Marinha de Guerra Portuguesa
A primeira grande reforma das Capitanias
O pequeno período da história, que distou dez anos, entre 1882 e 1892, revolucionou completamente o país, obrigando a repensar métodos e processos em curso, sobre os departamentos marítimos, capitanias dos portos e respectivas delegações.
Nesses 10 anos verificou-se um enorme desenvolvimento, com base na construção naval em madeira, de excelente qualidade, para a marinha de comércio, quer para os serviços de cabotagem como para o longo curso, mas principalmente para a pesca.
De tal forma, que o Governo do reino viu-se na iminência imperativa de reorganizar a legislação vigente nestas áreas, modernizando modelos ultrapassados, por norma sujeitos a reclamações de diversas associações, cujo atendimento e concordância vieram a merecer justo reconhecimento.
Nesse sentido, foi apresentada pelo Governo ao Rei, uma proposta de alteração da legislação, que depois de discutida no plenário nacional, viria a ser aprovada no dia 1 de Dezembro de 1892, e publicada no Diário do Governo no dia 13 do mesmo ano e mês.
Porque partes do texto em questão são dignos de serem recordados, transcreve-se pontos de significativo valor histórico, como segue:
«A jurisdição marítima no litoral e águas territoriais abrange condições importantíssimas de serviço público, que, por sua natureza especial e técnica, têm de ser confiadas aos chefes dos departamentos marítimos e repartições suas dependentes.
É a carta de lei de 27 de Julho de 1882 que até hoje tem regulado o exercício daquela jurisdição; a prática, porém, da sua execução tem demonstrado a urgência de preencher algumas lacunas nela existentes, perfeitamente explicáveis numa legislação, que tem de ser muito complexa para poder prever a maioria das hipóteses.
Não menos se tem afirmado a necessidade de alterar algumas disposições do diploma citado no sentido de conciliar os interesses do Estado com os das populações marítimas e do comércio, que pela voz autorizada das suas associações têm reclamado insistentemente a reforma da lei vigente, e do seu regulamento.
Alguns serviços especiais que representam elementos de administração devidamente atendidos nos portos estrangeiros, não são atendidos na actual legislação, que aliás, é forçoso não esquecê-lo e fazer a devida justiça, lançou as bases de uma organização definida, e preparou a evolução para o que agora temos a honra de propôr.
Assim, por exemplo, o que diz respeito à inscrição marítima, aos processos por transgressões, à concessão de amarrações fixas, ao determinado quanto ao alojamento para passageiros, as disposições para as cargas de grão, para as do convés, e outros assuntos de igual importância, têm de ser regulados, pois que pela legislação até agora vigente não o são. Tem isto de fazer-se de forma semelhante ao que acontece nos portos estrangeiros, porquanto a natureza de tais serviços impõe para eles uma legislação, quanto possível cosmopolita, para evitar resistências e dificuldades comerciais e variedade de disposições onde os intuitos e o objectivo são um e único, e a lei tem de atingir súbditos de todas as nacionalidades.
A indústria da pesca, quando devidamente desenvolvida em Portugal, deve representar um dos elementos de riqueza pública mais importante, não só como auxiliar quase indispensável da alimentação de todas as classes sociais no país, mas ainda como emprego da sua população menos abastada, e como meio de obter pela exportação de um produto de valor seguro uma forma – e não pode ela desprezar-se onde tão pouco abundam, - de, na balança comercial, atenuarmos os nossos deficits económicos.
Tem a indústria piscatória passado ultimamente entre nós por uma tal transformação de processos de exploração, que tem de ser acompanhada por uma legislação que sirva de auxiliar a essa transformação progressiva, e a considere na sua nova fase menos tradicional e rotineira.
