sábado, 7 de abril de 2012

Ler, nas férias da Páscoa


O navio “ Begoña “

Porque estamos a atravessar novamente o período Pascal, aproveito a oportunidade para fazer uma confissão; apaixono-me muito facilmente por livros, principalmente aqueles com títulos referentes a navios ou palamentas empregues a bordo, senão apenas quando referem acessórios providenciais a uma navegação eficiente.
A descoberta mais recente é o livro de contos do escritor Mário Cláudio, que dá pelo título “O Eixo da Bússola”, editado pela «Quasi» e integrado na colecção «Inéditos» do jornal “Sábado”.
Deixo-me deslizar absorvido pela leitura, até chegar à página 79, para me deliciar com um breve texto intitulado “O destino do “Begoña”. Nele, o escritor retrata o começar de uma viagem, com partida em Southampton, numa tarde de Outubro, a início dos anos setenta. Segue-se um comentário a espelhar um navio mal vestido, algo consumido pelo passar dos anos, sobressaindo uma segurança ingénua para uma passagem arriscada -onde até a salvação, que podia provir das baleeiras, pareciam querer duvidar delas mesmo-, para enfrentarem uma qualquer situação de perigo eminente.
E mais não digo, porque o livro é interessante e muitos dos amigos que agora me leem, podem tal como eu comungar dos mesmos interesses…
Já em diversas ocasiões observei referências ao nome “Begoña”, múltiplas vezes utilizado no baptismo de navios nas praças do norte de Espanha, suspeitando desde logo que pudesse estar ligado a uma divindade, a quem a religiosidade marítima apela nos momentos de aflição.
A curiosidade leva à procura e o resultado confirma-se; a Nossa Senhora de Begoña é efectivamente patrona dos homens do mar, dos que por norma se afoitam nas navegações e pescas lá pelas andanças do incómodo mar Cantábrico. A Santa é celebrada com toda a devoção numa basílica erigida em sua honra, na cidade de Bilbao, abraçando com inegável afecto, quem se aventura pelos abismos da Biscaia.

Postal da Companhia Transatlântica do paquete "Begoña"
minha colecção

Armador: Companhia Transatlântica Espanhola, Barcelona
1957 – 1974
Cttor.: Bethlehem-Fairfield Shipyard, Baltimore, 28.05.1945
ex “Vassar Victory”, Governo Americano, 1945-1947
ex “Castelbianco”, Sitmar – Soc. Transp. Marítimos, 1947-1952
ex “Castel Bianco”, Sitmar – Soc. Transp. Marítimos, 1952-1957
Arqueação: Tab 7.604,00 tons – Peso morto 10.750 tons
Reconstruções: (1952) Tab 10.023 tons (1957) Tab 10.139 tons
Dimensões: Ff 138,80 mtrs – Pp 133,00 mtrs – Boca 18,90 mtrs
Propulsão: Motor Fairfield de turbinas a vapor – 15,5 m/ hora

Postal da Companhia Sitmar do paquete "Castel Bianco"
minha colecção

Para arriscar um resumo sobre o histórico comercial do navio, recorro ao sitio www.mgar/net escrito por estudiosos com origem nas Canárias, onde encontrei uma colecção de assuntos marítimos portugueses e espanhóis de inegável interesse.
Transcrição
A 16 de Março de 1957, no porto de Génova, o transatlântico “Castel Bianco”, foi transferido para a Companhia Transatlântica Espanhola, sendo rebaptizado “Begoña”. Sob o comando do capitão Jesus Meana Brun, chegou a Barcelona no dia 22 seguinte, tendo logo regressado a Génova, numa viagem que fez escalas em Nápoles, Corunha e Vigo. E dali partiu para Santa Cruz de Tenerife, onde chega em viagem inaugural no dia 4 de Abril, com 214 passageiros em transito, aos quais se juntam outros 238 canários, embarcados com destino à Venezuela.
Inicialmente com o casco pintado de branco e pouco tempo depois com o casco pintado com o negro tradicional da companhia, o transatlântico “Begoña” deu inicio com o seu gémeo “Monserrat” –ex “Castel Verde”– a uma carreira regular para a Venezuela até Novembro de 1961, partilhando singraduras com o histórico paquete “Marquês de Comillas”.
Em Maio de 1958 o “Begoña” chegou a Southampton, numa escala inesquecível, porque há pelo menos vinte anos nenhum outro transatlântico espanhol visitara esse porto inglês. A linha de ligação à Venezuela nessa época realizava viagens com escalas em Bilbao, Santander, Corunha, Vigo, Cadiz, Las Palmas e Santa Cruz de Tenerife, visitando do outro lado do atlântico os portos de La Guaira, Cartagena, Kingston e Curaçao, com regresso por La Guaira, Santa Cruz de Tenerife, Vigo, Santander e Southampton.
No período referido, o navio oferecia uma capacidade para 830 passageiros numa única classe, dispondo na coberta principal de dois salões públicos e do indispensável refeitório. Na popa existia uma piscina ao ar livre, bem como zonas preparadas para a pratica de desportos. Nos camarotes para duas, quatro ou oito pessoas tinham instaladas casas de banho e ar condicionado, disponível após os melhoramentos introduzidos a bordo em 1962.
O navio na sua ultima viagem, protagonizou o capitulo mais interessante da sua história marítima. A 4 de Outubro de 1974, depois de embarcar 120 passageiros no porto de Tenerife, com o paquete sob o comando do capitão José Luis Tomé Barrado, saído com destino a La Guaira, Curaçao, Kingston e Trinidad, com 900 passageiros e 120 tripulantes a bordo, quando se encontravam já a 1.600 milhas de Tenerife, apagou-se uma das caldeiras de modo inesperado, pelo que face à possibilidade do navio perder a propulsão e o respectivo governo, foi solicitado o apoio do salvadego “Oceanic”, a navegar a cerca de 200 milhas de distancia.
Mantendo-se a navegar pelos seus próprios meios, com uma só caldeira, numa cadencia de 14 milhas e agora sob escolta do citado salvadego, prosseguiu a viagem dependente dos acontecimentos. Todavia, face à previsão do agravamento das condições climatéricas, que antecipava a passagem dum forte temporal no atlântico, perante o risco de sinistro, o capitão consciente da responsabilidade de transportar 1.020 pessoas, optou por solicitar o auxílio do salvadego, dirigindo o navio para Bridgetown, nas ilhas Barbados, a partir de onde os passageiros completaram a viagem por avião, até aos respectivos destinos.
De regresso a Espanha, o veterano “Begoña” levado a reboque, chegaria a Castellon de la Plana, onde passado alguns meses, por venda à firma I.M. Varela Davalillo, ficaria entregue para demolir, na véspera de Natal desse mesmo ano.
Fim de transcrição
Posto isto, no final de mais uma história ligada ao mar, talvez o livro acima mencionado vá igualmente juntar-se na estante das suas obras seleccionadas.
Cabe-me agora desejar-vos boas leituras e obviamente boa Páscoa.

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