O naufrágio da escuna “Adolphine” em Sesimbra
Marinheiros, armadores e seguradores protestam; brigadas de voluntários perseguem estes estranhos piratas-salvadores, expressão que reflecte bem a inquietante ambiguidade do mundo marítimo. Há, evidentemente, as leis, os regulamentos, as convenções, mas há também os costumes obscuros e a inextirpável crença: tudo o que flutua, abandonado pelo homem, é pertença de todos. Contrariamente ao dinheiro, o destroço tem um cheiro. Odor dos dons surgidos do mar, odor desses bens cuja própria gratuitidade parece misteriosa, odor tão poderoso e penetrante que atrai tanto os habitantes da beira-mar como as gentes do interior. (1)
(1) de La Croix, Robert, História Secreta dos Oceanos, Bertrand, Amadora, 1979, (pp.200-201)
Já fiz referência no blog a outros naufrágios ocorridos nas proximidades de Sesimbra. Num dos casos, se a memória não me atraiçoa, relatei a heroicidade de pescadores locais, que em absoluto desprezo pela vida, salvaram a tripulação completa de um navio naufragado pela violência do mar. Numa outra situação relacionada com a fragata “Numancia”, também ali naufragada, foi mencionada a canibalização do navio ou seja, a vandalização em grau extremo por pessoas (eventualmente também pescadores), que fazendo uso de pequenas embarcações, tiveram acesso ao casco abandonado.
A pilhagem não é um exclusivo nacional e sabemo-lo ser combatida pelas autoridades, que em épocas remotas gerava confrontos de considerável violência, também já relatados no blog. A fome e a miséria das gentes do litoral era inicialmente sobreposta aos interesses do clero e mais tarde da fazenda nacional, que era quem mais beneficiava com os encalhes e os naufrágios dos navios, principalmente dos estrangeiros.
O naufrágio da escuna “Adolphine” não foi diferente de muitos outros, a que fizemos referência. É apenas mais um capítulo da nossa história trágico marítima.
Naufrágio e pirataria
Na noite de 14 para 15 do corrente, pelas 2 horas, deu à costa na praia de Sesimbra a escuna dinamarquesa “Adolphine”, capitão Hansen, procedente de Barcelona para aquele porto. Salvou-se toda a tripulação, que deitando-se ao mar foi levada para terra pelas ondas. Um dos marinheiros, porém, querendo depois ir a bordo para salvar algumas coisas, foi vítima da sua temeridade, porque sendo sacudido do navio por um forte balanço o mar o envolveu, e nunca mais apareceu.
Diz uma carta de Sesimbra que a pirataria se desenvolveu ali no seu auge. O navio foi invadido por centenas de habitantes de Sesimbra, que tudo roubaram; arrombando as caixas dos marinheiros na presença dos mesmos, e tirando delas o facto que melhor encontravam, sendo estes ameaçados com navalhas por tentarem opor-se a serem roubados.
Diz a mesma carta que na camara do capitão também nada escapou, ficando este apenas com uns calções e camisa que trazia no corpo quando veio para terra, porque o mais tudo lhe foi roubado pelos vândalos sesimbrões. Não escapou também o aparelho e as velas do navio, porque tudo desapareceu, levando cada um o que podia apanhar naquela ocasião de pilhagem. Que vergonha!
Felizmente a autoridade administrativa, que não pode obstar a que se praticassem estes roubos, conseguiu depois fazer entregar a maior parte dos objectos roubados, tanto aos marinheiros como ao capitão.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 23 de Novembro de 1858)
Diz uma carta de Sesimbra que a pirataria se desenvolveu ali no seu auge. O navio foi invadido por centenas de habitantes de Sesimbra, que tudo roubaram; arrombando as caixas dos marinheiros na presença dos mesmos, e tirando delas o facto que melhor encontravam, sendo estes ameaçados com navalhas por tentarem opor-se a serem roubados.
Diz a mesma carta que na camara do capitão também nada escapou, ficando este apenas com uns calções e camisa que trazia no corpo quando veio para terra, porque o mais tudo lhe foi roubado pelos vândalos sesimbrões. Não escapou também o aparelho e as velas do navio, porque tudo desapareceu, levando cada um o que podia apanhar naquela ocasião de pilhagem. Que vergonha!
Felizmente a autoridade administrativa, que não pode obstar a que se praticassem estes roubos, conseguiu depois fazer entregar a maior parte dos objectos roubados, tanto aos marinheiros como ao capitão.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 23 de Novembro de 1858)
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