sábado, 15 de dezembro de 2012

Histórias de outros tempos


O direito de resposta…
3ª Parte

Foto de autor desconhecido, publicada por wikitravel.org

O sr. João José de Castro, muito digno e respeitado despachante oficial da cidade, fez publicar recentemente na imprensa o texto de uma sua carta, na qual procurava justificar o procedimento dos pilotos da barra de Viana do Castelo, por ocasião do aparecimento do vapor inglês que andava empregue no concerto do cabo submarino.
Enquanto jornalista, dizia o autor do texto «opto por não entrar na apreciação completa das razões apresentadas, para atenuar o procedimento dos pilotos. Quero mesmo supor e até acreditar que os factos se passaram conforme foram por ele narrados, mas o sr. Castro há-de concordar que servirem-se do telégrafo semafórico para dar avisos ao vapor, que pedia para comunicar com terra, era o mesmo que nada, porque S.Sª. bem sabe que a muito pequena distância da costa, os navios já não vêem a estação, pela péssima posição em que ela se encontra. E, sendo isto do conhecimento de todos os marítimos, sabem-no também os pilotos perfeitamente, que os sinais do semafórico não são vistos do mar, pelo que deviam ter procurado o vapor e não se limitarem a esperar que ele se aproximasse.
Demais, que necessidade havia de ser tripulada a lancha dos pilotos com 20 homens, que mal cabiam nela, e dos quais só uma pequena parte trabalhava com os remos? Segundo o regulamento dos pilotos, a lancha devia ser unicamente tripulada por oito homens aos remos e um ao leme, e, se ela levasse somente esta tripulação, teria podido muito bem chegar ao vapor, o que não conseguiu porque não pôde, pela aglomeração de gente inútil que ia a bordo.
Não quero nem devo atribuir a culpa do que se passou ao sr. Castro, cujo zelo e boa vontade são bem conhecidos na praça de Viana, mas sim ao péssimo serviço que o corpo de pilotos desde há muito presta e creio que continua a prestar, enquanto os respectivos capitães do porto não olharem seriamente para este importante assunto, a que estão ligados valiosos interesses, muitas vidas e valores consideráveis.
Já que falo da estação semafórica, faço questão de dizer do nenhum serviço que ela presta ao comércio marítimo. A posição da estação é a pior que se poderia determinar. Estabeleceram-na na base do forte da Roqueta, no castelo da barra e aí colocaram o respectivo mastro, de sorte que qualquer navio que passa no mar, mesmo junto à costa, muito dificilmente os pode ver e consequentemente distinguir os sinais, porque tanto aquele como estes se confundem com um fundo escuro formado em primeiro lugar pela torre da Roqueta, e em segundo e mais extenso pelos montes de Santa Luzia e anexos. O resultado é que nem o mastro nem as bandeiras conseguem ser vistas e até mesmo mal se distingue do mar a parte do castelo onde aquele está colocado.
Em tempos, muitos comerciantes da cidade e armadores de navios se fizerem representar junto do governo, pedindo que fossem pintadas com cintas brancas aquela parte do castelo, a fim de poder mais facilmente ser marcada do mar a sua posição, mas parece que o ministério da guerra se opôs a isso, com os fúteis pretextos que de forma geral emprega em todos os assuntos da sua dependência. Posso por isso afirmar, que o castelo da barra, conquanto esteja bem conservado e seja um dos melhores da costa não é de tal natureza, que possa resistir por muitas horas ao fogo de qualquer navio couraçado e a peças de grosso calibre.
A remoção, pois, da estação semafórica desta cidade para local mais apropriado é de urgente necessidade, porque assim como está nada vale e nada acrescenta à melhoria desejada e essencial ao futuro do comércio marítimo da praça vianense.»

Escolhi esta história pelo retrato falado duma época não muito distante. Segundo a visão do jornalista, que não foi acossado por novo contraditório, compreende-se a sua indignação, pelas diversas situações de indiferença, muito peculiares no país. Beliscou os pilotos, a autoridade marítima através dos capitães do porto, seus principais responsáveis, a localização e o próprio serviço disponibilizado pela estação semafórica e ousou, com bastante atrevimento, atacar o governo e o ministério da guerra, cuja incompetência foi colocada a níveis de completa inutilidade. Só ficaram do lado de fora deste expressivo muro de lamentações, a completar uma brilhante gravura escrita, o muito digno despachante, os comerciantes e os armadores de navios. Enfim, o melhor de Viana e os interesses da cidade, que intransigentemente decidiu defender!...

1 comentário:

JHA disse...

Obrigado, sem dúvida uma história interessante!. E que mostra como é sempre bom ouvir todos os lados da questão.