Entrou, ontem, no Tejo, pelas 20 horas, fundeando em frente da Junqueira, o lugre português “Labrador”, de regresso da pesca do bacalhau da Terra Nova.
A bordo trouxe 54 homens, da tripulação do lugre português “Delães”, pertencente à Sociedade Nacional dos Armadores da Pesca do Bacalhau, que quando vinha para Portugal, depois de alguns meses de pesca na Terra Nova e Gronelândia, há cerca de 15 dias, a cerca de mil milhas dos Açores, foi afundado por um submarino de nacionalidade desconhecida.
Toda a tripulação foi salva, tendo os 54 marítimos embarcado nos «dóris», andando no mar uma noite e um dia até que foram salvos pelo lugre bacalhoeiro “Labrador”, pertencente à mesma sociedade.
Todos os marítimos foram muito bem tratados pelos seus colegas.
O bacalhoeiro trazia para Portugal um carregamento completo de bacalhau. Era comandado pelo capitão João Oliveira de Pinho.
Os náufragos desembarcaram hoje, às 11 horas, a fim de se apresentarem às autoridades marítimas e ao Instituto de Socorros a Náufragos.
O bacalhoeiro afundado estava matriculado na praça de Lisboa.
A tripulação era constituída pela seguinte forma: capitão João Oliveira de Pinho, de Ílhavo; oficial-piloto José Fernandes Pereira, de Ílhavo; Fernando da Rocha Canancho, de Ílhavo; ajudante de motorista Aurélio Brandão dos Santos, do Porto; Manuel do Sacramento Minhoto, de Ílhavo; ajudante de cozinheiro José Lúcio Ramos, de Ílhavo; moços de bordo João Celestino Chuvas, José Barreira do Patrocínio e Manuel Marcela Ferreira, todos de Ílhavo.
Os pescadores são António dos Aflitos Cavaleiro, da Nazaré; António Augusto Guerra, de Buarcos; António Fernandes Matias, da Cova; António Maria de Matos, da Afurada; António de Oliveira, da Fuzeta; António de Sousa, da Póvoa de Varzim; Armindo Lopes Acabou, da Afurada; Bernardino da Costa de Castro Duque, de Vila do Conde; Domingos Moreira da Cruz, da Afurada; Domingos Rodrigues Mateus, de Leça da Palmeira; Eduardo Simões de Oliveira, contra-mestre do lugre; Florindo de Oliveira Pinto, de Vila Nova de Gaia; Francisco Baptista Matias, da Fuzeta; Francisco Pais João, Galego, da Nazaré; Hilário da Costa de Castro Duque, de Vila do Conde; Jaime Maria de Matos, da Afurada; João Baptista Matias, da Fuzeta; João de Jesus Grilo, de Ílhavo; João Pereira Praia, de Ílhavo; João da Silva Gomes, de Aveiro; João da Silva Ribeiro, de Buarcos; Joaquim Baptista de Oliveira, da Fuzeta; Joaquim Gomes da Veiga, de Leça da Palmeira; José Lucas, da Fuzeta; José Ribeiro Fontes, de Vila do Conde; Júlio Rodrigues Correia, da Afurada; Manuel Baptista da Silva, de Leça da Palmeira; Manuel da Costa de Castro Duque, de Vila do Conde; Manuel Faria Braga, de Vila do Conde; Manuel Maria da Silva, da Afurada; Manuel de Oliveira Lopes, da Afurada; Manuel Pereira Esteves, de Ílhavo; Manuel Ribeiro Fontes, de Vila do Conde; Manuel Rodrigues da Hora, da Fuzeta; Olindo Ferreira Neves, da Afurada; Zacarias da Silva Pereira, de Vila do Conde; António Vasco, de Setúbal; José Marques Gaio, da Nazaré; Joaquim de Jesus Dias, da Fuzeta; José veríssimo Gandal, da Nazaré; Luís Ribeiro Manata, de Buarcos; António José, de Olhão; José Domingues Magano, de Ílhavo; José Pedro de Jesus Dias, da Fuzeta; e Ricardo Nunes da Conceição, de Ílhavo.
O lugre “Delães” pertencia à Sociedade Nacional dos Armadores da Pesca do Bacalhau, que o comprou depois da campanha de 1941, juntamente com o “Oliveirense” à Empresa de Pesca do Bacalhau do Porto, Lda.
Estavam interessados a este lugre-motor todos os armadores portugueses.
O “Delães” deslocava cerca de 450 toneladas e tinha 45 metros de comprimento e podia carregar à volta de 700 quintais de bacalhau, cuja carga trazia completa.
Tinha três mastros de vela e um motor auxiliar.
Fôra comandando anteriormente pelo capitão Jorge da Rocha Tralaró.
