domingo, 21 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


O fim no mesmo local… para o “Silurian” e para o “Bogor”!
= 1ª Parte – 1/5 =

Foto do vapor "Silurian", eventualmente num porto inglês
Imagem publicada no sítio "Wrecksite", por Tony Allen

A 12 de Dezembro de 1914, às quatro horas e meia da madrugada, foi exactamente quando chegaram à praia de Angeiras os primeiros socorros, dos bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça. Àquela hora já se viam ali algumas pessoas do local e mais se juntaram, alarmadas pela passagem dos carros de material. Depois compareceu o Capitão do porto, sr. Capitão-tenente Adelino Nunes de Souza, também com pessoal e material de socorros de Leixões. Com o pessoal da Cruz Vermelha de Leixões e do Porto, compareceram os srs. Drs. Domingos Gonçalves de Azevedo, Ricardo Bartol, Queiroz de Magalhães, Mário de Castro (filho), Carteado Mena e outros.
Foram instalados postos de socorro em barraca de banhos, no posto fiscal e numas casas da praia. Os bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça instalaram-se com a máxima prontidão, levantando um tripé com pinheiros, para o cabo de vai-vem, e um semáforo para fazer sinais para bordo. Pouco passava das cinco horas quando os voluntários de Matosinhos-Leça lançaram o primeiro foguetão, que não foi feliz, indo a linha cair a distância considerável, devido à ventania que lhe mudou a direcção. Seguiram-se outros dos voluntários de Matosinhos-Leça e do Porto, todos sem resultado. Entretanto, o dia foi rompendo, e quando estava bem claro, já o pessoal das diversas corporações havia aumentado, redobrando a faina dos trabalhos para salvamento dos náufragos.
= Sinais entre gente de bordo e de terra =
Os bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça, com o semáforo instalado na praia, através dos sinaleiros, o 2º. sargento Ivo, da Escola de Marinheiros e o bombeiro auxiliar Viriato Arantes, começaram a comunicar com o navio, tendo por intérprete o cônsul inglês no Porto, sr. Honorius Grant, que com toda a solicitude se apresentou no local do sinistro. À pergunta sobre quantos homens se encontravam a bordo, responderam serem dezassete. E a esta seguiram-se outras perguntas e respostas, pelas quais se soube da não existência de feridos, ficando a aguardar os socorros da embarcação salva-vidas, que de terra foi dito estar a chegar.
= No local do sinistro – a chegada do salva-vidas =
Logo que houve conhecimento do naufrágio, e informados ao certo do local, para lá se deslocou o valente Cabo-de-mar José Rabumba, o «Aveiro», com o seu pessoal e o barco salva-vidas “Leixões”, montado numa carreta, tirada por três juntas de bois. Disse-nos o «Aveiro», que tendo saído para o mar no barco salva-vidas, rebocado pelo “Tritão”, tivera de retroceder, porque o mar era muitíssimo e não pudera vencer a derrota empreendida. No local continuava um movimento enorme de marítimos e bombeiros, o pessoal da Cruz Vermelha, os sinaleiros e até a posição do vapor naufragado, parecia ser idêntica à do vapor “Veronese”. Os soldados da Guarda-Fiscal e da Guarda-Republicana, idos de Matosinhos, a custo continham o povo à distância, deixando campo livre para os trabalhos de salvamento.
A esse tempo os bombeiros de Matosinhos-Leça lançaram um foguete, mas caiu a pouca distância da popa do vapor; logo a seguir lançaram outro, também infeliz, porque a linha partiu. Os bombeiros voluntários do Porto lançaram mais um foguete que foi certeiro, caindo na popa, onde os náufragos logo o agarraram; mas quando algum tempo depois os bombeiros passavam os cabos vai-vem para bordo, a linha partiu e todos os fatigantes trabalhos revelaram-se sem sucesso, tal como os anteriores. A maior parte das linhas dos foguetes partiam-se ao roçar nas arestas agudas dos rochedos da praia e por serem fortemente puxadas pelas vagas.
Se a bordo havia desespero por parte dos pobres náufragos, que ansiavam por salvamento, em terra não era menor a ânsia por parte daqueles que muito denodadamente e cheios de abnegação empregavam todos os esforços para os arrancar daquela situação desesperada. Já se tinham passado bastantes horas de trabalho fatigante e nada se conseguia. Chegava a comover dolorosamente o quadro que se apresentava e em que tudo, num só sentir, pensava em arrancar à morte os dezassete náufragos que se encontravam na coberta do vapor onde, a espaços, caiam pesadas massas de água.
Foi por esta altura que chegou à praia o barco salva-vidas “Leixões”, que no meio dum vivo alvoroço, de visível satisfação, passou por entre o povo que ali se aglomerava e foi pelo areal até à beira-mar onde, sob a direcção do seu patrão, o Cabo-de-mar José Rabumba, o «Aveiro», foi lançado à água. Todos confiavam no «Aveiro», todos previam bom êxito da valentia dos tripulantes do salva-vidas. Vinte minutos depois da chegada, viu-se o barco “Leixões” a baloiçar no mar, sempre agitado, temeroso, a caminho do “Silurian”.
= A abordagem – todos salvos! =
Suspenderam-se em terra os trabalhos de lançamento de foguetes e toda a gente, sob uma comoção imensa, tinha a sua atenção presa no que naquele momento de angústia se passava no mar. Sem o menor apego à vida, os tripulantes do “Leixões” venciam as vagas indomáveis e seguiam corajosamente avante, desviando-se do perigo dos rochedos e aproximando-se do navio naufragado, a bordo do qual se notou um movimento palpitante, convergindo todos os náufragos para a popa, preparando um cabo.
Eram duas horas e meia da tarde quando o salva-vidas se abeirou do vapor e recebia o cabo, estabelecendo-se rápido o vai-vem, apesar da fúria das vagas parecer prejudicar a todo o momento o sacrifício daquela abnegação. Em terra houve em toda aquela massa de povo um gesto de satisfação, de supremo contentamento intimo, por ver iniciados o salvamento das vidas.
Dentro em pouco o salva-vidas “Leixões” atracava à praia, desembarcando nove homens, encharcados, tremendo de frio e, talvez, de fome, que os membros da Cruz Vermelha e os bombeiros transportavam para os postos da corporação, onde lhes providenciaram todos os socorros. Entretanto, os tripulantes do salva-vidas, sempre sob o mesmo risco e com impagável altruísmo, retiravam os restantes náufragos, que a breve trecho vinham trazer a terra, deixando só, batido pelas vagas o vapor “Silurian”, já partido a meia-nau, com a proa com tendência a mergulhar.
Quando o salva-vidas desembarcou os últimos náufragos, o povo saudou os denodados salvadores, que, às 3 horas da tarde, se ufanavam do seu feito de reconhecida bravura. O «Aveiro» foi abraçado e felicitado por muitíssimas pessoas; mas ele, mais apegado aos seus deveres, pedia dispensa e tratou, com os seus homens, de montar o seu querido barco na carreta e, dentro em pouco, voltava a Leixões, para o seu posto. O «Aveiro» teve por tripulantes do seu barco os seguintes bravos lutadores, da sua inteira confiança: Manuel e José Caetano Nora, Alberto e Joaquim Martins Jacob, José e António Ferreira Nunes Arruela, Adelino Pinto dos Santos, António de Oliveira Brandão, José Pinto, Amadeu José, Inocêncio Pinto Soares e José Rodrigues Crista.

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