Efeméride
2ª Parte
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Os náufragos foram acolhidos, carinhosamente, pela população
de Huelva, pelas autoridades e pelo cônsul de Portugal
Os náufragos foram acolhidos, carinhosamente, pela população
de Huelva, pelas autoridades e pelo cônsul de Portugal
Huelva, 24 – Os quarenta e dois restantes náufragos do vapor português “Ganda”, torpedeado no Atlântico, chegaram hoje a Huelva, numa lancha a gasolina. Os três dias e duas noites que andaram perdidos no mar, refletiam-se bem nos seus semblantes – contristados, dolorosos.
Após o torpedeamento – contam os náufragos, tomaram lugar na lancha a motor e navegaram sempre para Leste, em procura de terra que os seus olhos pareciam nunca mais ver. Torturados pela fome, os lábios inchados pela sede, prostrados pela fadiga, descalços e com os pés curtidos pela água salgada e pelos ventos oceânicos, os náufragos quando chegaram ao porto, mais pareciam mortos do que vivos.
Em Huelva, houve um movimento de verdadeira surpresa e logo de toda a parte esta boa gente acorreu a prestar o seu auxílio, a aliviar o sofrimento dos desventurados náufragos. Avisado sem detença, o cônsul de Portugal não se fez esperar e, imediatamente, providenciou para que lhes fossem fornecidos calçado e alimento. As autoridades locais colaboraram com a maior solicitude.
A srª Dª Luisete Rosinha, filha do inspetor escolar de Luanda, que se dirigia para Angola na companhia da srª Dª Rosa Maria Araújo Ribeiro e de, sua filha, a srª Dª Maria Ernestina Ribeiro, respectivamente irmã e sobrinha do redactor do «Diário de Lisboa», sr. Norberto de Araújo declarou aos jornalistas que, tendo perdido de vista a outra baleeira, os náufragos andaram três dias ao sabor das ondas e que, todos, a bordo, mostraram a maior coragem e se animavam mutuamente, certos de que atingiriam terra ou de que algum navio os encontraria e os socorreria. Foi, com infinda, com transbordante alegria, que hoje lobrigaram terra.
O que se passou a bordo da lancha, nesse momento, não pode descrevê-lo a srª Dª Luisete, ainda presa da comoção que dela e dos seus infortunados companheiros se apoderou. A primeira preocupação, porém, foi transmitirem para Portugal, para as suas famílias, a notícia de que estavam salvos, porque bem calculavam a angústia que os seus parentes e amigos sofriam.
A srª Dª Lígia da Fonseca, redatora do jornal «Província de Angola», que também seguia viagem para Luanda, sofreu um ferimento na cabeça, do qual foi tratada com a maior solicitude. Os náufragos devem partir amanhã, às 12 horas, de Huelva para Vila Real de Santo António, onde os esperam duas camionetas que os transportarão a Lisboa.
Após o torpedeamento – contam os náufragos, tomaram lugar na lancha a motor e navegaram sempre para Leste, em procura de terra que os seus olhos pareciam nunca mais ver. Torturados pela fome, os lábios inchados pela sede, prostrados pela fadiga, descalços e com os pés curtidos pela água salgada e pelos ventos oceânicos, os náufragos quando chegaram ao porto, mais pareciam mortos do que vivos.
Em Huelva, houve um movimento de verdadeira surpresa e logo de toda a parte esta boa gente acorreu a prestar o seu auxílio, a aliviar o sofrimento dos desventurados náufragos. Avisado sem detença, o cônsul de Portugal não se fez esperar e, imediatamente, providenciou para que lhes fossem fornecidos calçado e alimento. As autoridades locais colaboraram com a maior solicitude.
A srª Dª Luisete Rosinha, filha do inspetor escolar de Luanda, que se dirigia para Angola na companhia da srª Dª Rosa Maria Araújo Ribeiro e de, sua filha, a srª Dª Maria Ernestina Ribeiro, respectivamente irmã e sobrinha do redactor do «Diário de Lisboa», sr. Norberto de Araújo declarou aos jornalistas que, tendo perdido de vista a outra baleeira, os náufragos andaram três dias ao sabor das ondas e que, todos, a bordo, mostraram a maior coragem e se animavam mutuamente, certos de que atingiriam terra ou de que algum navio os encontraria e os socorreria. Foi, com infinda, com transbordante alegria, que hoje lobrigaram terra.
