quarta-feira, 16 de outubro de 2013

História trágico-marítima (LXXIX)


O abalroamento do vapor "Foscolia"
e o naufrágio do iate "Joven Maria"

Abalroamento e naufrágio
Quando ontem, cerca das 5 horas e meia da tarde, estava para fundear em frente da Ribeira o vapor inglês “Fozcalino” (deve ler-se “Foscolia”), procedente de Girgenti (Agrigento, Sicília, Itália), com carregamento de enxofre, abalroou com o iate “Joven Maria”, mestre Vilão, que no Domingo entrara no rio Douro, procedente de Lisboa, com carregamento de sal, e que se achava ancorado em frente da lingueta chamada da Lenha, junto das escadas da Rainha.
A causa deste sinistro foi não haver sido o vapor detido a tempo de estacionar no ponto que lhe estava destinado, caindo por isso sobre a embarcação ancorada na sua frente.
O vapor foi de encontro à popa da “Joven Maria”, lançando-lhe fora a borda falsa, principiando desde logo a meter água. Trataram imediatamente de procurar puxar o iate para terra por meio de cabos e correntes, aparecendo para isso os srs. José Pereira Santo Amaro, Joaquim Soares Marmelada, capitão António Machado e Joaquim Francisco Paredes, acompanhados de alguns agentes.
Nos diferentes pontos do navio foram ligados cabos e correntes e em seguida presos a terra por meio de ancoretas; porém o iate fazia tal esforço para se inclinar para o lado do rio, que em breve parte desses cabos se romperam e muitos se soltaram em virtude de ser muito movediço o terreno em que estavam firmes as ancoretas.
Solta assim a embarcação, inclinou-se cada vez mais rapidamente, afundando-se inteiramente dentro em pouco, arrastando consigo muitas das pessoas que tratavam do salvamento de parte da carga e pondo em risco, segundo informação recolhida no local, as vidas dos srs. Capitão Machado, Joaquim Paredes e Manuel dos Santos Vitorino, que a nado conseguiram por fim vencer o redemoinho produzido nas águas pelo impulso do navio que se afundava. Felizmente, todas as pessoas que foram à água conseguiram salvar-se; e do “Joven Maria” ficou apenas a descoberto uma parte dos mastros.
O iate pertencia ao sr. Francisco da Rocha Coutinho Ferra e não estava seguro. Julga-se difícil o salvamento do casco e o cálculo dos prejuízos apontam em cerca de 3 contos de réis. Com o impulso do choque foi também ao fundo uma barca carregada de enxofre, pertencente ao sr. Joaquim Guedes.
O vapor “Fozcalino” (deve ler-se “Foscolia”) veio consignado ao sr. José Teixeira da Costa Basto e o carregamento de enxofre pertence aos srs. Fonseca & Araújo. Este navio não sofreu qualquer avaria.
Na ocasião em que se deu o sinistro, caíram à água duas mulheres, uma das quais foi prontamente resgatada para uma barca, mas a outra chamada Maria Teresa, afastou-se mais. Nessa ocasião, conforme referido por um dos salvadores, saltaram imediatamente para a água, vestidos como estavam, o intrépido Simão da Costa Neves e José Romar Carneiro, que briosamente salvaram a infeliz, depositando-a na barca.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 28 de Fevereiro 1883)

Identificação do iate “Joven Maria”
1877-1883
Armador: Francisco da Rocha Coutinho Ferra, Caminha
Nº Oficial: n/t - Iic.: H.C.T.M. - Porto de registo: Caminha
Construtor: Desconhecido, eventualmente em Caminha
Arqueação: 105,777 m3
Dimensões: Desconhecidas
Propulsão: À vela
Mestre embarcado: Vilão (1883)

O abalroamento no rio Douro
O comandante do vapor inglês “Fozcalino” (deve ler-se “Foscolia”), o qual meteu ontem no fundo, por meio de abalroamento, o iate “Joven Maria” e uma barcaça carregada de enxofre, declarou que pagaria os prejuízos causados pelo navio do seu comando, e que fossem especificados pelos árbitros. Há esperanças de tirar o iate do fundo do rio.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 1 de Março de 1883)

