quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


No mesmo local, o fim… para o “Silurian” e para o “Bogor”!
5ª Parte – 5/5

= Reclamações - Os naufrágios na costa do norte =
Desde longa data que a Associação Comercial do porto vem reclamando junto de todos os governos, pelo ministério da marinha, que seja estudado e seja levado a efeito o melhoramento do sistema de iluminação nas costas do norte de Portugal, argumentando, com razão, que a responsabilidade da maior parte dos naufrágios, que ali ocorrem, devem ser atribuídas às deficiências desse sistema.
Relembrando todas essas reclamações, que foram apresentadas por ocasião do naufrágio do vapor “Veronese”, o presidente da Associação, sr. António da Silva Cunha obteve do sr. ministro da marinha, em Fevereiro de 1913, a promessa formal de que, atendendo às representações da Associação Comercial sobre aquela matéria, viria brevemente no aviso “Cinco de Outubro”, às águas do norte, um oficial da armada, competente no assunto, estudar o melhoramento da instalação do farol da Luz e o local mais conveniente para a construção de um farol de grande alcance nas imediações de Esposende.
Dando-se agora os naufrágios dos vapores “Silurian” e “Bogor”, o último com perda de vidas, o sr. Presidente da Associação Comercial deu-se pressa em reclamar do ministro da marinha, o cumprimento daquela antiga promessa:
Exmo. Ministro da marinha, Lisboa
Naufragaram nas madrugadas de 13 e 14 do corrente, perdendo-se totalmente, nas praias de Angeiras e Lavra, ao norte do porto de Leixões, os vapores “Silurian” e “Bogor”, havendo neste último a lamentar a morte de 34 tripulantes, além da enorme perda material das embarcações e seus carregamentos.
Em menos de três anos naufragaram, pois, nas pedras da costa do norte, entre Leixões e Esposende, os navios de guerra “São Raphael” e “Almirante Reis”; os vapores mercantes “Métèore”, “Vidago”, “Veronese”, "Silurian” e “Bogor”; e os hiates “Oceano” e “Viajante”, devendo notar-se que alguns destes sinistros, justamente os de consequências mais graves, ocorreram de noite, no meio da mais completa escuridão.
A Associação Comercial do Porto, fundada na opinião unânime da marinha mercante que frequenta esta costa do norte, insiste em que a deficiência neste ponto do litoral português tem tido grande parte nestes acontecimentos. Em tal convicção, vem novamente pedir ao ministério da marinha o imediato cumprimento da promessa, que lhe fez há um ano, por ocasião de uma catástrofe semelhante, da construção e instalação de um farol de grande alcance nas imediações de Esposende, que substitua, com vantagem para a navegação de longo curso, a luz que ali existe e que parece não ter mais de oito milhas de penetração.
(ass.) António da Silva Cunha, Presidente 
(In jornal “Comércio do Porto”, de 15 de Dezembro de 1914)