O que se passou a bordo da lancha, nesse momento, não pode descrevê-lo a srª Dª Luisete, ainda presa da comoção que dela e dos seus infortunados companheiros se apoderou. A primeira preocupação, porém, foi transmitirem para Portugal, para as suas famílias, a notícia de que estavam salvos, porque bem calculavam a angústia que os seus parentes e amigos sofriam.
A srª Dª Lígia da Fonseca, redatora do jornal «Província de Angola», que também seguia viagem para Luanda, sofreu um ferimento na cabeça, do qual foi tratada com a maior solicitude. Os náufragos devem partir amanhã, às 12 horas, de Huelva para Vila Real de Santo António, onde os esperam duas camionetas que os transportarão a Lisboa.
As entidades oficiais e a Companhia Colonial desenvolveram
todos os esforços para conhecer o paradeiro da lancha
todos os esforços para conhecer o paradeiro da lancha
Foi a maior a actividade desenvolvida pelas estações oficiais e pela Companhia Colonial de Navegação para serem obtidas informações sobre os náufragos. Os hidroaviões da Marinha percorreram o oceano sem conseguir localizar a lancha, e, ainda anteontem, dois aparelhos, um pilotado pelo sr. comandante Paulo Viana, que levava como observador o sr. segundo-tenente Décio Braga da Silva, outro, tripulado pelos srs. tenentes Noronha e Nogueira, largaram do Tejo às 13 horas, tomando o rumo do Atlântico. Chegaram a ir a umas 160 milhas do Algarve e voltaram à base às 19 horas, sem quaisquer notícias sobre a lancha.
O posto radiotelegráfico da Armada transmitiu, também, pedidos no sentido de obter informações. Nada conseguiu. Persistia, porém, nos meios marítimos, a esperança de que a embarcação, ou pelos seus próprios meios, pois estava provida de combustível, havia atingido a terra, ou os seus passageiros teriam sido salvos por barco que não pudesse, por pertencer a país beligerante, anunciar a sua posição, ou por navio de pesca desprovido de T.S.F. e consequentemente com impossibilidade de fazer qualquer comunicação. As esperanças não foram baldadas.
Até à noite, porém, nem no Ministério da Marinha ou na Colonial havia notícias da lancha, como nada constava sobre a louvável acção dos aviões franceses de Marrocos, que andaram em pesquisas por aquelas paragens depois do adido de Aeronáutica francês, sr. capitão de Tournemire, e o adido naval sr. comandante Divonne, com o assentimento do sr ministro da França, terem pedido às autoridades marítimas portuguesas informações acerca do local onde havia sido torpedeado o “Ganda”, que transmitiram à residência geral, em Rabat.
Por seu turno, a embaixada de Inglaterra informou para Gibraltar do desaparecimento da lancha, a fim de que os aviões daquela base procurassem a pequena embarcação. A essas manifestações de boa vontade há a juntar, ainda, que o cônsul de Portugal em Casablanca telegrafou à Companhia Colonial a perguntar-lhe se desejavam que fretasse um rebocador, o qual iria à procura dos náufragos. Foi respondido imediatamente que a Colonial agradecia os seus esforços e autorizava não só o fretamento da embarcação como a adopção de quaisquer outras providências.
O posto radiotelegráfico da Armada transmitiu, também, pedidos no sentido de obter informações. Nada conseguiu. Persistia, porém, nos meios marítimos, a esperança de que a embarcação, ou pelos seus próprios meios, pois estava provida de combustível, havia atingido a terra, ou os seus passageiros teriam sido salvos por barco que não pudesse, por pertencer a país beligerante, anunciar a sua posição, ou por navio de pesca desprovido de T.S.F. e consequentemente com impossibilidade de fazer qualquer comunicação. As esperanças não foram baldadas.
Até à noite, porém, nem no Ministério da Marinha ou na Colonial havia notícias da lancha, como nada constava sobre a louvável acção dos aviões franceses de Marrocos, que andaram em pesquisas por aquelas paragens depois do adido de Aeronáutica francês, sr. capitão de Tournemire, e o adido naval sr. comandante Divonne, com o assentimento do sr ministro da França, terem pedido às autoridades marítimas portuguesas informações acerca do local onde havia sido torpedeado o “Ganda”, que transmitiram à residência geral, em Rabat.
Por seu turno, a embaixada de Inglaterra informou para Gibraltar do desaparecimento da lancha, a fim de que os aviões daquela base procurassem a pequena embarcação. A essas manifestações de boa vontade há a juntar, ainda, que o cônsul de Portugal em Casablanca telegrafou à Companhia Colonial a perguntar-lhe se desejavam que fretasse um rebocador, o qual iria à procura dos náufragos. Foi respondido imediatamente que a Colonial agradecia os seus esforços e autorizava não só o fretamento da embarcação como a adopção de quaisquer outras providências.
