sábado, 31 de agosto de 2019

História trágico-marítima (CCCX)


Sinistros marítimos nas proximidades da ilha Graciosa, Açores

São diversos os navios que se perderam por encalhe ou naufrágio nesta ilha do arquipélago açoriano, uns que por força do material empregue na sua construção ainda deixam vestígios, visitados ocasionalmente por mergulhadores, outros dos quais resta apenas a lembrança da sua existência, na actividade comercial ou na pesca.
Da lista de sinistros constam os seguintes navios: o vapor “Mazzini”, encalhou em 31 de Março de 1925, posteriormente desfeito pelo mar; o iate “Helena”, encalhou no Portinho da Barra (Santa Cruz), em 2 de Junho de 1927, entretanto recuperado, continuando a operar inter-ilhas, porém sem registo nas listas de navios nacionais; o cargueiro “Terceirense” encalhado próximo do ilhéu da praia, em 17 de Janeiro de 1969; o navio-motor “Santo Amaro”, foi vitima do estado do mar, em 11 de Abril de 1986, no porto de São Mateus, no início de uma viagem de cabotagem para Angra do Heroísmo; o porta-contentores “Corvo”, encalhou no ilhéu da praia de São Mateus, em 15 de Dezembro de 2000, quando se preparava para fazer a manobra de atracação no porto; e finalmente a traineira “Guernica”, em 12 de Fevereiro de 2001, na baía da Folga, próximo do morro do Tufo.

Imagem do vapor "Brescia" que foi depois "Mazzini"
Foto da colecção de Sammlung Gerg Fiebiger

Características do vapor “Mazzini”
1920 - 31.3.1925
Armador: Cooperativa Garibaldi, Génova, Itália
Construtor: A.G. “Weser”, Bremen, Junho de 1913
ex “Spitzfels”, Hansa D.D.G., Bremen, 1913-1915
ex “Brescia”, Governo Italiano, Génova, 1915-1920
Arqueação: Tab 5.809,00 tons - Tal 3.643,00 tons
Dimensões: Pp 128,10 mts - Boca 17,13 mts - Pontal 9,02 mts
Propulsão: Do construtor - 1:Te - 3:Ci - 520 Nhp - 11,5 m/h

Imagem do navio-motor "Terceirense", em Leixões
Foto do espólio da Fotomar, Matosinhos

Características do navio-motor “Terceirense”
1948 - 17.1.1969
Nº Oficial: H383 - Iic: C.S.D.Z. - Porto de registo: Lisboa
Armador: Empresa Insulana de Navegação S.A.R.L., Lisboa
Construtor: Grangemouth Dockyard Co., Ltd., Escócia, 1948
Arqueação: Tab 1.295,11 tons - Tal 655,75 tons
Dimensões: Pp 71,89 mts - Boca 12,26 mts - Pontal 3,82 mts
Propulsão: Mirrlees, Bick. & Day - 2:Di - 2x648 Bhp - 9,5 m/h

