quinta-feira, 29 de março de 2012

As guerrilhas da concorrência - continuação


Thétis - Companhia Portuguesa de Navegação a Vapor


Sr. director,
Peço-lhe o obséquio de transcrever no seu lido jornal o seguinte artigo, que foi publicado no «Diário de Avisos», de Lisboa, de 17 do corrente:
Lamentamos profundamente a questão irritante que se tem ventilado pela imprensa entre estas duas companhias de barcos a vapor; e a que deu ligar a uma pouco refletida circular de Mr. E. Grosos em que se pediam as assinaturas dos accionistas carregadores da companhia Thétis para que mandem carregar «exclusivamente» nos vapores da Ligne Peninsulaire, segundo se lê no Jornal do Comércio de 1 do corrente.
Uma companhia como a de que é gerente Mr. Grosos não devia usar de recursos desta natureza, porque era palpável o resultado, que apareceu na reacção enérgica dos cavalheiros signatários do protesto, que saiu publicado na já referida folha do «Jornal do Comércio», onde se veem tantos dos mais respeitáveis nomes da praça de Lisboa, aderindo logo a este protesto um muito avultado número de negociantes do Porto.
Mais cordura e sensatez nos meios de concorrência da parte de Mr. Grosos, teriam quadrado melhor ao crédito de uma companhia como a Ligne Peninsulaire e poupado aquela empresa aos dissabores a que se expunha, ofendendo assim o brio de negociantes de um país com quem principalmente tinha de manter relações comerciais.
Receber sem mesquinhos actos de rivalidade e antes com sereno ânimo, a criação da empresa portuguesa, sem deixar por isso de promover por todos os meios «aceitáveis» os seus interesses – seria mais justo, mais nobre e até mais útil para ela.
Nas praças de Lisboa e Porto tem sido muito desfavoravelmente considerado este facto, como era perfeitamente natural, dando todos a razão aos accionistas carregadores da Thétis. Desejamos que se não sucedam novos actos de hostilidade com aspecto tão lamentável, porque uma empresa portuguesa devia ser mais convenientemente tratada por quem tem achado neste país tão benévolo acolhimento.
É tão natural e fácil de explicar a preferência dada à Companhia Thétis, que o contrário seria para lamentar; e nós confessamos, francamente, que aplaudimos esse procedimento dos nossos mais distintos comerciantes. Em França proceder-se-ia, decerto, de igual modo.
Os meios empregues para desacreditar a empresa Thétis, além de inconvenientes, darão o resultado contrário. É por isso que desejamos o termo desta questão.
(In jornal “Comércio do Porto”, de quarta-feira, 4 de Agosto de 1874)


Chega ao fim parte de um episódio, que permite esclarecer o confronto permanente que existiu entre os pequenos armadores nacionais e as grandes companhias de navegação europeias, cujos navios escalavam semanalmente os nossos principais portos.
Como é fácil constatar, não houve resposta directa do director da Linha Peninsular aos comentários daqueles que pretendiam defender os interesses da Companhia Thétis. Mas existiram afrontas, tais como “não se aguentam mais de dois anos!”. E chegaram ameaças traduzidas nos descontos dos fretes, inicialmente de 25 por cento e mais tarde de 40 por cento. Descontos só possíveis em função dum considerável poder económico, que a Linha Peninsular dispunha, perfeitamente percetível na recolocação de navios a navegar, mesmo quando em inesperadas situações de sinistro ou naufrágio.
Apesar de tudo, a Companhia Thétis resistiu durante 25 anos, até que uma forte crise obrigou ao fecho das portas nos seus locais de trabalho. Resta a história e uma lição de vida que merece ser lembrada.
Pudessem os actuais comerciantes nacionais, encarar corajosamente a defesa dos principais interesses do país, fazendo renascer o espírito dos accionistas da Lusitana, da Exploradora ou da Thétis, na intransigente e urgente necessidade de recuperar o mar português.

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