A bordo do “Ganda” viajavam 72 pessoas,
entre as quais 15 passageiros
entre as quais 15 passageiros
Embarcaram no “Ganda” como se disse 72 pessoas: 50 homens de tripulação, 15 passageiros, 5 angolanos tratadores de gado e dois passageiros clandestinos, ou seja, um total de 72 pessoas. Vinte e dois tripulantes, um dos tratadores de gado e três passageiros chegaram, no domingo, a Lisboa, no “Fafe”. Entre estes últimos vinha o polaco sr. Abraham Sadkowski, nascido em Konaki, em 1892. A guerra obrigou-o a sair de Antuérpia, onde estava estabelecido, e veio, então, para Portugal, onde chegou, em Agosto do ano passado, com sua mulher, Jochmeta Sadkowski, de 50 anos, e três filhos; Mayer, de 26 anos; Isaac, de 18, e Henri, de 16. Os dois primeiros seguiram para a América no “Niassa”, no dia 3, a fim de se dirigirem à República de S. Domingos. O sr. Abraham Sadkowski, sua mulher e o filho Henri, dirigiam-se, agora, a Lourenço Marques, de onde seguiriam para Xangai, tal como outras duas passageiras do “Ganda”, as polacas Anna Gutman e sua filha Annette Gutman, de 28 e 10 anos de idade, que iam juntar-se a seu marido e pai e foram salvas na lancha que chegou a Huelva.
Quando disseram ao sr. Abraham Sadkowski que a lancha havia chegado a Huelva, ficou radiante. Quase sem poder mexer-se, por ter ficado, em consequência do torpedeamento, bastante ferido nas pernas, dir-se-ia, tal a alegria que recebeu, que as dores físicas haviam desaparecido, pois ergueu-se rapidamente da cadeira em que, havia horas, se encontrava, vencido, física e moralmente.
O contra-mestre do “Ganda”, sr. José Pereira, de 54 anos, natural de Tavira, está ao serviço da Companhia Colonial de Navegação há mais de vinte anos e exerce aquelas funções no mesmo navio há dez. Os passageiros polacos e o contra-mestre vêm na lancha e, com eles, o sr. Hermenegildo Pereira da Silva, que no “Ganda” seguia para o Lobito. Residente no Porto, com sua mãe, (…) a notícia de que estava salvo causou a maior satisfação.
Quando disseram ao sr. Abraham Sadkowski que a lancha havia chegado a Huelva, ficou radiante. Quase sem poder mexer-se, por ter ficado, em consequência do torpedeamento, bastante ferido nas pernas, dir-se-ia, tal a alegria que recebeu, que as dores físicas haviam desaparecido, pois ergueu-se rapidamente da cadeira em que, havia horas, se encontrava, vencido, física e moralmente.
O contra-mestre do “Ganda”, sr. José Pereira, de 54 anos, natural de Tavira, está ao serviço da Companhia Colonial de Navegação há mais de vinte anos e exerce aquelas funções no mesmo navio há dez. Os passageiros polacos e o contra-mestre vêm na lancha e, com eles, o sr. Hermenegildo Pereira da Silva, que no “Ganda” seguia para o Lobito. Residente no Porto, com sua mãe, (…) a notícia de que estava salvo causou a maior satisfação.
A notícia do aparecimento dos náufragos
divulgada através de organismos oficiais
divulgada através de organismos oficiais
A Emissora Nacional, logo que teve conhecimento do aparecimento da lancha, comunicou a nova a todo o país, para África e para a América. É de calcular o regozijo que a notícia deve ter causado, pois o avaliamos pelos momentos de alegria que vivemos quando, por outros meios a recebemos.
À Polícia de Vigilância e Defesa do Estado se deve a rápida divulgação da agradável, pois para toda a parte a transmitiu com o muito louvável intuito – que todos devem agradecer – de serenar os espíritos e a ansiedade em que vivíamos.
A assistência prestada aos náufragos
pela Companhia Colonial de Navegação
pela Companhia Colonial de Navegação
O sr. Bernardino Correia, presidente do concelho de administração da Companhia Colonial de Navegação, logo que teve conhecimento da chegada dos náufragos a Huelva, providenciou de forma a ser-lhes prestada toda a assistência, correndo as despesas por conta da mesma Companhia. Para Huelva partiu, como delegado daquele organismo, o sr. Joaquim Raposo, funcionário superior dos escritórios. O sr. Bernardino Correia recebeu muitas felicitações pelo aparecimento dos náufragos.
