segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

História trágico-marítima (CCCIV)


O naufrágio do lugre "Silvia"
próximo à praia da Aguda, em 5 de Novembro de 1935

No mar
Esteve em perigo o lugre português “Silvia” - A tripulação
abandonou o navio sendo salva pelo rebocador “Mars 2º”
Devido ao forte vento e impetuosidade do mar, que assolaram violentamente a costa, deve-se um sinistro, ao largo, entre Miramar e a Granja, que poderia ter consequências gravíssimas, se não fosse a prudência dos marítimos em perigo. O caso que se relata em poucas linhas, passou-se com o lugre português “Silvia”, pertencente a Aveiro, mas registado na praça do Porto.
O “Silvia”, magnífico lugre empregado no serviço de cabotagem, saíra de Setúbal na passada quinta-feira, com um grande carregamento de sal, consignado à firma António Carlos da Silva Reis, da rua da Alfândega, no Porto.
A viagem decorreu normalmente até próximo de Espinho, onde chegou no Domingo, ao princípio da tarde. Navegando sempre, em direcção ao Porto, foi, pouco depois, obrigado a lutar com a fúria dos elementos – vento contrário e muito mar.
Durante quase toda a viagem foi impulsionado por vento O.S.O. (Oeste, sudoeste), sendo assaltado pelas 18 horas, por uma brusca viração a N.N.W. (Norte, noroeste). O mar, favorecido pela violência do vento, começou, então, a impeli-lo para a costa, à vista das praias da Granja, da Aguda e de Miramar.
Momento de perigo
Os tripulantes do lugre, empregaram-se activamente, nas manobras de o pôr a salvo. De terra ninguém se apercebia do perigo, e embora tarde – meia-noite já – decidiram colocar a bandeira branca a meia adriça e lançar o primeiro ferro de que dispunham.
O lugre, cedendo cada vez mais, descaía para terra de maneira assustadora. O perigo aumentava, e lançando o terror nas oito vidas em jogo, naquele momento de difícil salvação as correntes rebentaram.
O capitão do “Silvia”, António Nunes (o Bom), velho e experimentado lobo do mar, reanimou os seus homens. Mais um ferro foi lançado – o ancorete – o último que existia a bordo. A borrasca não passava, sendo o convés varrido de lado a lado pelas vagas alterosas, que se desfaziam, com fragor, contra o casco do lugre condenado.

Desenho de um lugre, sem correspondência ao texto

Características do lugre “Silvia”
1934-1935
3 mastros, proa de beque, popa redonda, com 1 pavimento
Armador: Empresa Marítima do Norte, Lda., Porto
Nº Oficial: N/d - Iic: C.S.K.D. - Poto de registo: Porto
Construtor: José Dias dos Santos Borda Júnior, Fão, 1.9.1917
ex patacho “Palmira”, José J. Gouveia, Porto, 1917-1919
ex patacho “Nazareth 3º”, Soc. Srª. da Nazaré, 1919-1919
ex patacho “Duarte”, Soc. Srª da Nazaré, 1919-1924
ex lugre “Srª dos Navegantes”, Soc. Srª da Nazaré, 1924-1927
ex lugre “Silvia”, Agualuza & Batata, Lda., Aveiro, 1927-1934
Arqueação: Tab 227,25 tons - Tal 173,55 tons
Dimensões: Pp 32,80 mts - Boca 8,30 mts - Pontal 3,00 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 8 tripulantes
O salvamento dos tripulantes
De manhã, cerca das 8 horas, como se não modificasse a situação do lugre, os seus tripulantes resolveram abandoná-lo, tomando lugar no pequeno bote de bordo, mantendo-o em equilíbrio à força de remos, não querendo perder o “Silvia” do alcance da vista. No entanto, passadas duas horas de incerteza e de desfalecimento físico, apareceu o “Mars 2º”, sob o comando do mestre Francisco Rosa, que saíra de Leixões para os socorrer.
Como se revelasse impossível aproximar-se do navio, para o rebocar, o “Mars 2º” passou um cabo ao bote com os náufragos, conduzindo-os, em seguida, para Leixões, onde chegaram, ontem, às 11 horas.
A tripulação do “Silvia” era composta por: capitão, António Nunes, de 65 anos, de Ílhavo; contra-mestre António Carreira, de 61 anos, da Figueira da Foz; marinheiros: António Nunes Júnior, de 30 anos, José Batista Coelho, de 29 anos, e João Santos Malaquis, de 25 anos, todos de Ílhavo e José Vinagre, de 44 anos, de Vila Nova de Gaia; cozinheiro Ildefonso Imaginário, de 30 anos e o moço José Batista Caramonete, de 24 anos, ambos também de Ílhavo.
Notas diversas
O lugre “Silvia” pertence a uma sociedade que é representada, no Porto, pela Empresa de Navegação e Comércio. Em socorro do “Silvia”, saiu, também de Leixões, o salva-vidas a motor “Carvalho Araújo”. O navio está no seguro, não tendo os tripulantes conseguido salvar mais do que as roupas que tinham vestidas no corpo.
Se o tempo e o mar melhorarem, e se não partir a amarra do ancorete que lançaram, é possível que o “Silvia” possa salvar-se, e para esse efeito deve sair de Leixões, hoje de manhã o “Carvalho Araújo”.
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O lugre “Silvia” abandonado pela tripulação, já foi desfeito pelo mar. Não resistindo ao violento embate das ondas, desfez-se contra a costa, próximo da Aguda. O mar tem arrojado à praia em Miramar, Aguda, Granja e Espinho destroços do lugre, que são recolhidos e guardados pela Guarda Fiscal.
Jornal de Notícias, 7 de Novembro de 1935

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