Identificação do vapor “Foscolia”
06.1879 - 29.05.1898
(naufragou após colisão ao largo da Ilha do Fogo)
Armador: E.H. Watts & Ward & Co., Londres
Construtor: Mitchell & Co., Low Walker, Junho de 1879
Arqueação: Tab 1.573,00 tons - Tal 1.025,00 tons
Dimensões: Pp 76,81 mts - Boca 10,36 mts - Pontal 6,92 mts
Propulsão: 1 motor Cp provavelmente do construtor
Capitães embarcados: Meerdram (1882)

Abalroamento do “Foscalino” (deve ler-se “Foscolia”)
Reuniram ontem, em casa do sr. José Teixeira da Costa Basto, consignatário do vapor inglês “Foscalino” (deve ler-se “Foscolia”), o dono do iate “Joven Maria” e o recebedor do carregamento de sal do mesmo iate, que foi há dias abalroado por aquele vapor, em frente da Ribeira.
Esta reunião teve em vista os interessados estipularem qual a importância dos prejuízos no iate e no carregamento, causados pelo abalroamento do vapor. Segundo consta, foi acordado em satisfazer uma indemnização razoável pelo carregamento do sal, assim como por uma barca de enxofre que também foi metida no fundo; mas quanto à indemnização pelo casco não chegaram a acordo por ter sido considerada exorbitante a reclamação feita pelo dono do iate.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 3 de Março de 1883)

O abalroamento do “Foscolia”
O dono do iate “Joven Maria”, afundado no Douro, propôs ontem ao consignatário do vapor inglês “Foscolia”, o sr. José Teixeira da Costa Basto, a seguinte regulação de avarias:
Receber 3:000$000 réis, deixando o casco à disposição do dono do vapor; receber 2:500$000 réis e o casco; -ou, finalmente, ser o iate posto a nado e em estado de navegar, por conta do proprietário do vapor, recebendo além disso ele, dono do iate, uma indemnização pelos prejuízos ocasionados em consequência do navio não poder navegar.
A propósito temos a dizer que ainda não foi tomada resolução alguma definitiva acerca da regulação das avarias tanto do casco como do carregamento, visto a primeira conferência dos interessados não haver dado o menor resultado.
(In jornal “O Comércio do Porto”, Domingo, 4 de Março de 1883)

O abalroamento do “Foscolia”
Ficou ontem resolvido amigavelmente o modo como vão ser indemnizados os proprietários do casco e carregamento do iate “Joven Maria”, que foi há dias metido no fundo do rio Douro, por efeito de abalroamento do vapor inglês “Foscolia”. Assim o proprietário do iate, o sr. Francisco da Rocha Coutinho Ferra receberá a quantia de 1:800$000 réis e o casco do navio; e o proprietário do sal será indemnizado em conformidade com o preço que este género obtém presentemente no mercado.
O intermediário em tais negociações foi o comerciante da praça do Porto, o sr. José António Ribeiro da Silva.
(In jornal “O Comércio do Porto”, quarta, 7 de Fevereiro de 1883)

Iate “Joven Maria”
Este navio que se afundou no rio, próximo às escadas da Rainha, em virtude do abalroamento do vapor inglês “Foscolia”, já se acha a descoberto no baixo da Porta Nobre.
O processo seguido para o erguer do fundo do rio foi simples. Na vazante colocaram algumas barcaças em volta do iate, às quais estavam seguras correntes de ferro previamente lançadas por um mergulhador sob a quilha do navio. À medida que as barcaças subiam com a enchente do rio, o iate ia levantando do fundo.
Conseguido este pequeno resultado, o iate foi rebocado até próximo do muro dos Banhos e mais tarde levado para a Porta Nobre, onde se acha. Depois de reparado ali provisoriamente, o iate será conduzido para o estaleiro de Vila Nova de Gaia, para ser convenientemente reparado.
(In jornal “O Comércio do Porto”, Domingo,11 de Março de 1883)

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