O sr. embaixador de Espanha comunicou com Huelva
Mal teve conhecimento da chegada dos náufragos a Huelva, o sr. D. Nicolau Franco, embaixador de Espanha em Lisboa, comunicou telefonicamente com o sr. governador civil daquela província, a quem pediu informações acerca do que se passara, e a quem manifestou o seu caloroso interesse pela sorte daquela pobre gente. Ouviu, com prazer, que todas as providências tinham sido solicitamente dadas para que nada lhes faltasse.
Nas paragens do torpedeamento não havia nenhum
submarino britânico, segundo uma nota da embaixada Inglesa
submarino britânico, segundo uma nota da embaixada Inglesa
Como foi dito, os tripulantes e passageiros do “Ganda” não puderam ver a nacionalidade do submarino que o torpedeou sem aviso prévio, muito embora, bem visíveis, o vapor ostentasse a sua denominação e a nacionalidade. A propósito, foi recebida da embaixada inglesa a seguinte comunicação:
«Em relação com o afundamento do vapor português “Ganda”, a embaixada britânica está habilitada a declarar, categoricamente, que nenhum submarino britânico ou aliado, se encontrava, na data em questão, nas águas em que o incidente ocorreu».
O seguro de guerra para os marítimos portugueses
Como consequência da situação criada pelo selvático torpedeamento, estuda-se a forma de fazer o seguro de guerra para os marítimos portugueses que vão para o alto mar, providência que o Governo não tem querido adotar, dentro do espírito absoluto da nossa neutralidade.
Como medida de precaução, as estações oficiais de Marinha deram também ordem, para os barcos de pesca, em vez de uma baleeira, como até agora, levarem duas. Na sede da Colonial, continuaram ontem a ser recebidas afirmações de repulsa pelo acto de pirataria cometido contra o “Ganda”. Ali estiveram, entre outras pessoas, os srs. engº. Sá Carneiro, director geral do Fomento Colonial; dr. Ascensão Ramos, secretário-geral da Junta da Marinha Mercante; Fausto de Figueiredo, Henrique Monteiro de Mendonça, representantes das empresas coloniais, carregadores, etc.
O comandante do “Ganda”, sr. Manuel Paião esteve, por sua vez, na Polícia Marítima, a tratar de assuntos ligados ao relatório sobre o torpedeamento.
Como medida de precaução, as estações oficiais de Marinha deram também ordem, para os barcos de pesca, em vez de uma baleeira, como até agora, levarem duas. Na sede da Colonial, continuaram ontem a ser recebidas afirmações de repulsa pelo acto de pirataria cometido contra o “Ganda”. Ali estiveram, entre outras pessoas, os srs. engº. Sá Carneiro, director geral do Fomento Colonial; dr. Ascensão Ramos, secretário-geral da Junta da Marinha Mercante; Fausto de Figueiredo, Henrique Monteiro de Mendonça, representantes das empresas coloniais, carregadores, etc.
O comandante do “Ganda”, sr. Manuel Paião esteve, por sua vez, na Polícia Marítima, a tratar de assuntos ligados ao relatório sobre o torpedeamento.
A odisseia dos náufragos que andaram
setenta e duas horas nas águas do mar
setenta e duas horas nas águas do mar
Foi entretanto possível entrevistar telefonicamente um dos náufragos, o sr. José Maria Azedo, segundo maquinista do “Ganda”, cujas declarações são as seguintes:
«Foram setenta e duas horas de inferno, de loucura, sentindo morrer a esperança, de momento a momento!... (…) Eu estava na casa das máquinas, quando rebentou o primeiro torpedo. O barco estremeceu. Tudo oscilou à minha volta.»
«Sobre uma explosão, uma outra, enorme, pavorosa!»
«Galguei as escadas e vim ver o que se passara. Nem por sombras podia conceber que fôramos torpedeados – nós, um barco de país honestamente neutral! Ao chegar ao tombadilho, quis perguntar o que sucedera, mas não tive tempo para isso. Houve outra explosão, enorme, pavorosa! O barco quase se empinou. Uma formidável coluna de água levantou-se junto da amurada. Estabeleceu-se a inevitável agitação, mas começamos, imediatamente, a tratar de salvar os passageiros. O nosso comandante dava exemplos de sangue-frio, olhando por tudo e por todos…»
(…) «Uma vez dentro da lancha, com os cinco bidões de carburante a bordo, procuramos arrumar aquela gente toda – pobre gente, com a cabeça perdida pelo inesperado e pela brutalidade da desgraça que nos feria! Não tínhamos água, nem viveres. Cartas ou aparelhos de orientação também não havia. Mas o momento não era para hesitações!... Para a frente!»
