada pelo receio de que ali tão perto de suas casas, talvez a vê-las branquear, iam morrer sete criaturas tragadas pelo mar que, a espaços, ia desfeiteando aos poucos aquele navio. E essa gente, boa e crente, que rezava pedindo a Deus pela boa sorte e salvação dos navegantes, foi acender as lâmpadas das igrejas.
A uma menina moradora na rua do Loureiro, ouvimos dizer: «tenhamos fé, os marinheiros não morrem, porque a luz que acendi à Virgem está tão linda!». Bendita crença! E hoje de manhã, essa mesma criança, conversando com os vizinhos, disse-lhes: «Viram como a Virgem salvou os marinheiros!...».
O lugre, ao escurecer, atravessou ao mar. Tudo, perdido, ouvimos dizer a homens práticos. Que tristeza! E homens do mar, bombeiros voluntários e gente do povo por ali permaneceram até altas horas. O mar rugia e o vento soprava violentamente. Nem uma luz na praia se podia conservar. E para maior infelicidade dos pobres náufragos, a cidade esteve ontem às escuras.
Meia-noite. Ouvimos dizer: «Já estão salvos quatro náufragos».
Fomos procurá-los. Encontramos um na cozinha de sua casa a mudar de roupa e mesmo ali nos recebeu, É um rapaz alto, agradável. Chama-se Manoel Gonçalves Muxaxo, de 19 anos. Depois de mudar de roupa, comeu uma tigela de caldo, pois tinha bastante fome.
Perguntamos-lhe se o navio desgovernou quando do «gasolina» lhe foi feito sinal para mudar de rumo. Respondeu-nos que se lhes havia partido o galdrope.
- Como se salvaram?
- Por um cabo que cinco homens, que praticaram a temeridade de se colocar no perigoso cais de madeira, no Cabedelo, nos jogaram para bordo. Eu já estava disposto a jogar-me à água, quando de terra preveniram que iam lançar um cabo. Efectivamente, poucos momentos depois caía na proa do lugre um cabo, com uma peça de metal na extremidade, daqueles que os bombeiros usam à cinta. Seguro, bem seguro ao mastro da proa, começou o serviço de salvamento. E na graça de Deus, cá estamos em terra firme.
- E se não fosse a resolução de estabelecer esse serviço, não havia outras probabilidades de se salvarem?
- Talvez não nos salvássemos porque o mar saltava sobre o navio de lado a lado.
- A viagem foi tormentosa?
- Bastante. Saímos de Mazagão na quinta-feira Santa e por aí viemos aos trambolhões.
- Os nomes desses cinco homens?
- O Baptista do salva-vidas, o capitão do lugre “Condestável”, e os pescadores Manoel da Silva, Manoel Pacheco e César Martins.
- A que horas foi atirado o cabo para bordo?
- Seriam 11 horas.
- Claro, que vocês ficaram aliviados?
- Não queria. Estávamos empitados até aos ossos. Olhe que se não morrêssemos afogados, morríamos de frio. Despedimo-nos do rapaz, porque o reconhecemos extenuado. Mas antes de sairmos, ainda lhe fizemos esta pergunta:
- Aquele gageiro que subia e descia as enxárcias, o que fazia?
- Era eu e cortava os cabos para prevenirmos qualquer hipótese de precisarmos deles para nos salvarmos.
- Então não tinham outros a bordo?
- Tinhamo-los na câmara; mas ninguém podia lá ir, porque estava completamente inundada.
Retiramo-nos.
O lugre “Britónia” lá está na praia, a desmantelar-se. Parece que ainda há esperanças de salvar a carga, que é gesso. Quanto aos tripulantes, se o mar amainar, ainda esperam salvar as suas roupas e quaisquer utensílios de bordo.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 27 de Abril de 1924)
O vento soprava rijo de sudoeste e o mar, embravecido pelo vendaval, encarreirava o lugre, que navegava com as marcas da barra feitas, ou não viessem a bordo homens experimentados e conhecedores de todos os «petões» que na mesma existem. Na boca da barra, o gasolina com os pilotos fazia sinais ao navio para orçar mais ao mar ou mais à terra, conforme as exigências do seco, que nas últimas cheias fizeram na «Ponta da Tornada», prolongando-o até lá muito fora.
Sobre o castelo da proa vinha um marinheiro, que transmitia ao homem do leme os sinais que recebia do gasolina. E o lugre avançava, velas enfunadas, parecendo orgulhar-se de transpôr as altas montanhas de água que na sua frente se erguiam.
Mais um sinal feito pelo «gasolina» para que o “Britónia” desfizesse de rumo para noroeste; porém, o navio não obedeceu e foi cair sobre a areia acumulada desde a «Tornada» até quase ao «Ladrão».
Não se descreve a emoção que isto trouxe ao espírito das já milhares de pessoas, que nos cais e pontos elevados assistiam ao desenrolar deste drama marítimo. A bordo do “Britónia” começou a azáfama para conseguirem safá-lo e em terra não foi menor a azáfama para tratarem do salvamento da tripulação, que o navio perdido estava.
