Ampliando a notícia acerca do grande incêndio ocorrido na noite de ante-ontem, no porão nº 3 do vapor alemão “Lisboa”, ancorado no rio Douro, em frente a Monchique, juntamos mais os seguintes pormenores:
O navio construído há dois anos na Alemanha, é uma embarcação magnifica, de tipo moderno, tendo importado em cerca de 180:000$000 e feito viagens para os portos portugueses e Marrocos, destinando-se ao transporte de mercadorias e de passageiros.
Antes de ancorar, pelas cinco horas da tarde, no rio Douro, o vapor havia descarregado em Lisboa carga diversa, no valor de uns 200:000$00 réis. O restante carregamento, na totalidade de 628 toneladas, constava, na maior parte, de arroz e açúcar (três mil e tantos sacos); fardos de papel, linho, seda, cânhamo, goma, tintas preparadas, salitre, produtos químicos, adubos químicos para a agricultura, maquinismos, quinquilharias, pianos, etc. Está averiguado que o sinistro ficou a dever-se ao arrombamento de uma caixa de verniz, derramando-se o liquido pelo pavimento do porão nº 3 e inflamando-se ao pretenderem com uma luz, verificar a causa do acidente. O fogo, alimentado pelo verniz de outras latas, que rebentaram na ocasião, produzindo pequenas detonações, comunicou-se rapidamente a todo o porão, tomando a breve trecho extraordinário incremento, danificando tudo quanto continha, bem como parte da carga acomodada no porão nº 4, que ficou deteriorada pelo excessivo calor e abundância de água. O carregamento dos porões nºs. 1 e 2, constante, em grande parte, de arroz, ficou intacto.
Pelo mesmo motivo, também a maquina do vapor carece de reparação, contando os engenheiros de bordo, auxiliados por oficiais técnicos de terra, faze-la a funcionar por toda a próxima semana. As caldeiras estão incólumes, mas o leme a vapor, o convés e a coberta sofreram grandes avarias, tendo ficado as chapas metálicas que revestem exteriormente o navio, bastante amolgadas, no sitio do foco do incêndio. Calculam-se os prejuízos no vapor e carregamento, em 50:000$000, cobertos por varias companhias estrangeiras. A carga estava segura em cerca de 80:000$000. Os oficiais de bordo ficaram sem os seus haveres, tendo-se perdido todos os mantimentos do vapor.
Os trabalhos de extinção, contínuos e fatigantes, terminaram pelas oito horas da manhã, tendo sido muito apreciados os serviços das corporações de bombeiros intervenientes. Também prestou excelente serviço o vapor “Lusitânia”, trabalhando com o possante estanca-rios, introduzindo enormíssima porção de água no porão incendiado. Este vapor, requisitado pelo capitão do “Lisboa”, Sr. M. Nissen, foi mantido de prevenção próximo ao navio. Além do Sr. Gerhard Burmester, que conforme foi dito se conservou toda a noite de ante-ontem a bordo, também ali compareceram o chefe do departamento marítimo, o Sr. Tenente Queiroz, da Marinha e diversos pilotos do serviço de pilotagem. Também esteve presente o Sr, Franz Burmester.
Pelas duas horas da tarde de ontem apareceu fogo no compartimento do carvão, originado por combustão espontânea, que foi prontamente extinto pelas mangueiras de bordo do vapor, cujas bombas estiveram, durante o dia, a trabalhar no esgotamento da água, devendo prosseguir hoje nesse serviço, com o auxílio de uma bomba dos bombeiros municipais, requisitada pelo Sr. Gerhard Burmester. Como medida de precaução, ficou a bordo do “Lisboa”, na noite passada, um piquete dos mesmos bombeiros.
Amanhã, de manhã, deve continuar a descarga das mercadorias, que ficarão arrecadadas num armazém especial da Alfândega as que estiverem em perfeito estado de conservação, até serem reclamadas pelos respectivos donos e removidas para as barcaças as que ficaram inutilizadas, a fim de se lhes dar o conveniente destino. Foi reforçada a fiscalização da marginal, com o pessoal disponível, a fim de evitar descaminho das mercadorias que, antes do incêndio, tinham sido recolhidas em barcaças. Logo que fiquem concluídos os trabalhos de reparação provisória, a que se vai proceder imediatamente, o vapor seguirá para a Alemanha, onde será devidamente reparado. O navio pertence à frota da companhia Oldenburg Portugiesiche Dampschiffs.
In (Jornal “O Comércio do Porto”, de 21 de Setembro de 1914)
Nota: Informação posterior confirma a saída do vapor do rio Douro, no dia 29 de Setembro com destino à Alemanha, via Setúbal.