«Encarreguei-me do motor. O contra-mestre e um marinheiro – foram admiráveis, pode crer! – tomaram, por turnos, conta do leme. Adiante, e que Deus nos protegesse!»
«De princípio, pensamos em navegar junto da baleeira mas o mar estava terrível, encapelado, e separou-nos. Foi uma noite medonha! Nunca o esquecerei! Guiávamo-nos pelas estrelas. O nosso comandante sempre previdente – recomendara-nos que tomássemos o rumo Nordeste, para alcançar a terra. Assim diligenciamos fazer; no entanto, o mar aumentava de fúria, a lancha era sacudida por tremendos vagalhões. Mas lá seguíamos, conforme nos era possível. Compreendemos que a agitação do mar não nos consentia manter o rumo indicado. Resolvemos ir para Leste, rumo que as ondas prejudicavam menos. Todavia, levantou-se um vento impetuoso. As vagas tomaram extraordinário volume. Varriam a lancha de lés-a-lés. Parecia divertirem-se com a nossa angústia! Porém, ninguém desanimava. As senhoras – devo prestar-lhes justiça! – foram assombrosas de coragem. Muito concorreram para nos manter o moral. Especialmente uma senhora polaca, passageira, que viajava com uma filhinha, mostrou-se de um animo rijo, verdadeiramente espantoso. Nunca, na minha vida, pensei que um espirito de mulher pudesse manifestar tamanha firmeza!».
(…) «Uma vez dentro da lancha, com os cinco bidões de carburante a bordo, procuramos arrumar aquela gente toda – pobre gente, com a cabeça perdida pelo inesperado e pela brutalidade da desgraça que nos feria! Não tínhamos água, nem viveres. Cartas ou aparelhos de orientação também não havia. Mas o momento não era para hesitações!... Para a frente!»
«Encarreguei-me do motor. O contra-mestre e um marinheiro – foram admiráveis, pode crer! – tomaram, por turnos, conta do leme. Adiante, e que Deus nos protegesse!»
«De princípio, pensamos em navegar junto da baleeira mas o mar estava terrível, encapelado, e separou-nos. Foi uma noite medonha! Nunca o esquecerei! Guiávamo-nos pelas estrelas. O nosso comandante sempre previdente – recomendara-nos que tomássemos o rumo Nordeste, para alcançar a terra. Assim diligenciamos fazer; no entanto, o mar aumentava de fúria, a lancha era sacudida por tremendos vagalhões. Mas lá seguíamos, conforme nos era possível. Compreendemos que a agitação do mar não nos consentia manter o rumo indicado. Resolvemos ir para Leste, rumo que as ondas prejudicavam menos. Todavia, levantou-se um vento impetuoso. As vagas tomaram extraordinário volume. Varriam a lancha de lés-a-lés. Parecia divertirem-se com a nossa angústia! Porém, ninguém desanimava. As senhoras – devo prestar-lhes justiça! – foram assombrosas de coragem. Muito concorreram para nos manter o moral. Especialmente uma senhora polaca, passageira, que viajava com uma filhinha, mostrou-se de um animo rijo, verdadeiramente espantoso. Nunca, na minha vida, pensei que um espirito de mulher pudesse manifestar tamanha firmeza!».
«Era um avião! Agitamos panos, roupas, a nossa bandeira!»
«A sede torturava-nos; a fome depressa começou a minar-nos também. Mas a primeira é horrorosa! Abrasávamos, tínhamos a garganta encortiçada! Era um sofrimento indiscritível. Não obstante, nem ousávamos esboçar uma queixa, perante a resignada coragem com que as senhoras suportavam o tormento.»
«No dia seguinte ao torpedeamento, quase ao fim da tarde, ouvimos um ruido surdo, vindo do ar. Era um avião escuro. Pareceu-me cinzento. Seria nosso? Seria português? Não sei, nem faço suposições. Sei apenas que fomos arrebatados por uma ansiedade louca. Agitamos panos, roupas e a nossa bandeira! Esbracejamos com desespero; Gritamos! Sei lá o que fizemos! Mas o aparelho ia alto, com rumo Oeste-Leste, ou seja na direcção de terra, e não tardou a sumir-se.»