O salva-vidas foi imediatamente lançado à água e era vê-lo galgar as vagas alterosas, como que a escarnecer da sua indómita bravura, e às catraias dos pilotos não faltaram tripulantes, todos prontos a prestar os socorros que pedissem. Mas nenhuma destas embarcações se podia aproximar do “Britónia”, que as vagas varriam da proa à popa.
Há gritos, lamentos, e o navio, de quando em quando, vai ficando em mais crítica situação. O salva-vidas consegue alcançar uma bóia lançada de bordo, segura a um cabo que é preso no Bugio, para ser estabelecido o cabo de vai-vem, mas como a distância era muita, os náufragos não utilizaram desse meio de salvação, que a meio caminho os poderia recolher, porque estariam sem vida ou gravemente feridos.
Resolveram então levar o aparelho porta-cabos para o Cabedelo; foram feitos cinco tiros, mas os projécteis perderam-se por terem rebentado as linhas que conduziam, para ser estabelecido o serviço. Entretanto, a noite aproximava-se.
No coração de tanta gente que assistia ao tenebroso quadro, havia a dor dilacerante ocasionada pelo receio de que ali tão perto de suas casas, talvez a vê-las branquear, iam morrer sete criaturas tragadas pelo mar que, a espaços, ia desfeiteando aos poucos aquele navio. E essa gente, boa e crente, que rezava pedindo a Deus pela boa sorte e salvação dos navegantes, foi acender as lâmpadas das igrejas.
A uma menina moradora na rua do Loureiro, ouvimos dizer: «tenhamos fé, os marinheiros não morrem, porque a luz que acendi à Virgem está tão linda!». Bendita crença! E hoje de manhã, essa mesma criança, conversando com os vizinhos, disse-lhes: «Viram como a Virgem salvou os marinheiros!...».
O lugre, ao escurecer, atravessou ao mar. Tudo, perdido, ouvimos dizer a homens práticos. Que tristeza! E homens do mar, bombeiros voluntários e gente do povo por ali permaneceram até altas horas. O mar rugia e o vento soprava violentamente. Nem uma luz na praia se podia conservar. E para maior infelicidade dos pobres náufragos, a cidade esteve ontem às escuras.
Meia-noite. Ouvimos dizer: «Já estão salvos quatro náufragos».
Fomos procurá-los. Encontramos um na cozinha de sua casa a mudar de roupa e mesmo ali nos recebeu, É um rapaz alto, agradável. Chama-se Manoel Gonçalves Muxaxo, de 19 anos. Depois de mudar de roupa, comeu uma tigela de caldo, pois tinha bastante fome.
Perguntamos-lhe se o navio desgovernou quando do «gasolina» lhe foi feito sinal para mudar de rumo. Respondeu-nos que se lhes havia partido o galdrope.
- Como se salvaram?
- Por um cabo que cinco homens, que praticaram a temeridade de se colocar no perigoso cais de madeira, no Cabedelo, nos jogaram para bordo. Eu já estava disposto a jogar-me à água, quando de terra preveniram que iam lançar um cabo. Efectivamente, poucos momentos depois caía na proa do lugre um cabo, com uma peça de metal na extremidade, daqueles que os bombeiros usam à cinta. Seguro, bem seguro ao mastro da proa, começou o serviço de salvamento. E na graça de Deus, cá estamos em terra firme.
- E se não fosse a resolução de estabelecer esse serviço, não havia outras probabilidades de se salvarem?
- Talvez não nos salvássemos porque o mar saltava sobre o navio de lado a lado.
- A viagem foi tormentosa?
- Bastante. Saímos de Mazagão na quinta-feira Santa e por aí viemos aos trambolhões.
- Os nomes desses cinco homens?
- O Baptista do salva-vidas, o capitão do lugre “Condestável”, e os pescadores Manoel da Silva, Manoel Pacheco e César Martins.
- A que horas foi atirado o cabo para bordo?
- Seriam 11 horas.
- Claro, que vocês ficaram aliviados?
- Não queria. Estávamos empitados até aos ossos. Olhe que se não morrêssemos afogados, morríamos de frio. Despedimo-nos do rapaz, porque o reconhecemos extenuado. Mas antes de sairmos, ainda lhe fizemos esta pergunta:
- Aquele gageiro que subia e descia as enxárcias, o que fazia?
- Era eu e cortava os cabos para prevenirmos qualquer hipótese de precisarmos deles para nos salvarmos.
- Então não tinham outros a bordo?
- Tinhamo-los na câmara; mas ninguém podia lá ir, porque estava completamente inundada.
Retiramo-nos.
O lugre “Britónia” lá está na praia, a desmantelar-se. Parece que ainda há esperanças de salvar a carga, que é gesso. Quanto aos tripulantes, se o mar amainar, ainda esperam salvar as suas roupas e quaisquer utensílios de bordo.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 27 de Abril de 1924)
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