O lugre “Labrador” que salvou os tripulantes do “Delães” pertence à Sociedade Lisbonense da Pesca do Bacalhau, Lda., sob o comando do capitão António Simões Picado, que no ano findo, quando entrava no Grande Banco, no meio de denso nevoeiro, foi violentamente abalroado por um «comboio» britânico, tendo nessa altura sofrido graves avarias.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 23 de Setembro de 1942)
Os náufragos do lugre bacalhoeiro “ Delães ” afundado por um
submarino, quando regressava da Terra Nova, desembarcaram
ontem, narrando como foi praticado o revoltante e criminoso acto
Os cinquenta e quatro náufragos do lugre português “Delães”, pertencente à Sociedade Nacional dos Armadores da Pesca do Bacalhau, de Lisboa, torpedeado por um submarino desconhecido, sem aviso prévio, quando regressava da Terra Nova completamente carregado de bacalhau, desembarcaram ontem, de manhã, no antigo Arsenal de Marinha.
O capitão, José Nunes de Oliveira, de 40 anos, natural de Ílhavo, e o imediato, José Fernandes Pereira, um velho «lobo-do-mar», também de Ílhavo, foram ouvidos pelo comandante da Polícia Marítima, 1º tenente sr. Sales Henriques, seguindo depois para o Grémio dos Armadores da Pesca do Bacalhau, onde o primeiro conversou largamente com o presidente da direcção, 1º tenente sr. Henrique Tenreiro.
Os outros 52 tripulantes – quase todos rapazes ou homens novos – com a indumentária característica da pesca bacalhoeira – única coisa que conseguiram salvar, além de 10 dóris dos 40 que havia a bordo seguiram novamente, num rebocador da Capitania, para Alcântara, onde se instalaram no antigo quartel de marinheiros, e onde o armador lhes liquidou as soldadas completas – como se nada de anormal se tivesse passado nesta viagem.
O capitão recusou-se a fazer qualquer declaração, além do seu agradecimento pela forma como o capitão e os outros tripulantes do “Labrador” acolheram os 54 náufragos.
- Se fosse um acto que me nobilitasse. Mas um caso tão triste… Eu nem me quero lembrar!
Um dos tripulantes disse:
- Largamos em Junho e estivemos dez dias a pescar na Terra Nova, donde seguimos para a Gronelândia. Ali estivemos a pescar desde 24 de Junho a 31 de Agosto, data em que, por já termos o carregamento completo, iniciamos a viagem de regresso.
- Quantos dias traziam de viagem da Gronelândia, quando se deu o ataque?
- Onze. Estávamos desviados 1.100 milhas de Lisboa. Perto das dez horas do dia 11 do corrente, vimos aparecer, a uns duzentos metros de distância, um submarino escuro e grande, que abriu logo fogo contra o nosso barco. Os primeiros três tiros caíram na água, mas o quarto deitou abaixo o mastro da proa. Logo que começou o bombardeamento, lançamos à água os dóris que pudemos e, à força de remos afastamo-nos o quanto possível do “Delães”, não fossem as granadas atingir-nos.
Em menos de um quarto de hora estavam em marcha.
- O submarino continuou a disparar durante muito tempo?
- Cerca de meia hora. Deve ter atirado, talvez, cem granadas, nem sequer parando quando lavravam incêndios, primeiro à popa e depois à proa, quando o lugre já adornava.
Eram 11 e 50 quando o “Delães” se afundou. Já nos estávamos a uma distância relativamente grande. O submarino desapareceu, sem que tivéssemos visto qualquer tripulante ou traço que indicasse a sua nacionalidade, e nós continuamos a remar. Só pudemos salvar o que tínhamos em cima do corpo. Cada dóri é destinado a um pescador. Pois seis deles traziam cinco homens e os outros quatro transportavam seis homens cada um. Calcule, pois, como nós vínhamos, e o perigo que corremos, em barquinhos que se voltam com a maior facilidade! Ao aproximar-se a noite, para que os dóris não se afastassem uns dos outros, atámo-los com cabos. Unidos para a vida – ou para a morte!
- Como foram salvos?
- Cansados de remar, com fome e sede, porque não pudemos salvar comida nem uma gota de água, deitávamos contas à nossa triste sorte, quando vimos surgir na escuridão um farol. Eram duas da madrugada. Andávamos naquilo havia dezoito horas! Remamos a toda a força em direcção àquela luz que era a nossa esperança. E ao mesmo tempo, gritávamos, assobiávamos e fazíamos fogachos com os lenços, para chamar a atenção de quem quer que fosse que navegasse naquelas paragens. De bordo do barco do farol viram os fogachos quando já estávamos perto dele. Julgando que se tratava de submarinos, o barco parou. Eram quase quatro horas da madrugada, quando chegamos ao pé do “Labrador” e fomos carinhosamente recolhidos e tratados.
- Ficou algum ferido ou doente?
- Graças a Deus, nenhum!
- E agora?
- Agora, seguimos para as nossas terras. E depois – outra vez para o mar. É o nosso destino.
***
Regressaram ontem às terras da sua naturalidade, no correio da noite, os marítimos que faziam parte da tripulação do lugre “Delães”, naufragado no Atlântico.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 23 de Setembro de 1942)