Nós, abaixo assinados, accionistas carregadores desta companhia, tendo conhecimento da circular distribuída, em Lisboa e no Porto, por parte da companhia «Ligne Peninsulaire» da qual é gerente no Havre o sr. E. Grosos, agentes em Lisboa os srs. Juliel & Garay e no Porto o sr. A.M. Magalhães Júnior, vimos por este meio, profundamente indignados, protestar contra semelhante escrito.
É ponto averiguado que a concorrência da companhia “Thétis” incomoda já sobre modo a sua competidora «Ligne Peninsulaire» a qual não vê realizar-se a sua profecia de morte prematura, a dois meses do prazo máximo que lhe concedia, funcionando segundo se disse, comprar depois baratos os seus mesquinhos vapores para andarem a recados no Tejo.
Se muito folgamos de ver tão opostamente realizado aquele prognóstico, apesar de se dizer matematicamente calculado, estamos bem longe de procurar pretender censurar que aquela companhia lance mão de todos os meios ao seu alcance para não deixar-se suplantar.
É muito natural – é mesmo um dever seu; - aceitar que com a concorrência lucra o comércio e o público em geral; mas faça-se concorrência leal sem se recorrer a meios menos dignos.
Pela nossa parte, usamos de um direito que ninguém nos pode justamente contestar – dispondo do que é nosso, e a bem dos interesses de uma companhia que é muito nossa, temos expedido circulares a fim de que as nossas fazendas sejam carregadas nos nossos vapores.
Nada também mais natural.
A nossa circular é concebida nos seguintes termos:
(Tradução)
Tendo a Companhia Portuguesa de Navegação a Vapor Thétis, da qual somos accionistas, organizado um serviço regular entre Anvers, Havre, Lisboa e Porto, queira V. de ora em diante expedir todas as fazendas que nos forem destinadas, pelos vapores da mesma companhia, ordenando aos seus expedidores de se conformarem absolutamente com estas instruções.
Somos. etc., etc.
Jogada assim tão incitamente esta carta, acodem aqueles senhores à tirada da parceira, pretendendo fazer vaza com umas circulares que julgam trunfos, e, entretanto não passam de ser as cartas mais vis do seu baralho.
Uma das circulares para a qual se solicitam as assinaturas dos accionistas carregadores da companhia Thétis, para que mandem carregar «exclusivamente» nos vapores da Ligne Peninsulaire, termina pelo seguinte modo:
(Tradução)
«Chamo a sua atenção sobre o conteúdo da presente, que revoga “revóque” qualquer outra ordem em contrário, que directa ou indirectamente lhe tenha sido mandada». Esta “revóque” seria extremamente ridícula ao primeiro, não fosse insolitamente provocante, porque importa uma ofensa torpemente lançada em menoscabo do nosso brio como homens, como accionistas, como portugueses.
O sr. Grosos habituado, desde quando só em campo, a exercer pressão despótica sobre os seus carregadores, impõe tão ousada como impensadamente, que nos retratemos em seu proveito e contra os interesses da nossa companhia, pela qual hoje exclusivamente nos interessamos.
Avalia-nos, pois, o sr. Grosos como gente sem fé, sem opinião, sem consciência, sem caracter… tem graça! Mas ainda não pára aqui.
Acena-nos depois com uma tentadora espórtula em testemunho de reconhecimento pela… fraqueza de prestarmos as nossas assinaturas naquela circular, retratando-nos desairosamente com relação ao conteúdo das circulares que havíamos expedido em favor da companhia Thétis!
Tem-nos de mais a mais, em conta também de sordidamente corruptíveis e desleais para connosco mesmo.
Concluímos, pois, protestando e declarando ao sr. Grosos, que repelimos com todas as nossas forças as suas propostas aos accionistas da Thétis, por inconvenientíssimas e altamente atentórias contra o nosso pundonor; e estamos certos que neste sentimento somos acompanhados dos nossos consócios, cujas assinaturas não houve hoje tempo de recolher.
