sábado, 30 de março de 2013

História trágico-marítima (LXVI)


Na doca de Leixões
Um violento incêndio pôs em perigo o vapor português “Inhambane”, tendo sido empregues 25 agulhetas para dominar as chamas alterosas e ameaçadoras

O "Inhambane" à chegada ao porto de Leixões

A bordo do “Inhambane”, magnífico vapor de dez mil toneladas, que entrou, ante-ontem de manhã na doca Nº 1 de Leixões, declarou-se incendio, violento, com proporções inicialmente assustadoras. O “Inhambane” viera de Lisboa com 1.900 toneladas de nitrato de sódio e 250 toneladas de carga diversa, pertença da Companhia União Fabril, que é, também, proprietária do vapor.
Após a entrada na doca, acostando no lado sul, começaram os trabalhos de descarga. Os porões da ré foram os primeiros a ser aliviados. Quando a descarga estava bastante adiantada é que o incendio se manifestou.
Pouco passava das 13 horas. O pessoal retomava o serviço, suspenso pouco antes – foi quando o encarregado dos estivadores encontrou um saco de sódio a arder. Dado o alarme, recorreram ao extintor de bordo. Mas o fogo não cedeu. Pelo contrário – propagou-se a toda a mercadoria, e, dentro em pouco o porão Nº 5 era, igualmente, pasto de chamas. Mesmo antes de serem pedidos os socorros, compareceram no local, os Bombeiros Voluntários de Matosinhos.
O serviço de ataque ao fogo foi montado sob a direcção do Inspetor de Incêndios do Concelho de Matosinhos, sr. coronel Alberto Laura Moreira. Entretanto chegaram ao local do sinistro os corpos ativos dos Voluntários de Leixões, de S. Mamede de Infesta e de Moreira da Maia.
As chamas, crepitantes, saíam dos porões e elevavam-se a alguns metros, enquanto nuvens de fumo, compactas, subiam no espaço e – pode afirmar-se sem exagero – cobriam e escureciam o céu em Leixões e Matosinhos. Da vila e dos lugares distantes acorreu gente. Nas imediações da doca, contidas à distância pela guarda, viam-se milhares de pessoas.
O espectáculo, sinistro, trágico, chamava a atenção de todos. Aos olhos dos assistentes e até aos olhos dos bombeiros, afigurou-se tragédia de gravíssimas consequências. O fumo e o cheiro intoxicava os abnegados bombeiros, mas eles, heroicamente, obedecendo, disciplinados, ao comando do coronel Laura Moreira, com mascaras contra gás ou sem elas, combatiam, de agulheta em punho, as chamas, e desciam aos porões, resolutamente, sem medirem o perigo ameaçador que os envolvia. Se não fosse a inteligência posta à prova no ataque ao incendio e o heroísmo dos bombeiros, talvez o vapor se tivesse perdido.
Felizmente o fogo podia considerar-se extinto duas horas após o seu início, tendo ficado limitado aos dois porões, parcialmente inundados com a água das dezassete agulhetas utilizadas pelos bombeiros das quatro corporações antes referidas, duas do rebocador “Tritão”, uma do “Manolito”, e quatro de duas barcaças da Administração dos Portos do Douro e Leixões, no total de 25 agulhetas, alimentadas por uma autobomba e 12 motobombas.
Estiveram no local do incendio o presidente da Camara Municipal de Matosinhos e o Delegado Policial, srs. drs. Fernando Aroso e Sá Lima; o capitão do porto, sr. comandante João Pais e o gerente da Companhia União Fabril, nesta cidade, sr. engenheiro Manuel Domingues dos Santos. À noite começaram os trabalhos para estancamento dos porões inundados. Os prejuízos são importantes desconhecendo-se as causas que deram origem ao incêndio.
(In jornal “Comércio do Porto”, de sábado, 6 de Junho de 1942)

No blog, com data de 24 de Abril de 2009, encontra-se informação detalhada sobre este navio.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Estaleiros da Gafanha da Nazaré