Assim, por exemplo, as armações de sardinha com copo à valenciana, galeões e cercos americanos, que foram entre nós iniciados em 1884, e que representam, com respeito aos antigos processos, aparelhos aperfeiçoados de exploração, aumentaram, em milhares de indivíduos, o pessoal empregado na indústria respectiva, o que, como é evidente, trouxe, na sua relação com as capitanias, considerável acréscimo de trabalho e expediente, comparado com o que era normal antes de tais processos serem no país conhecidos ou empregados.
Sob o ponto de vista estatístico, e ainda como auxiliar insubstituível na formação das tripulações da marinha mercante, e nas das embarcações de pesca, há muito se faz notar a falta de inscrição marítima, feita por pessoas competentes e conhecedoras, e que traduza por um consciencioso e apurado arrolamento da tripulação, que explora o mar nos seus diversos elementos remuneradores, a verdade dos factos, e as condições da sua existência positiva.
Analisando outras circunstâncias peculiares da exploração marítima, é mister ter em vista o que se passa nos portos da Europa, não só como meio de receita para o Estado, que em nada afecta os interesses comerciais, mas ainda como forma de policiá-los o assegurar nos ancoradouros uma regular fiscalização das amarrações fixas, cujo número e necessidade, dada a quase exclusiva navegação por vapor, trazem como natural exigência não continuarem sem uma regulamentação adequada e eficaz e sem uma fiscalização que seja garantia segura de vidas e propriedade e de arrumação dos navios nos ancoradouros.
Ao que fica dito satisfaz o regímen que propomos, estabelecendo para as amarrações fixas com bóia vistorias periódicas e uma licença anual com pagamento de emolumentos, tudo amplamente justificado pelos lucros consideráveis que os seus proprietários auferem ou vantagens que dela resultem para os armadores e pela necessidade de obter para o tesouro público meios de compensar a despesa inevitável com a organização de serviços, que são imprescindíveis em face da existência de novos portos artificiais, e do desenvolvimento que em alguns dos naturais tem tido o seu comércio e larga exploração das águas territoriais.
Novas capitanias ou delegações
Em face do desenvolvimento comercial de algumas das povoações do litoral, tais como Leixões, Nazaré, Vila Nova de Milfontes e Fuzeta, uma necessidade se impõe absoluta e impreterível, e teve ela de ser considerada no regímen proposto. Referi-mo-nos à urgência de prover aquelas localidades com delegados das capitanias que ali possam representar e exercer condignamente os deveres respectivos, o que não trará aumento de despesa, que não seja compensado pelas receitas correlativas, e o que não exigirá nomeação de novos empregados, pois que estão as coisas dispostas de forma a só se utilizarem os já existentes.
No porto de Leixões não pode, em face da sua importância como porto artificial, deixar de haver um delegado da capitania oficial da Armada; têm a este respeito sido instantes as reclamações das estações competentes, e não menos do comércio portuense e ainda do estrangeiro que ali tanto aflui.
A Nazaré tem actualmente empregados na pesca mais de 5.000 indivíduos de ambos os sexos e 350 barcos, que pagam de impostos 10:000$00 a 12:000$00 réis.
A Fuzeta além de muito frequentada pelos galeões espanhóis, que para regular execução de convénio de pesca com a Espanha é preciso vigiar, tem 900 pescadores permanentes; mais 300 em determinadas épocas, e ao todo 74 barcos.
A distância relativamente considerável de Vila Nova de Milfontes a Setúbal, onde se acha a sede da capitania, é um obstáculo grave ao comércio daquele porto e à acção fiscal da autoridade marítima. Preciso é, portanto, que uma delegação da capitania ali satisfaça de pronto a todas as exigências policiais e do comércio.»
No porto de Leixões não pode, em face da sua importância como porto artificial, deixar de haver um delegado da capitania oficial da Armada; têm a este respeito sido instantes as reclamações das estações competentes, e não menos do comércio portuense e ainda do estrangeiro que ali tanto aflui.
A Nazaré tem actualmente empregados na pesca mais de 5.000 indivíduos de ambos os sexos e 350 barcos, que pagam de impostos 10:000$00 a 12:000$00 réis.