Uma pausa, o nosso interlocutor fala, agora, num tom de vibrante comoção, evocando a angústia crescente, após a cruel desaparição daquela esperança.
«Como hei-de dizer o que em nós se passou? Foi como se nos tivessem dado uma martelada na cabeça. Ficamos tontos, a olhar uns para os outros, a sentir cá dentro uma grande sombra negra! Mas fingimos não atribuir maior importância ao sucedido. C’os diabos, sempre havia de aparecer um navio que nos salvasse! Assim falávamos, assim queríamos animar-nos, mas, por mim – confesso – pensei seriamente, que não voltaria a ver terra, não voltaria a abraçar os meus. A morte espreitava-nos! Penetrava-me a convicção de que não poderíamos escapar-lhe.»
«Firmes, o contra-mestre e o marinheiro, lá continuavam ao leme, e eu não abandonava o motor. Ao menos, era um motivo que me desviava os pensamentos do fim que eu julgava inevitável. Mas à sede e à fome, à ventania e à fúria do mar, outra angústia veio somar-se: o carburante diminuía a olhos vistos. Cada vez que lançava no depósito mais uma quantidade do precioso liquido, era como quem arrancava um pedaço de mim próprio. Calava-me e remoía comigo as desoladoras impressões.»
«E mais uma noite passou – uma noite de pesadelo, horrível, cheia de pressentimentos ruins que – graças a Deus! – não se confirmaram. Dormir? Quem pensava em dormir, e quem poderia fazê-lo? A nossa gente caía numa espécie de prostração silenciosa, mais eloquente e mais angustiosa do que os gritos ou os choros. E de serviria gritar ou chorar? A nossa sorte estava nas mãos de Quem tudo pode! Que fosse feita a Sua vontade!
«No dia seguinte ao torpedeamento, quase ao fim da tarde, ouvimos um ruido surdo, vindo do ar. Era um avião escuro. Pareceu-me cinzento. Seria nosso? Seria português? Não sei, nem faço suposições. Sei apenas que fomos arrebatados por uma ansiedade louca. Agitamos panos, roupas e a nossa bandeira! Esbracejamos com desespero; Gritamos! Sei lá o que fizemos! Mas o aparelho ia alto, com rumo Oeste-Leste, ou seja na direcção de terra, e não tardou a sumir-se.»
Uma pausa, o nosso interlocutor fala, agora, num tom de vibrante comoção, evocando a angústia crescente, após a cruel desaparição daquela esperança.
«Como hei-de dizer o que em nós se passou? Foi como se nos tivessem dado uma martelada na cabeça. Ficamos tontos, a olhar uns para os outros, a sentir cá dentro uma grande sombra negra! Mas fingimos não atribuir maior importância ao sucedido. C’os diabos, sempre havia de aparecer um navio que nos salvasse! Assim falávamos, assim queríamos animar-nos, mas, por mim – confesso – pensei seriamente, que não voltaria a ver terra, não voltaria a abraçar os meus. A morte espreitava-nos! Penetrava-me a convicção de que não poderíamos escapar-lhe.»
«Firmes, o contra-mestre e o marinheiro, lá continuavam ao leme, e eu não abandonava o motor. Ao menos, era um motivo que me desviava os pensamentos do fim que eu julgava inevitável. Mas à sede e à fome, à ventania e à fúria do mar, outra angústia veio somar-se: o carburante diminuía a olhos vistos. Cada vez que lançava no depósito mais uma quantidade do precioso liquido, era como quem arrancava um pedaço de mim próprio. Calava-me e remoía comigo as desoladoras impressões.»
«E mais uma noite passou – uma noite de pesadelo, horrível, cheia de pressentimentos ruins que – graças a Deus! – não se confirmaram. Dormir? Quem pensava em dormir, e quem poderia fazê-lo? A nossa gente caía numa espécie de prostração silenciosa, mais eloquente e mais angustiosa do que os gritos ou os choros. E de serviria gritar ou chorar? A nossa sorte estava nas mãos de Quem tudo pode! Que fosse feita a Sua vontade!
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ResponderEliminarBoa tarde
ResponderEliminarLi com atenção o que aqui se reproduz sobre o torpedeamento do Ganda.
Em termos gerais corresponde ao que o meu avô me contou de viva voz, embora algumas afirmações não correspondam à realidade.
E é aqui que quero fazer uma correção: o segundo-maquinista era o meu avô José Maria Azedo e não Azevedo como erradamente está no texto.