Manuel Maria Bolais Mónica

Por força do tempo decorrido, quase 73 anos, lamento dizer não ter conhecido a figura do construtor naval, cuja homenagem, certamente merecida, lhe prestam os amigos e simultaneamente seus empregados. Lamento dizê-lo, também, não ter conhecido os estaleiros onde o construtor Mónica desenvolveu tão profícua actividade, ao longo de uma existência plena de sucesso. Mas, ainda cheguei a ver um ou outro cisne, ancorados no rio Douro, que a minha imaginação nessa época comparava a castelos flutuantes. A descoberta, agora, deste texto, permite-me viajar de regresso a esses locais de fantasia adolescente e a partilhá-lo no blog, com todos aqueles que, como eu, só tiveram a oportunidade de ouvir narrativas de histórias, com cheiros de maresia.

Honra – Mérito – Trabalho
A “Nau Portugal” e o seu hábil construtor

A "Nau Portugal" nos estaleiros da Gafanha
Foto da colecção de José Leite - Blog «Restos de Colecção»

Gafanha, a linda e ubérrima região que em tempos imemoriais foi banhada pelas águas do Atlântico e agora oferece, na majestosa amplidão da sua campina, um panorama cheio de luz, emoldurado pelas espelhentas águas do oceano e pela ria, onde brincam, como mariposas, mil barquinhos de velas brandas, a esvoaçar – como a descreve o rev. João Vieira Resende – é toda a região triangular tendo, pelo poente, o rio Mira e, pelo nascente, o rio Boco, afluentes da ria de Aveiro. E é, ali, que a indústria da construção naval tem uma das suas principais sedes. É, ali, que pontifica com o seu saber o considerado e conhecido construtor, sr. Manuel Maria Bolais Mónica.
A uns cinco metros apenas do local onde se efetuam estas construções – escreve, ainda, o rev. Resende – fica imediatamente o canal profundo. Sobre ele lança-se o navio impetuosamente no dia do bota-abaixo, e nestas manobras dirigidas pelo construtor Mónica, há certeza, e tem-se como princípio de que não haverá revés ou perigo de encalhe, que de algum modo ponha em cheque a manobra ou lance a perturbação no espírito dos espectadores.
O certo é que, na difícil arte da construção naval, Manuel Maria Bolais Mónica é um nome que todo o País conhece. Os navios saídos dos seus importantes estaleiros, cortam serenos as águas de todos os mares, como afirmações absolutas da técnica do seu construtor que lhes sabe imprimir, também, certo cunho de elegância, certo sentido artístico.
Seguindo as pisadas de seu pai, que desde 1889 até 1904, construiu mais de três mil toneladas, Manuel Maria Bolais Mónica mantem intacta a aureola que acompanha desde aquela data esta família de construtores navais. Desde 1916 que Manuel Maria Bolais Mónica vem construindo navios sobre navios, debaixo da sua experimentada orientação. E, servindo-nos dos dados recolhidos na interessante «Monografia da Gafanha», são já, até 1938, 7.410 toneladas saídas dos seus estaleiros.
Duma simplicidade cativante, o construtor Manuel Maria Bolais Mónica, não é o chefe que, apenas, vigia o trabalho dos seus subordinados. É, sim, o camarada amigo, acorrendo aqui e ali para ministrar os seus ensinamentos quando a dúvida surge.
Tanto a sua acção tem sido das mais notáveis no desenvolvimento da construção naval do País, contribuindo, assim, para a melhoria da economia nacional, que o Governo lhe galardoou seus méritos, em 19 de Abril de 1936. Foi na tarde do bota-abaixo do lugre “Brites” – diz o rev. Resende e assim disseram, também, os jornais do País inteiro. As músicas tocavam. Os navios embandeiravam, festivamente, em arco. E enquanto as palmas reboavam, em homenagem ao Mérito, o então Ministro do Comércio, dr. Teotónio Pereira, colocou ao peito do comovido Mónica a medalha de oiro de «Mérito Industrial e Agrícola». Justa homenagem essa prestada a quem tanto tem trabalhado para o prestígio de Portugal!
Assim, ninguém melhor do que Manuel Maria Bolais Mónica, para se encarregar da construção da “Nau Portugal” – a maravilhosa reconstituição das gloriosas naus portuguesas e que, terminada a Exposição do Mundo Português, irá a terras de além-fronteiras como embaixador extraordinário do nosso ressurgimento.
Já deslizou nas calhas do estaleiro, a imponente embarcação, serenamente já sulcou as águas do oceano, ancorando, majestosa, no Tejo. E assim se desfizeram, como as ondas de encontro à sua proa, as aleivosias de alguns derrotistas…
Manuel Maria Bolais Mónica mais uma vez – e agora de forma singular – está de parabéns. Na lista, numerosa, das embarcações saídas dos seus estaleiros, ficará a fulgir em letras de oiro, a “Nau Portugal”. Fixar, em letra de forma, o acontecimento, era, todavia, mais uma maneira de patentear ao inegável construtor toda a nossa admiração e a admiração daqueles que, aqui, o acompanham. E tanto a ideia foi imediatamente perfilhada que a ela, de início, se associaram os seus empregados, srs. Manuel Marques e Ernesto de Freitas, tendo, à cabeça, os srs. Américo de Oliveira e Américo Lopes Teixeira, o primeiro inteligente e devotado gerente comercial dos estaleiros, e o segundo, o consciencioso guarda-livros, e todos eles contribuindo com o melhor do seu saber para o progresso da casa de Manuel Maria Bolais Mónica.
É absolutamente justa esta homenagem a que o “Comércio do Porto” se associa incondicionalmente. Justa homenagem a um homem que, de tão modesta condição social e com modestos, também, conhecimentos científicos e literários, conseguiu ser, na indústria da construção naval, um dos primeiros – senão o primeiro – entre todos. (a) M.C.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 25 de Agosto de 1940)