O “Terceirense” encalhou e afundou-se junto da ilha Graciosa,
em frente da vila da Praia, no arquipélago dos Açores
Na madrugada de hoje, devido ao meu tempo no Atlântico, o navio de carga “Terceirense”, da Empresa Insulana de Navegação, encalhou na ilha Graciosa, arquipélago dos Açores, e, em consequência do rombo sofrido acabou por se afundar em frente da vila da Praia. Toda a tripulação foi salva e encontra-se bem na Graciosa, devendo, ainda hoje, ser conduzida para Angra do Heroísmo, no navio “Cedros”, da mesma empresa armadora, que seguiu imediatamente para o local.
O “Terceirense” foi construído na Escócia, em 1948, para a Empresa Insulana de Navegação, e deslocava 2.713 toneladas. A sua tripulação era constituída por 23 homens.
Duas horas depois do sinistro que levou o “Terceirense” a afundar-se, o comandante do navio, Sr. João José de Azevedo, prestava as seguintes declarações:
«O “Terceirense”, que faz a carreira entre as ilhas dos Açores, saíra de Lisboa em 7 de Janeiro, fazendo escala nas ilhas de Santa Maria, São Miguel, Terceira e Graciosa, de onde devia seguir, ainda hoje, para a Calheta de São Jorge, Pico e Faial, regressando a Lisboa no Domingo, ou na segunda-feira, conforme o serviço neste último porto.
Durante a noite e a manhã de ontem, suportou violento temporal. A certa altura, a visibilidade tornara-se quase nula, lutando o navio com vagas enormes. Ao aproximar-se da ilha Graciosa, passou por cima de uma rocha, que lhe rasgou o fundo. A água invadiu imediatamente a casa das máquinas e o porão nº 3, através dos rombos provocados à ré. Entretanto, a água chegou aos geradores, e, a partir de então, as bombas ficaram impossibilitadas de trabalhar no esgotamento».
«Era o fim – prosseguiu comovido o capitão João Azevedo. Lentamente, o casco desapareceu nas profundezas do mar. Eram 10 horas e 12 minutos locais, duas horas mais em Lisboa, quando deixou de avistar-se a silhueta do navio, que, durante tantos anos, lutara galhardamente contra a braveza do mar imenso».
E continuou: «Verificando que nada havia a fazer, dei ordem para que os tripulantes abandonassem o navio, utilizando os meios de salvamento que, entretanto, chegavam da praia da Graciosa. Em várias lanchas, os 23 tripulantes, puseram-se a salvo.»
«O “Terceirense” não trazia passageiros, mas estava com os porões cheios de carga diversa, que se perdeu. Puderam, no entanto, salvar-se as malas de correio, à excepção das embarcadas ontem, à tarde, em Angra do Heroísmo, e de todas as encomendas postais.
E, terminando: «Toda a tripulação, que se portou condignamente, não esboçando qualquer momento de pânico deve regressar, ainda hoje, a Lisboa, a bordo do “Cedros”.»

Imagem do navio porta-contentores "Corvo"
Foto em bilhete-postal emitido pela empresa armadora

Características do navio “Corvo”
1989 - 15.12.2000
Nº Oficial: N/d - Iic: C.S.D.V. - Porto de registo: Ponta Delgada
Armador: Mutualista Açoreana de Transp. Marítimos, Ponta Delgada
Construtor: Werft Nobiskrug GmbH, Rendsburg, Alemanha, 1980
ex “Stemwede”, 1980; ex “España”, 1984; ex “Ville de Tyr”, 1985; ex “España I”, 1986; ex “Manafoss”, 1987; ex “Orient Success”, 1989
Arqueação: Tab 2.937,00 tons - Tal 1.217,00 tons
Dimensões: Pp 89,01 mts - Boca 15,73 mts - Pontal 8,01
Propulsão: Kloeckner-Humboldt-Deutz A.G., Colónia, 13 m/h

Depois do que é dado observar através do relato muito concludente do capitão Sr. João Azevedo, do navio “Terceirense”, permite de alguma forma perceber da dificuldade que existe em manobrar qualquer tipo de navio, face às condições adversas de tempo e mar, que os navios enfrentam, principalmente durante os meses de inverno.
Apesar da falta de mais informação relativa aos sinistros dos navios “Mazzini” e “Corvo”, os sinistros sugerem a eventualidade de terem encontrado situações muito similares, arrombando os cascos sobre rochedos, com a inevitável entrada de água nos porões, dificultando seriamente as tentativas de salvamento. Tanto que no caso do navio “Corvo”, apesar dos trabalhos levados a cabo pelo rebocador “Pêro de Teive” da Junta Autónoma do porto de Ponta Delgada e da corveta da Marinha “João Coutinho” nesse sentido, os resultados resultaram infrutíferos.
Convém nesta fase, por ser da maior justiça, deixar uma nota de louvor aos pescadores locais, que prestaram auxílio em todos os sinistros aqui relatados, salvando a vida das tripulações, em condições de extrema dificuldade, tendo sido somente utilizado um helicóptero «puma» da Força Aérea, no resgate dos pescadores da traineira “Guernica”, igualmente com sucesso.
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Fontes consultadas: Quaresma, Amilcar Goulart, Maresias III, publicação do jornal “O Dever”, Madalena, Pico, 2001 e jornal "O Século", de sábado, 18 de Janeiro de 1969