Lisboa, 31 de Julho de 1875
(ass.) A.P. de Carvalho Cunha, Anjos & Cª., Joaquim Moreira Marques, Lima Mayer & Filhos, J.R. Dotti, W. Dalheur, Luiz Manuel da Costa, J.J. de Matos & Silva, Augusto César da Trindade, J. Burnay, João Baptista Aicardi, Guimarães & Alves, Estevão de Sousa, Caetano Maria Bello, Manuel Machado Franco, Viúva Torres & Filho, H. Katrunstein, Francisco José Simões, Bernardino de Almeida Marques, António Lopes Tavares, Barbosa Evangelista & Cª., Francisco Nunes dos Reis, Viriato Duarte Miranda Campos & Cª., Teixeira & Pinto, Campos Júnior, Pedro Gomes da Silva, André Mendes Ferreira, Costa & Cª., Tomé F. Lima, César & Costa, J.F. da Rosa Júnior, Frederico Aguiar, José Aurélio Martins, A.P. & Leão, Machado & Cª., Santos & Cardoso, Boaventura da Costa Marques, Henry Burnay & Cª., Eduardo Pais & Saraiva e Augusto Neuparth.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 4 de Agosto de 1874)
A Companhia Thétis e a Ligne Peninsulaire
Sr. redactor,
Acabando de ler no «Jornal do Comércio”, de Lisboa, de 1 de Agosto do corrente ano um protesto dos srs. accionistas e carregadores da Companhia Thétis, em Lisboa, protesto que plenamente aprovamos e o qual já assinamos, ocorre-nos e entendemos ser ocasião oportuna para apresentar ao público algumas considerações, que julgamos encontrarão bom acolhimento na opinião dos srs. accionistas e carregadores da companhia, na cidade de Lisboa e de todos os portugueses que desejam a prosperidade das coisas do seu país.
Em tempo não havia para transporte regular das fazendas, que de França e Alemanha importavam as praças de Lisboa e Porto, mais que um único meio – o da Companhia Ligne Peninsulaire.
O preço dos fretes tocavam a meta do excesso, as irregularidades do serviço e os enganos amiudados não arrancavam providências, por mais reclamadas que fossem e tudo se sofria por não haver quem com ela concorresse.
O estado de pressão em que então se achava o comércio de Lisboa e Porto moveu a Companhia Lusitana a estabelecer uma carreira de vapores entre o Havre e Lisboa; porém, com sentimento o diremos, não pode ela sustentar-se: a Ligne Peninsulaire suplantou-a, porque em circunstância tão solene as praças de Lisboa e Porto não dispensaram à companhia portuguesa a protecção que deviam.
Mais tarde, pela mesma causa, houve no Porto a tentativa da organização da companhia a Exploradora; porém esta ideia abortou por motivos de nós bem conhecidos e mais uma vez a Ligne Peninsulaire suplantou a iniciativa nacional.
Devido, porém, a decidido empenho instalou-se ultimamente a Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos Thétis, que embora debaixo de uma luta continuada tem conseguido progredir.
Tenta-se hoje derrubá-la e porque forma? Empregando-se meios que a nossa dignidade repele: propõe-se-nos uma redução de mais de 25 por cento no preço dos fretes contanto que assinemos numa circular na qual temos de revogar as ordens que houvermos dado a favor da nossa Companhia Thétis. Não descemos a discutir o facto; cumpre-nos somente repelir, sem mais comentários os favores que hoje vem oferecer-nos a «Ligne Peninsulaire» e declarar energicamente que não os aceitamos, porque a troca de um mesquinho interesse sacrificaria a nossa companhia portuguesa pela qual hoje, mais do que nunca, nos interessamos. De mais, a conservação de empresas portuguesas desta ordem é de absoluta necessidade; o país aufere interesses; impede-se a exportação de capitais avultados que se pagariam em fretes; contribui-se para o desenvolvimento da nossa marinha mercante e muitos compatriotas nossos encontram nelas a remuneração condigna do seu trabalho, etc., etc.
Dando pois ordens positivas aos nossos correspondentes no estrangeiro, para que as mercadorias que importamos sejam todas carregadas nos vapores da nossa companhia portuguesa Thétis, além de cumprirmos o mais sagrado dos deveres, garantiremos assim com o mais leve sacrifício a prosperidade desta companhia, consolidando todas as vantagens que deixamos enumeradas. E em conclusão, vendo nós a companhia, que fundaram com o nosso capital, que trouxe ao comércio do Porto e Lisboa uma redução importante no preço dos fretes; que destruiu um monopólio que tanto afectara os nossos interesses, lutando com uma companhia poderosa que, se conseguir triunfar, decerto nos fará pagar bem caro a nossa tentativa de emancipação! Nestas circunstancias tão solenes em que temos forçosamente de optar, perguntamos:
Qual das companhias terá direito à nossa protecção?
(ass.) Francisco Joel Ferreira Braga e Ilídio Pereira de Abreu
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 5 de Agosto de 1874)