A Fuzeta além de muito frequentada pelos galeões espanhóis, que para regular execução de convénio de pesca com a Espanha é preciso vigiar, tem 900 pescadores permanentes; mais 300 em determinadas épocas, e ao todo 74 barcos.
A distância relativamente considerável de Vila Nova de Milfontes a Setúbal, onde se acha a sede da capitania, é um obstáculo grave ao comércio daquele porto e à acção fiscal da autoridade marítima. Preciso é, portanto, que uma delegação da capitania ali satisfaça de pronto a todas as exigências policiais e do comércio.»
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«Largamente indicados, como temos feito, não só os princípios da administração em que se funda o regímen proposto, mas ainda a sua feição económica, temos a honra de pedir a aprovação de Vossa Majestade para o seguinte projecto de decreto, que, não só pela opinião do Governo, mas segundo a opinião de pessoas autorizadas que nele colaboraram, tem a subida vantagem de aperfeiçoar e organizar serviços importantes, no sentido que a experiência de há muito aconselha, e o interesse público insistentemente reclama.».
«Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, 1 de Dezembro de 1892 = José Dias Ferreira = António Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel = Jorge Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado = Francisco Joaquim Ferreira do Amaral = António Ayres de Gouvêa = Pedro Victor da Costa Sequeira».
Lamentavelmente os 10 anos que se seguiram mostraram um Governo incapaz de argumentar com a exigível diplomacia ao “Ultimato” britânico de 1890, situação agravada por levantamentos militares, causando imensa instabilidade no país. Isto porque a concessão exclusiva da construção naval à Inglaterra nesse período e a proibição de algumas artes de pesca, apenas serviram para vitimar um largo número de marinheiros e pescadores.
Porém, a entrada no século XX proporcionou a normalização das actividades marítimas, e só não foi possível chegar mais longe, porque o país não dispunha de aço, carvão e técnicos para modernizar a construção naval.
De resto, é fundamental concluir que o documento apresentado foi lei durante muitos anos e a aprendizagem que dele se retira, após 125 anos de história, remete-nos agora ao cumprimento de algumas efemérides.
Porque é também o caso do Instituto de Socorros a Náufragos, que por coincidência também viu ser oficializado o seu início da actividade há 125 anos, urge compreender que desde então até aos dias de hoje, no imenso mar português, muito evoluiu, estando os responsáveis pela A.M.N. (Autoridade Marítima Nacional) a acompanhar em proximidade as alterações impostas pelo progresso, na rota segura dum futuro melhor.
«Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, 1 de Dezembro de 1892 = José Dias Ferreira = António Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel = Jorge Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado = Francisco Joaquim Ferreira do Amaral = António Ayres de Gouvêa = Pedro Victor da Costa Sequeira».
Lamentavelmente os 10 anos que se seguiram mostraram um Governo incapaz de argumentar com a exigível diplomacia ao “Ultimato” britânico de 1890, situação agravada por levantamentos militares, causando imensa instabilidade no país. Isto porque a concessão exclusiva da construção naval à Inglaterra nesse período e a proibição de algumas artes de pesca, apenas serviram para vitimar um largo número de marinheiros e pescadores.
Porém, a entrada no século XX proporcionou a normalização das actividades marítimas, e só não foi possível chegar mais longe, porque o país não dispunha de aço, carvão e técnicos para modernizar a construção naval.
De resto, é fundamental concluir que o documento apresentado foi lei durante muitos anos e a aprendizagem que dele se retira, após 125 anos de história, remete-nos agora ao cumprimento de algumas efemérides.
Porque é também o caso do Instituto de Socorros a Náufragos, que por coincidência também viu ser oficializado o seu início da actividade há 125 anos, urge compreender que desde então até aos dias de hoje, no imenso mar português, muito evoluiu, estando os responsáveis pela A.M.N. (Autoridade Marítima Nacional) a acompanhar em proximidade as alterações impostas pelo progresso, na rota segura dum futuro melhor.
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