sábado, 23 de março de 2013

“Amavida” e “Queen Isabel”


Inaugurações

"Amavida"

"Queen Isabel"

Julgo que desta vez não estarei enganado, ao dizer que o meio marítimo nesta última sexta-feira estava de perto ou longe, de olhos e ouvidos postos nas notícias das inaugurações dos dois novos brinquedos de luxo, representados no Porto pela empresa Douroazul. Porém, julgo que também não estarei equivocado, se disser que uma boa parte das pessoas presentes no cais de Gaia, para assistir à distância às respectivas cerimónias, estivessem mais interessadas em ver as atrizes Sharon Stone e Andie MacDowell, bem como o cantor Michael Bolton, do que propriamente para apreciar as novas construções.

Pormenor na ré do "Amavida"

Não tenho dúvida também, que as empresas internacionais Amawaterways e a Uniworld, que inteligentemente aderiram ao trafego de cruzeiros de luxo no Rio Douro, tem já a aposta ganha, em função da extensa agenda de reservas asseguradas para os próximos anos, num circuito turístico que engloba cinco zonas consideradas pela Unesco, como Património da Humanidade.

Detalhe lateral do "Amavida"

Convirá simultaneamente dizer, que a Douroazul através do seu administrador, sr. Mário Ferreira, muito tem contribuído para a divulgação da cidade do Porto. As excelentes programações turísticas, que a navegabilidade do rio Douro oferece, permitem perceber da sua capacidade e visão na gestão do património náutico que a empresa já tem disponível.

Pormenor da proa do "Queen Isabel"

E estão igualmente de parabéns os estaleiros da Navalria, de Aveiro, pela construção das duas novas e excelentes unidades, bem como a empresa de móveis Rodrigues, de Rebordosa, Paredes, que se esmeraram na construção do mobiliário colocado a bordo, respondendo com eficiência às exigentes necessidades de bordo.

Detalhe lateral do "Queen Isabel"

A festa, certamente vista ou televisionada por muitos foi seguramente um estrondoso sucesso, reunindo convidados nacionais e estrangeiros, ligados a indiferenciadas áreas de actividade. De lamentar apenas o custo em vista para os futuros cruzeiros fluviais, infelizmente incompatíveis para a maior parte dos nacionais, nestes tempos difíceis de crise no país.