quinta-feira, 28 de março de 2013

Estaleiros da Gafanha da Nazaré


Manuel Maria Bolais Mónica

Por força do tempo decorrido, quase 73 anos, lamento dizer não ter conhecido a figura do construtor naval, cuja homenagem, certamente merecida, lhe prestam os amigos e simultaneamente seus empregados. Lamento dizê-lo, também, não ter conhecido os estaleiros onde o construtor Mónica desenvolveu tão profícua actividade, ao longo de uma existência plena de sucesso. Mas, ainda cheguei a ver um ou outro cisne, ancorados no rio Douro, que a minha imaginação nessa época comparava a castelos flutuantes. A descoberta, agora, deste texto, permite-me viajar de regresso a esses locais de fantasia adolescente e a partilhá-lo no blog, com todos aqueles que, como eu, só tiveram a oportunidade de ouvir narrativas de histórias, com cheiros de maresia.

Honra – Mérito – Trabalho
A “Nau Portugal” e o seu hábil construtor

A "Nau Portugal" nos estaleiros da Gafanha
Foto da colecção de José Leite - Blog «Restos de Colecção»

Gafanha, a linda e ubérrima região que em tempos imemoriais foi banhada pelas águas do Atlântico e agora oferece, na majestosa amplidão da sua campina, um panorama cheio de luz, emoldurado pelas espelhentas águas do oceano e pela ria, onde brincam, como mariposas, mil barquinhos de velas brandas, a esvoaçar – como a descreve o rev. João Vieira Resende – é toda a região triangular tendo, pelo poente, o rio Mira e, pelo nascente, o rio Boco, afluentes da ria de Aveiro. E é, ali, que a indústria da construção naval tem uma das suas principais sedes. É, ali, que pontifica com o seu saber o considerado e conhecido construtor, sr. Manuel Maria Bolais Mónica.
A uns cinco metros apenas do local onde se efetuam estas construções – escreve, ainda, o rev. Resende – fica imediatamente o canal profundo. Sobre ele lança-se o navio impetuosamente no dia do bota-abaixo, e nestas manobras dirigidas pelo construtor Mónica, há certeza, e tem-se como princípio de que não haverá revés ou perigo de encalhe, que de algum modo ponha em cheque a manobra ou lance a perturbação no espírito dos espectadores.
O certo é que, na difícil arte da construção naval, Manuel Maria Bolais Mónica é um nome que todo o País conhece. Os navios saídos dos seus importantes estaleiros, cortam serenos as águas de todos os mares, como afirmações absolutas da técnica do seu construtor que lhes sabe imprimir, também, certo cunho de elegância, certo sentido artístico.
Seguindo as pisadas de seu pai, que desde 1889 até 1904, construiu mais de três mil toneladas, Manuel Maria Bolais Mónica mantem intacta a aureola que acompanha desde aquela data esta família de construtores navais. Desde 1916 que Manuel Maria Bolais Mónica vem construindo navios sobre navios, debaixo da sua experimentada orientação. E, servindo-nos dos dados recolhidos na interessante «Monografia da Gafanha», são já, até 1938, 7.410 toneladas saídas dos seus estaleiros.
Duma simplicidade cativante, o construtor Manuel Maria Bolais Mónica, não é o chefe que, apenas, vigia o trabalho dos seus subordinados. É, sim, o camarada amigo, acorrendo aqui e ali para ministrar os seus ensinamentos quando a dúvida surge.
Tanto a sua acção tem sido das mais notáveis no desenvolvimento da construção naval do País, contribuindo, assim, para a melhoria da economia nacional, que o Governo lhe galardoou seus méritos, em 19 de Abril de 1936. Foi na tarde do bota-abaixo do lugre “Brites” – diz o rev. Resende e assim disseram, também, os jornais do País inteiro. As músicas tocavam. Os navios embandeiravam, festivamente, em arco. E enquanto as palmas reboavam, em homenagem ao Mérito, o então Ministro do Comércio, dr. Teotónio Pereira, colocou ao peito do comovido Mónica a medalha de oiro de «Mérito Industrial e Agrícola». Justa homenagem essa prestada a quem tanto tem trabalhado para o prestígio de Portugal!
Assim, ninguém melhor do que Manuel Maria Bolais Mónica, para se encarregar da construção da “Nau Portugal” – a maravilhosa reconstituição das gloriosas naus portuguesas e que, terminada a Exposição do Mundo Português, irá a terras de além-fronteiras como embaixador extraordinário do nosso ressurgimento.
Já deslizou nas calhas do estaleiro, a imponente embarcação, serenamente já sulcou as águas do oceano, ancorando, majestosa, no Tejo. E assim se desfizeram, como as ondas de encontro à sua proa, as aleivosias de alguns derrotistas…
Manuel Maria Bolais Mónica mais uma vez – e agora de forma singular – está de parabéns. Na lista, numerosa, das embarcações saídas dos seus estaleiros, ficará a fulgir em letras de oiro, a “Nau Portugal”. Fixar, em letra de forma, o acontecimento, era, todavia, mais uma maneira de patentear ao inegável construtor toda a nossa admiração e a admiração daqueles que, aqui, o acompanham. E tanto a ideia foi imediatamente perfilhada que a ela, de início, se associaram os seus empregados, srs. Manuel Marques e Ernesto de Freitas, tendo, à cabeça, os srs. Américo de Oliveira e Américo Lopes Teixeira, o primeiro inteligente e devotado gerente comercial dos estaleiros, e o segundo, o consciencioso guarda-livros, e todos eles contribuindo com o melhor do seu saber para o progresso da casa de Manuel Maria Bolais Mónica.
É absolutamente justa esta homenagem a que o “Comércio do Porto” se associa incondicionalmente. Justa homenagem a um homem que, de tão modesta condição social e com modestos, também, conhecimentos científicos e literários, conseguiu ser, na indústria da construção naval, um dos primeiros – senão o primeiro – entre todos. (a) M.C.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 25 de Agosto de 1940)

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