O antigo farol de Leça, construído em 1916, substituído em 1926

= Histórico =
Deve em devido tempo ser referido, que o distinto ministro da marinha, acima referido, mandou efectivamente construir um farol na penedia da Boa Nova, a norte de Leixões, cuja construção só ficou pronta três anos depois da promessa feita à Associação Comercial do Porto. E mesmo assim, a partir de 1916 a situação não se alterou substancialmente, considerando a pouca utilidade do mesmo, por força da fraca projecção de luz, comparável apenas aos pequenos farolins portuários, levando à sua substituição em 1926, como a seguir se explica:
Em 28 de Outubro de 1902 foi nomeada uma comissão presidida pelo CMG hidrógrafo, sr. Joaquim Patrício Ferreira e que englobava o então CFR hidrógrafo, sr. Júlio Zeferino Schultz Xavier e que em relação ao farol de Leça decidia esta comissão:
«A comissão (…) julga dever dispensar-se a instalação não só do farol eléctrico indicado para Leça, cuja oportunidade foi por assim dizer atenuada, talvez mesmo anulada, com a construção do porto artificial de Leixões, especialmente depois da instalação do actual farol no seu molhe sul, mas também do farol eléctrico que o Plano Geral indicava para o promontório do Cabo de S. Vicente (…).
Esta opinião determinou que o farol de Leça só viesse a ser equacionado mais tarde, quando em 1919 o Director Geral da 4ª Divisão Geral da Secretaria de Estado da Marinha – 5ª Repartição, solicitou que fossem elaborados os planos para a construção do novo edifício do farol de Leça.
(In “Os faróis de Portugal na Revista da Armada”)
= E mais reclamações – Os naufrágios =
Com relação aos dois naufrágios que ocorreram em dias seguidos na costa do norte, do “Silurian” e do “Bogor”, o segundo bem mais horrível que o primeiro por haver perecido quase toda a tripulação desse vapor, pouco fica para acrescentar ao desenvolvimento pormenorizado das notícias publicadas. Apenas por muito tempo ficará de lembrança este horroroso acontecimento, que infelizmente faz aumentar o rol das grandes catástrofes, que a população tem vindo muito tristemente a testemunhar.
No governo civil esteve ontem o sr. cônsul de Inglaterra, sr. Honorius Grant, que foi agradecer os bons serviços prestados por ocasião do naufrágio do vapor inglês “Silurian”, elogiando a forma como eles foram organizados e agradecendo também as condolências que lhe haviam sido apresentadas por tal motivo.
Relativamente ao segundo vapor naufragado, o holandês “Bogor”, o mar tem continuado a arremessar à praia vários géneros de que se compunha a sua carga, os quais são arrecadados pela guarda-fiscal ali destacada para esse fim e enviados para a delegação da alfândega de Leixões.
O último náufrago sobrevivente deste vapor, salvo dia e meio depois de se dar o sinistro, foi ontem removido da delegação da Cruz Vermelha, a cargo dos bombeiros de Matosinhos-Leça, para o hospital da Misericórdia, porque, além de apresentar alguns ferimentos, precisa de recuperar a saúde que as muitas comoções e extenuantes lutas para a sua salvação lhe abalaram.
A expensas dos consignatários deste vapor, os srs. Orey Antunes & Cª., deve realizar-se hoje o funeral das cinco vítimas, que o mar já arrojou à praia. Entretanto o sr. Mendes Guimarães, presidente da Associação Comercial dos Lojistas do Porto, enviou ontem ao sr. ministro da marinha, o seguinte telegrama:
«Os recentes naufrágios dos vapores “Silurian” e “Bogor”, sucedidos nas madrugadas de 12 e 13, na costa marítima compreendida entre Leixões e Esposende, justamente chamada “costa negra”, exige dos organismos oficiais imediatas providências. Um farol de luz intensa em local apropriado e escolhido por elementos marítimos evitaria a repetição de catástrofes, que nos enchem de consternação e em nada abonam a navegabilidade do nosso litoral, para norte de Leixões. As vossas providências são por esse motivo ansiosamente esperadas pela nossa Associação, em nome da qual me dirijo a Vossa Excelência.
(In jornal “Comércio do Porto”, de 16 de Dezembro de 1914)

2 comentários:

JHA disse...

A propósito do Veronese, aqui vai um link para um filme da Invicta Filmes, sobre o naufrágio do navio, no site da Cinemateca Nacional

http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital/Ficha.aspx?obraid=2637&type=Video.

reimar disse...

Bom dia caro amigo e sr. JHA (?)
Agradeço antecipadamente a informação relativa ao documentário sobre o naufrágio do Veronese.
Tenho conhecimento deste filme já vai para muitos anos e fiquei contente por saber que a cinemateca o colocou «on line», permitindo aos interessados verificar da violência do mar na altura e das dificuldades que foram ultrapassadas para dar resposta nos salvamentos, que foram agravados porque os cabos de vai-vem partiam-se com facilidade, pois operavam sobre rochedos, daí que algumas pessoas por esse motivo morriam antes de chegar à praia.
Fiz recentemente uma foto com alguns salvados deste navio, que lhe enviarei com muito gosto, se para isso me der o seu contacto.
Muito obrigado e cumprimentos,
Reinaldo Delgado